DESTINO
UNIVERSAL DOS BENS
A
Constituição Gaudium et Spes, do
Concílio Vaticano II, ao referir-se ao destino universal dos bens, afirma
perentoriamente: «Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para uso de
todos os homens e povos, de modo que os bens criados devem chegar
equitativamente a todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade»
(GS. 69).
Ora,
se este é um princípio de equidade básica, que todos aceitamos, porque inscrito
nos direitos fundamentais de todo o ser humano, a verdade é que a realidade é
bem distinta de tal princípio. Bastará, para o consciencializar, atender à
notícia, publicada no Jornal online Notícias
ao Minuto, do passado dia 21, com o título: «Mais de 80% da riqueza gerada
em 2017 está nas mãos de 1%»[1]. A notícia avança com a
análise dos lucros dos mais ricos, com o aumento do número de bimilionários,
deixando-nos perceber a distância, sempre tão aguda, entre quem possui
desmedidamente e quem não possui os bens essenciais para viver dignamente. Sem
me deter demasiado na notícia, sublinho apenas a afirmação de que «o aumento da
riqueza registada no ano de 2017 dava para acabar com a pobreza extrema no
mundo mais de sete vezes». Assim sendo, estamos efetivamente diante de um
terrível desequilíbrio na redistribuição dos rendimentos auferidos, enquanto
resultado dos bens produzidos. Um desequilíbrio entre pessoas, entre nações
(algumas delas fornecendo matérias primas e sem serem devidamente ressarcidas
por esses fornecimentos) e entre regiões geográficas. Estamos num mundo
economicamente desequilibrado e injusto.
Certamente que não pretendo afirmar aqui um igualitarismo, enquanto
sistema ideológico, que nivelasse a vida de todos os homens numa igualdade
absoluta, sem diferenças; mas, sim, salvaguardar a dignidade e os direitos
básicos de pessoas e povos. De resto, os modelos igualitaristas, assentes em
modelos de propriedade coletiva dos meios de produção e de anulação das classes
sociais, faliram, ao longo da história, deixando-nos entrever que mediante o
esforço de todos apenas uma minoria usufruía qualitativamente dos resultados
dessa produção. Por outro lado, também o capitalismo desenfreado, onde o lucro
é a palavra de ordem, deixa na margem a maioria das pessoas, beneficiando
apenas algumas. Como, de resto, se pode verificar no artigo indicado.
Assim sendo, temos de encontrar um meio-termo, que sirva a justiça
social e a equidade.
Conscientes
de que as empresas e os serviços beneficiam do trabalho de todos, não nos será
difícil compreender que uma boa parte do lucro é pertença dos trabalhadores,
por direito próprio, que lhe é assegurado mediante uma justa remuneração. Ao
mesmo tempo que estes se empenham no desenvolvimento e crescimento das empresas
e serviços onde colaboram e asseguram o seu trabalho; na certeza de que o bem
das empresas é também o seu próprio bem. Pelo menos assim deveria ser, não
obstante uma certa tendência atual para a procura do lucro à custa, quantas
vezes, do trabalho mal remunerado dos colaboradores de algumas empresas e
serviços.
Inclusive, uma justa remuneração não pode nivelar-se simplesmente pelos
valores superiormente definidos como mínimos; mas, para que seja justa, tem de
considerar o trabalho realizado e a produção alcançada. Isto é, uma remuneração
em linha com os bens auferidos.
Algumas empresas, com forte sentido de compromisso social, fazem-no e
vão mesmo até mais longe, atribuindo prémios de produção aos funcionários ou
colaboradores. Não sendo tal ação obrigatória, é um forte incentivo à produção
e uma expressão clara de sensibilidade social.
Ao
invés, o salário justo é um dever, resultante do trabalho realizado, que é um
direito dos trabalhadores e a salvaguarda da sua dignidade, bem como daqueles
que lhe estão afetos, dependendo deles economicamente.
Na
perspetiva do «princípio do uso comum dos bens», afirmava o Papa João Paulo II,
na Encíclica Laborem Exercens: «um
salário justo apresenta-se em todos os casos como verificação concreta da
justiça de cada sistema socioeconómico e, em qualquer hipótese, do seu justo
funcionamento» (LE. 19). Certamente um percurso a aferir permanentemente e,
sobretudo, a aperfeiçoar. A bem da justiça e da dignidade humana.
Pampilhosa, 25 de Janeiro de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(72ª Reflexão)