sábado, 4 de agosto de 2018


CRIANÇAS

   Celebrámos, no primeiro dia deste mês de Junho, o Dia Mundial da Criança. Esta celebração varia de país para país, sendo que numa boa parte dos países lusófonos, com exceção do Brasil, este dia se assinala no início do mês de Junho. Contudo, a Organização das Nações Unidas definiu o dia 20 de Novembro como o Dia Internacional dos Direitos das Crianças, precisamente por se assinalar, nessa data, a Declaração dos Direitos da Criança, aprovada a 20 de Novembro de 1959. Data a que acresceria igualmente a aprovação da Convenção sobre o Direito das Crianças, assinada a 20 de Novembro de 1989.

   São múltiplos os objetivos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, quase todos centrados nos direitos à vida, à liberdade, à proteção, à igualdade, a uma identidade, à assistência e à educação. Certamente numa consciência mais viva dos direitos e deveres para com as crianças, que as sociedades só assumiram no decorrer do século XX.

   Verdade seja dita que teríamos aqui um campo imenso de reflexão, se considerássemos, num mundo globalizado, a realidade das crianças nos vários pontos do nosso globo. Quantas situações tão díspares? E a quantas crianças não é ainda assegurado o respeito pelos seus direitos, em parte ou na totalidade? Sim porque há crianças a quem falta tudo e que parecem estar excluídas destes Direitos Universais. Num mundo que é cada vez mais familiar, necessitamos de reafirmar, também em relação às crianças, a «globalização da solidariedade», defendida pelo Papa João Paulo II.

   Mas, de todos os direitos definidos, chamava-me a atenção o princípio 6º da referida Declaração, que inicia assim: «A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afeto e segurança moral e material»[1].

   Ora, esta salvaguarda do amor e compreensão orienta-se para o harmonioso desenvolvimento da personalidade, como sua condição indispensável. Sabendo que a segurança material visa assegurar às crianças as condições básicas de vida. Corremos o risco, numa sociedade materialista e com profundas fissuras na comunidade familiar, de inverter estes valores, substituindo pelas condições materiais, o autêntico amor que é devido a cada criança. Isto é, quando faltam as condições, o tempo, ou a presença junto da criança, substitui-se, não raro, pelas dádivas materiais o que se devia dar numa autêntica dádiva pessoal. E as crianças percebem isso!

   Recuando algumas décadas, muitos de nós reconhecemos como nos foram asseguradas as condições básicas de vida e de educação, às vezes à custa dum grande esforço dos nossos pais. Mas o amor, o autêntico afeto, e a partilha da vida familiar foram o lastro seguro para o crescimento harmonioso, preparando-nos para a vida adulta. Hoje, com a pressão do trabalho; com a escassez de tempo disponível para convivência familiar; com ausência persistente dos pais (valham-nos aí os avós!), por razões laborais; com as ruturas familiares que privam as crianças de um dos seus progenitores; entre tantos outros fatores da vida hodierna; corremos o risco de falhar este objetivo essencial. Que necessita, na hora presente, de cuidados redobrados.

   Já para não falar de múltiplas situações extremas, em que as crianças são sujeitas às tensões entre os pais, sobretudo na sequência da separação destes, sendo as crianças sujeitas a alguma chantagem emocional e permitindo-lhe que cresçam manipulando sentimentos. Por certo, a pior forma de ajudar uma criança a crescer.

   Quando, em sociedade, se definem hoje padrões de vivência material, a que todos os pais querem corresponder, para que os filhos não se sintam inferiores; há um valor primordial que permanece em cada tempo – o amor autêntico! Que se faz de presença, de expressão de carinho, de diálogo, de acompanhamento, de autêntica dádiva de si. Ser pai e ser mãe é uma dádiva imensa! Sabendo que, de entre todos os valores, a vivência do amor será sempre aquele que melhor prepara os seus filhos – para viverem uma vida feliz e para se realizarem na vivência adulta, em sociedade, mediante o «pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade».

Pampilhosa, 07 de Junho de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(91ª Reflexão)



[1] Declaração Universal dos Direitos da Criança. Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, nº 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959. Princípio 6º. Disponível em: http://www.dge.mec.pt