sábado, 4 de agosto de 2018


DESTINO UNIVERSAL DOS BENS

   A Constituição Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, ao referir-se ao destino universal dos bens, afirma perentoriamente: «Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos, de modo que os bens criados devem chegar equitativamente a todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade» (GS. 69).

   Ora, se este é um princípio de equidade básica, que todos aceitamos, porque inscrito nos direitos fundamentais de todo o ser humano, a verdade é que a realidade é bem distinta de tal princípio. Bastará, para o consciencializar, atender à notícia, publicada no Jornal online Notícias ao Minuto, do passado dia 21, com o título: «Mais de 80% da riqueza gerada em 2017 está nas mãos de 1%»[1]. A notícia avança com a análise dos lucros dos mais ricos, com o aumento do número de bimilionários, deixando-nos perceber a distância, sempre tão aguda, entre quem possui desmedidamente e quem não possui os bens essenciais para viver dignamente. Sem me deter demasiado na notícia, sublinho apenas a afirmação de que «o aumento da riqueza registada no ano de 2017 dava para acabar com a pobreza extrema no mundo mais de sete vezes». Assim sendo, estamos efetivamente diante de um terrível desequilíbrio na redistribuição dos rendimentos auferidos, enquanto resultado dos bens produzidos. Um desequilíbrio entre pessoas, entre nações (algumas delas fornecendo matérias primas e sem serem devidamente ressarcidas por esses fornecimentos) e entre regiões geográficas. Estamos num mundo economicamente desequilibrado e injusto.

   Certamente que não pretendo afirmar aqui um igualitarismo, enquanto sistema ideológico, que nivelasse a vida de todos os homens numa igualdade absoluta, sem diferenças; mas, sim, salvaguardar a dignidade e os direitos básicos de pessoas e povos. De resto, os modelos igualitaristas, assentes em modelos de propriedade coletiva dos meios de produção e de anulação das classes sociais, faliram, ao longo da história, deixando-nos entrever que mediante o esforço de todos apenas uma minoria usufruía qualitativamente dos resultados dessa produção. Por outro lado, também o capitalismo desenfreado, onde o lucro é a palavra de ordem, deixa na margem a maioria das pessoas, beneficiando apenas algumas. Como, de resto, se pode verificar no artigo indicado.

   Assim sendo, temos de encontrar um meio-termo, que sirva a justiça social e a equidade.

    Conscientes de que as empresas e os serviços beneficiam do trabalho de todos, não nos será difícil compreender que uma boa parte do lucro é pertença dos trabalhadores, por direito próprio, que lhe é assegurado mediante uma justa remuneração. Ao mesmo tempo que estes se empenham no desenvolvimento e crescimento das empresas e serviços onde colaboram e asseguram o seu trabalho; na certeza de que o bem das empresas é também o seu próprio bem. Pelo menos assim deveria ser, não obstante uma certa tendência atual para a procura do lucro à custa, quantas vezes, do trabalho mal remunerado dos colaboradores de algumas empresas e serviços.

   Inclusive, uma justa remuneração não pode nivelar-se simplesmente pelos valores superiormente definidos como mínimos; mas, para que seja justa, tem de considerar o trabalho realizado e a produção alcançada. Isto é, uma remuneração em linha com os bens auferidos.

   Algumas empresas, com forte sentido de compromisso social, fazem-no e vão mesmo até mais longe, atribuindo prémios de produção aos funcionários ou colaboradores. Não sendo tal ação obrigatória, é um forte incentivo à produção e uma expressão clara de sensibilidade social.

   Ao invés, o salário justo é um dever, resultante do trabalho realizado, que é um direito dos trabalhadores e a salvaguarda da sua dignidade, bem como daqueles que lhe estão afetos, dependendo deles economicamente.

   Na perspetiva do «princípio do uso comum dos bens», afirmava o Papa João Paulo II, na Encíclica Laborem Exercens: «um salário justo apresenta-se em todos os casos como verificação concreta da justiça de cada sistema socioeconómico e, em qualquer hipótese, do seu justo funcionamento» (LE. 19). Certamente um percurso a aferir permanentemente e, sobretudo, a aperfeiçoar. A bem da justiça e da dignidade humana.

Pampilhosa, 25 de Janeiro de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(72ª Reflexão)



[1] Cf. www.noticiasaominuto.com [consultado a 21.01.2018].