quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Mistério de Natal!...

O Natal coloca-nos, uma vez mais – embora sempre de forma nova – diante do Mistério do Amor de Deus pelos homens. Na verdade, Deus não nos oferece a participação da Sua Divindade de forma distante, mas assume participar da nossa humanidade, tornando-se um de nós na pessoa do Filho, para nos elevar à condição divina. O nosso Deus é, efectivamente, um Deus profundamente comprometido connosco e com a nossa história. Salva-nos a partir do seio dos nossos condicionalismos – faz-se limite connosco para nos transfigurar consigo.
Assim sendo, duas atitudes se nos impõem, enquanto cristãos: a abertura à presença viva de Deus na nossa história pessoal e comunitária; e um compromisso novo com a humanidade redimida por Jesus Cristo feito carne. Em certo sentido, uma revalorização do Amor a Deus e do Amor ao próximo – coordenadas fundamentais do nosso agir de cristãos.
Num tempo em que o homem parece esquecer Deus, embora d’Ele careça como princípio e fim da sua existência, torna-se urgente regressar à comunhão de amor com Aquele que em Si nos oferece a vida plena. É uma necessidade do homem e não de Deus. Sob pena de o próprio homem se sentir solitário, desorientado, sem esperança e sem sentido para a vida que, por si, compreende já – quantas vezes – tanta desilusão, tanta solidão e tão profundos questionamentos. É o homem que necessita de contemplar o rosto de Deus para se redescobrir a si mesmo e as energias que dão futuro à sua vida, para redescobrir a esperança que plenifica a sua existência. Deus não força esta abertura; reclama-a apenas por amor ao próprio homem, para que este acolha o dom da vida que Aquele lhe oferece. Em tempo de Natal, o convite é a redescobrir o rosto de Deus e a deixarmo-nos contagiar pela vida que vem até nós! Isso pressupõe uma renovada abertura de coração para que o dom se nos comunique e em nós frutifique.
De igual forma, o tempo de Natal convida-nos a redescobrir o valor da vida humana, o seu sentido mais profundo – a sua dignidade – e o valor da comunhão entre os homens. Deus, em Jesus Cristo, compartilha connosco a existência humana para nos abrir à compreensão profunda do valor do outro, que jamais nos poderá ser indiferente. Assim sendo, as alegrias e esperanças, as inquietações e sucessos, as amarguras e as felicidades dos demais, numa vivência de verdadeira comunhão, hão-de ser também as nossas alegrias e as nossas esperanças, as nossas inquietações e os nossos sucessos. Mais ainda, o outro – como sugere Bento XVI, na sua Encíclica Sacramento de Caridade – há-de ser amado por nós com um coração semelhante ao de Deus. Ora, se Deus assume uma profunda compaixão pela nossa humanidade, como não havemos de assumir a mesma compaixão pelo destino dos nossos irmãos? Só assim o Evangelho se incarna na história humana e nos tornamos verdadeiros discípulos de Cristo. Não apenas na forma, mas no conteúdo! Jesus Cristo é dom e modelo. E é neste duplo sentido que havemos de O acolher.
Em tempo de Natal, propício para uma maior solidariedade com o outro, o cristão sente, mais vivamente, esta urgência da caridade! Que não se resume a este tempo, mas que se há-de prolongar por todos os tempos e contextos diversos.
Com este duplo desafio, que me imponho e vos proponho, quero desejar a todos um Santo Natal. Que signifique um verdadeiro nascimento de Cristo na vida e história de cada um e a redescoberta da humanidade nova que Ele mesmo – o Senhor feito Carne – inaugurou!

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Resposta a André Vaz!

Ao ler o artigo de André Vaz, que me é dirigido explicitamente, a propósito das minhas observações sobre a obra «Caim» de José Saramago, apraz-me referir o seguinte:

1. Se é certo que leio sempre os artigos de André Vaz com algum interesse, pela sua capacidade reflexiva e pelo belo uso da palavra, não posso deixar de dizer que efectivamente estamos em campos opostos (embora os opostos, para mim, sejam sempre de respeitar!) pelos pressupostos ideológicos (ou pelo menos de pensamento) que cada um de nós vive. Na verdade, eu sou cristão e, por consequência, partilho os princípios do Cristianismo, enquanto o André é niilista, partilhando os princípios de Friedrich Wilhelm Nietzsche (filósofo que defende um niilismo activo contra o chamado niilismo passivo, que ele próprio combateu). Ora, o niilismo (atitude filosófica que melhor define Nietzsche, particularmente na transmutação de todos os valores que compreendem a morte de Deus) consiste na «absolutização do nada», no extremo da negatividade, a que Nietzsche responde com a absolutização do eu, contrapondo a uma outra concepção niilista.
Ora, posta assim a questão, não estranhará o leitor a diversidade de argumentos.

