sábado, 4 de agosto de 2018

Para haver Natal


PARA HAVER NATAL

    Com frequência ouvimos nas campanhas publicitárias desta época natalícia, nos meios de comunicação social, particularmente na televisão, a expressão: «Não há Natal sem…», a que acresce o produto que se pretende publicitar. Ora, partindo desta expressão, pergunto-me interiormente: o que é necessário para que haja Natal? Tanto mais que vivemos um tempo preparatório da sua celebração, o tempo de Advento.

   Em primeiro lugar, teremos de definir a orientação do nosso Natal: se orientado para nós e para os nossos interesses, muitas vezes forjados desde a mais tenra infância; se orientado para relação com o tu, na alteridade e na partilha; ou ainda, para quem vive a natureza íntima do Natal, se para a relação com o Tu (com letra maiúscula). Podendo-nos assim questionar, também, se o Natal nos fecha em nós, ou se nos abre, para além da renovada comunhão familiar, à relação universal com os demais e com a própria criação.

   Vivido num clima de intimidade, até pela estação do ano, que convida ao recolhimento, o Natal é uma época de atenção aos que estão mais próximos, confinando-se, não raro, à comunidade familiar, mais restrita ou mais alargada. Mas o Natal, pela sua natureza, é um convite ao reconhecimento de cada homem e de cada mulher como autênticos irmãos, numa familiaridade que se estende para além dos laços de sangue e que não é compaginável apenas com algumas campanhas de solidariedade que, por muito proveitosas que sejam e são, não podem esgotar o sentido do Natal. O Natal é isso mesmo: um tempo de novo nascimento, de renovação, de aprofundamento do que mais nos humaniza e nos realiza precisamente como seres humanos – a verdadeira fraternidade.

   Assim, para que haja Natal; ou melhor, tomando a expressão inicial, «não há Natal sem» Jesus. É o seu nascimento que vamos celebrar! Ele é o sentido do Natal e mais ninguém. Tudo o resto são acréscimos a uma quadra festiva, que tem o Seu nascimento como centro.

   Mas celebrar o Natal (nascimento) de Jesus não é algo de meramente ritual, que nos satisfaça simplesmente com as celebrações litúrgicas, tão cheias de afeto e ternura, que caracterizam esta quadra. Também esse seria o perigo de alguns cristãos: ritualizar, sem grande compromisso, o tempo do Natal.

   Para haver Natal tenho de me redescobrir a mim, aprofundando a minha identidade humana que se ilumina à luz do mistério de um Deus incarnado; e tenho, muito particularmente, de redescobrir o sentido do outro, à luz da presença interlocutora de Deus, que Se faz carne, no Deus Menino, tornando-se um de nós e interlocutor nosso no devir da nossa história humana.

   Mas todo o quadro do nascimento de Jesus é já, em si, uma forte interpelação simbólica! Mais do que as palavras, o presépio contemplado é uma interpelação a olhar os presépios do nosso tempo: dos que nascem em casebres ou vivem nas ruas, sem lugar nas hospedagens; dos que não têm condições básicas de vida, de higiene, de saúde, de formação, de trabalho, enfim… condições que lhes permitam viver dignamente a sua existência humana. O presépio, que São Francisco de Assis tão bem quis representar, continua a ser uma lição nos dias de hoje. E sê-lo-á tanto mais quanto calarem fundo no nosso coração aquelas palavras do próprio Jesus: «O que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes» (Mt. 25, 40). Jesus, nascido na pobreza, em Belém, lança o nosso olhar para as pobrezas de todas as cidades e aldeias, dizendo-nos que é nelas, trabalhando pela justiça e pela equidade entre todos os homens, socorrendo todos os que estão necessidade, que viveremos realmente o Natal.

   Então… não há Natal sem Jesus; nem há Natal sem os irmãos! Particularmente sem os mais pobres, desfavorecidos, injustiçados da nossa sociedade. Se nos alhearmos destes, detendo-nos no conforto dos nossos lares, viveremos o Natal. Mas, definitivamente, faltar-nos-á o autêntico espírito do Natal, pois é nesses que Jesus teima em querer nascer no meio de nós!


Pampilhosa, 07 de Dezembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(66ª Reflexão)