sábado, 4 de agosto de 2018


ABRAÇO

   O meu amigo Martim é um menino de Luso que gosta de afirmar que é o «homem dos abraços». Em diversas situações, por vezes menos esperadas, ele jaz jus à sua afirmação e expressa o seu afeto com uma descontração e naturalidade que é comovedora. É assim comigo e com todos aqueles com quem convive. Alia à sua natural bonomia a vivência autêntica dos afetos, expressão bem visível da amizade que sabe construir.

   Em cada domingo, após a celebração da Eucaristia na Pampilhosa, sei que, entre as pessoas que possa ter de atender, conto sempre com a presença do Pedro, que vai expressamente à sacristia para me dar o seu longo e terno abraço. O Pedro é um menino que tem síndrome de Down e que, talvez por isso, é especialmente afetivo.

   Duas crianças, duas realidades distintas, o mesmo afeto. Sim, um afeto autêntico, como é próprio da autenticidade das crianças, capaz de nos fazer saborear o que a vida tem de mais belo e tocante.

   Vem isto a propósito do dia dos abraços, celebrado esta semana, em que muitas pessoas fizeram questão de enviar abraços especiais aos seus amigos, nas redes sociais. Diga-se, com verdade, que também eu, pela minha natureza, com facilidade envio abraços através desta tecnologia de comunicação. É em mim algo de natural! É, sem dúvida, um meio eficaz de fazermos chegar o nosso afeto àqueles que nos são queridos, sejam eles mais ou menos próximos. Mas não o sobrevalorizei neste dia. É que não me agrada particularmente a existência de um dia dos abraços. Bem sei que os dias mundiais têm como função sublinhar a importância dos temas que os preenchem e de os incrementar. Mas o dia dos abraços tem de ser cada dia. E a vontade de abraçar tem de estar em consonância com as situações concretas que vivemos a cada momento. Enviar abraços especiais porque alguém determina superiormente que aquele é o dia, sabe-me a exterioridade massificada, quando o abraço é um dos gestos mais genuínos e autênticos que podemos viver. Mas sem juízo, obviamente, de quem vive estes dias com alegria e numa sincera atitude de partilha. Por outro lado, as redes sociais, que tanto facilitam a nossa comunicação, podem virtualizar as nossas relações. Isto é, podem facilitar no mundo virtual aquilo que nos recusamos a viver na realidade do nosso dia-a-dia. Ora, qualquer forma de comunicação à distância ordena-se à comunicação na proximidade e na presença. Assim, cada abraço virtual tem de estar efetivamente aberto à sua expressão real; senão será um engano.

   O abraço é um dos mais profundos gestos de carinho. Nele expressamos a nossa afetividade, a nossa amizade sincera, o nosso conforto, a proximidade, a disponibilidade para o outro, a comunhão. Nele somos capazes de expressar aquilo que as nossas palavras não conseguem dizer. Como referia Cazuza, «o abraço é o encontro de dois corações»[1]. E, na afirmação de José Luís Nunes «o abraço é sempre um céu»[2].

   Necessitamos cada vez mais de abraços. De abraços reais, ternos, amigos, sinceros. De abraços que nos enchem de felicidade e tornam felizes aqueles a quem os oferecemos. Necessitamos de abraços porque necessitamos de renovar permanentemente entre nós a comunhão de amor. Certamente com abraços distintos, em situações distintas e com pessoas distintas. Mas sempre abraços.

   E, perdoem-me, mais do que abraços impostos por uma qualquer vontade externa, que massifica, prefiro abraços sinceros, abraços amigos e genuínos. Como os do Martim ou os do pequeno Pedro.

 
Pampilhosa, 24 de Maio de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(89ª Reflexão)


[1] Cf. Cazuza. In Pensador. Disponível em: http://www.pensador.com
[2] Cf. José Luís Nunes. In Citador. Disponível em: http://www.citador.pt