2. Estranho, todavia, é que sem me conhecer pessoalmente, assuma em relação à minha pessoa laivos de «dogmatismo» quando me insere, sem mais, nesse conjunto de pessoas destituídas de conhecimento e de preocupações intelectuais. Meu caro André, antes de nascer – ou pelo menos no seu período de «cueiros» – já eu havia lido a Gaia Ciência e Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche, obras inicialmente publicadas, respectivamente, em 1881 e 1885. Além disso, a sua leitura inseria-se numa visão de conjunto da filosofia que define a formação intelectual de quem cursa Teologia. De resto, sem que as obras referidas fossem obrigatórias, entendi lê-las porque percursoras da filosofia que marca profundamente os meados do século XX e que conhecemos como «existencialismo». Sem ser propriamente existencialista, Nietzsche, na senda de Sören Kierkegaard – considerado como o verdadeiro percursor deste movimento filosófico – exprime a sua percepção angustiante da vida. Mesmo que inverta a sua afirmação sobre o sentido da vida humana. É curioso – e lamento que assim seja – que os «dogmatismos» ateus se tornem tão contundentes, senão mesmo agressivos, ainda que desconhecendo os alvos que visam. E nesta atitude ainda têm a veleidade de criticar a Igreja! Porque olham para o argueiro da vista do irmão e não para a trave que têm na sua? - parafraseando Jesus, no Evangelho! Mas bem… deixemo-nos destes meandros.
Quanto à minha formação, caro André – e perdoem-me os leitores a minha aparente imodéstia, que a não é – não devo nada à formação contínua que hoje é tão valorizada. Desde a minha ordenação sacerdotal, em 1991, só deixei um plano regular de estudos num período que vai de 1991 a 1995. Depois disso, voltei a cursar Teologia, Filosofia (que interrompi por estar a repetir conteúdos) e História, na qual estou agora envolvido, não me detendo simplesmente no primeiro grau de formação. Portanto, numa formação contínua, que conta já catorze anos, julgo ser evidente que privilegio o pensamento, a reflexão, a discussão e a compreensão da realidade, que me faz passar do âmbito da Teologia para outros diálogos e compreensões. Mas, repito, isto é só ilustrativo, sem querer usar qualquer curriculum para me credenciar ou justificar.

3. Mas, voltemos a Nietzsche, para que os leitores compreendam as nossas diferenças. Este filósofo, nascido a 15/10/1844, numa família de protestantes – o seu pai era pastor protestante, assim como o seu avô o tinha sido – faz toda a sua formação inicial no colégio protestante de Pforta, célebre pela tradição humanista e luterana. Nietzsche estava destinado a ser pastor como os seus antecessores. Descobrindo aí a cultura clássica que se une à sua perda da fé, este filósofo viria a fazer do pensamento helenista a fonte essencial da sua filosofia. Todavia, o pensamento de Nietzsche insere-se num período de oposição a um pensamento burguês que definia a realidade socioeconómica finissecular. E a sua luta contra o Cristianismo insere-se numa visão pietista e nominalista que de modo pouco critico recebe desse contexto político, social e cultural. Qualquer filósofo é fruto do seu tempo. De resto, algo de semelhante, embora de orientação diferente, havia acontecido com Marx. A verdade é que o pensamento de Nietzsche resulta também das suas experiências traumáticas, particularmente quando, em 1879, teve de abandonar a docência na Universidade de Basileia por ter contraído doença bastante grave. Doença que sempre o acompanhará e o levará a morrer na loucura em Weimar, a 25/08/1900. O período de doença do filósofo coincide com o grande período de produção literária. De modo que muitos autores consideram que as obras de Nietzsche são feitas «do seu próprio drama». E a morte de Deus – reacção a uma concepção negativa e triste da vida, em sintonia com a moral luterana – leva-o a buscar a divindade em si próprio, numa afirmação exacerbada do «eu». Como refere uma autora – Lou Salomé – «Nietzsche toda a vida se esforçou por descobrir através das diferentes figuras de divinização de si mesmo um substituto para o Deus morto». Ou seja, a eliminação do Cristianismo é mais a substituição de uma divindade por outra, mais do que a tentativa de eliminar a ideia de divino. Certo é que Nietzsche intenta eliminar a herança cristã, mas sendo perfeitamente incapaz de criar novos valores.

