PARA HAVER
NATAL
Com frequência ouvimos nas campanhas
publicitárias desta época natalícia, nos meios de comunicação social,
particularmente na televisão, a expressão: «Não há Natal sem…», a que acresce o
produto que se pretende publicitar. Ora, partindo desta expressão, pergunto-me
interiormente: o que é necessário para que haja Natal? Tanto mais que vivemos
um tempo preparatório da sua celebração, o tempo de Advento.
Em
primeiro lugar, teremos de definir a orientação do nosso Natal: se orientado
para nós e para os nossos interesses, muitas vezes forjados desde a mais tenra
infância; se orientado para relação com o tu, na alteridade e na partilha; ou
ainda, para quem vive a natureza íntima do Natal, se para a relação com o Tu
(com letra maiúscula). Podendo-nos assim questionar, também, se o Natal nos
fecha em nós, ou se nos abre, para além da renovada comunhão familiar, à
relação universal com os demais e com a própria criação.
Vivido num clima de intimidade, até pela estação do ano, que convida ao
recolhimento, o Natal é uma época de atenção aos que estão mais próximos,
confinando-se, não raro, à comunidade familiar, mais restrita ou mais alargada.
Mas o Natal, pela sua natureza, é um convite ao reconhecimento de cada homem e
de cada mulher como autênticos irmãos, numa familiaridade que se estende para
além dos laços de sangue e que não é compaginável apenas com algumas campanhas
de solidariedade que, por muito proveitosas que sejam e são, não podem esgotar
o sentido do Natal. O Natal é isso mesmo: um tempo de novo nascimento, de
renovação, de aprofundamento do que mais nos humaniza e nos realiza precisamente
como seres humanos – a verdadeira fraternidade.
Assim, para que haja Natal; ou melhor, tomando a expressão inicial, «não
há Natal sem» Jesus. É o seu nascimento que vamos celebrar! Ele é o sentido do
Natal e mais ninguém. Tudo o resto são acréscimos a uma quadra festiva, que tem
o Seu nascimento como centro.
Mas
celebrar o Natal (nascimento) de Jesus não é algo de meramente ritual, que nos
satisfaça simplesmente com as celebrações litúrgicas, tão cheias de afeto e
ternura, que caracterizam esta quadra. Também esse seria o perigo de alguns
cristãos: ritualizar, sem grande compromisso, o tempo do Natal.
Para
haver Natal tenho de me redescobrir a mim, aprofundando a minha identidade
humana que se ilumina à luz do mistério de um Deus incarnado; e tenho, muito
particularmente, de redescobrir o sentido do outro, à luz da presença interlocutora
de Deus, que Se faz carne, no Deus Menino, tornando-se um de nós e interlocutor
nosso no devir da nossa história humana.
Mas todo
o quadro do nascimento de Jesus é já, em si, uma forte interpelação simbólica!
Mais do que as palavras, o presépio contemplado é uma interpelação a olhar os
presépios do nosso tempo: dos que nascem em casebres ou vivem nas ruas, sem
lugar nas hospedagens; dos que não têm condições básicas de vida, de higiene,
de saúde, de formação, de trabalho, enfim… condições que lhes permitam viver
dignamente a sua existência humana. O presépio, que São Francisco de Assis tão
bem quis representar, continua a ser uma lição nos dias de hoje. E sê-lo-á
tanto mais quanto calarem fundo no nosso coração aquelas palavras do próprio
Jesus: «O que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes»
(Mt. 25, 40). Jesus, nascido na pobreza, em Belém, lança o nosso olhar para as
pobrezas de todas as cidades e aldeias, dizendo-nos que é nelas, trabalhando
pela justiça e pela equidade entre todos os homens, socorrendo todos os que
estão necessidade, que viveremos realmente o Natal.
Então… não há Natal sem Jesus; nem há Natal sem os irmãos! Particularmente
sem os mais pobres, desfavorecidos, injustiçados da nossa sociedade. Se nos
alhearmos destes, detendo-nos no conforto dos nossos lares, viveremos o Natal.
Mas, definitivamente, faltar-nos-á o autêntico espírito do Natal, pois é nesses
que Jesus teima em querer nascer no meio de nós!
Pampilhosa, 07 de Dezembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(66ª Reflexão)