4. No que se refere a Saramago – pois foi a partir da sua obra «Caim» que se iniciou esta contraposição de argumentos (pretendo que o seja, mais que qualquer forma de ataque!) – mantenho exactamente o que escrevi. Saramago, como romancista, é livre de escrever o que quiser e sobre o que quiser. Mas, como escreve para leitores, tem de ser exigente no uso das fontes que lhe servem de fundamento. Ora, para uma autêntica compreensão do texto bíblico é essencial que se atenha a conceitos básicos de hermenêutica (já não digo de exegese!). Assim, do ponto de vista hermenêutico, é impossível compreender a Escritura sem a enquadrar nos seus géneros literários, na realidade cultural do povo de Israel (bem como na dos povos da antiguidade), na sua geografia e na sua história. Partir do texto sem estas coordenadas é dizer barbaridades! Imagine-se Saramago usar como fundamento da sua escrita os Lusíadas, mas desvirtuando o seu sentido de base! Que credibilidade nos mereceria? É que, como afirmei, não se trata só da Sagrada Escritura, mas também da fundamentação histórica, mitológica, ou de qualquer outra. Já agora, esta percepção não é exclusivamente minha, nem dos «homens da Igreja»: vejam-se, a este propósito, alguns comentários de diversos intelectuais ao Jornal de Letras, nas novas redes socais disponíveis na Internet.

5. Quanto às acusações que dirigia à Igreja, peço-lhe, caro André, em nome da inteligência que não enverede pelas atitudes simplesmente anacrónicas com que muitos, hoje, olham o passado. Ler o passado – sejam as instituições, as concepções políticas, religiosas, culturais – sem um verdadeiro enquadramento no seu contexto é desvirtuar os factos e usá-los simplesmente a nosso favor! A Igreja tão pouco era uma instituição separada do poder político, como depois – e bem – se estabeleceu a partir dos inícios da época contemporânea. As instituições, como a inquisição, serviram tanto a Igreja como o rei e o poder político instituído. Sinal disso é que a última vítima da Inquisição em Portugal – a título de exemplo – foi o Padre Gabriel Malagrida, Jesuíta, mandado executar pelo Marquês de Pombal. Os processos de Wycliffe, de Giordano Bruno ou de Galileu Galilei (que foi capaz de entender o que significavam as suas afirmações para a época; um homem à frente do seu tempo, como bem reconheceu o Papa João Paulo II) ainda que objectivamente maus, só se entendem no quadro das suas mundividências. De outro modo, estamos a extrapolar acontecimentos do suporte objectivo que nos permite o seu necessário enquadramento. E, assim, os acontecimentos tornam-se mitos, no pior sentido do termo. Aliás, sobre as temáticas da Igreja e da sua acção, nos períodos medieval e moderno, talvez valha a pena serem retomadas, mas noutra exposição, pois que urge clarificar muitas realidades.

6. Porque já vai demasiado longa esta resposta, gostaria de terminar com algumas considerações finais. A ideia de que no seio da Igreja – pois não me critica apenas a mim, mas também os demais cristãos – não existe formação já teve o seu tempo. É certo que muito há a fazer; serei o primeiro a afirmá-lo! Mas dê graças a Deus (mesmo que isto seja um paradoxo para si!) pelas possibilidades que teve, tal como eu também tive, e seja compreensivo para com quem não teve as mesmas oportunidades. De resto, existe hoje muita gente ciosa de uma formação mais consistente, de que eu sou testemunha pessoal, mesmo que carecendo de formação de base. Além do mais, a vida cristã não se baseia num simples conhecimento intelectual (embora ele seja necessário), mas numa atitude existencial. Ou seja, a vida cristã não se baseia numa ideia, mas numa Pessoa – Jesus Cristo. E, neste sentido, permita-me que ao seu «modelo» eu contraponha o meu. É que o meu modelo, mais do que as ideias inconsequentes (ou de nefastas consequências), leva-me a agir, centrando-me num princípio vital de realização humana no seu todo – no amor, enquanto serviço! (E veja como Saramago não tinha razão!). Por incrível que pareça, a Igreja tem como centro da sua acção a linguagem da vida e não «linguagem da morte», como refere. Desde logo, porque é chamada a viver o amor (enquanto doação) que tudo recria; depois, porque no limite está sempre a vida como esperança. Ao contrário, o pensamento de Nietzsche apenas conduz à morte, ao sem sentido; e aqui, na vivência que nos é própria, à luta do mais forte sobre o mais fraco. Pese embora o valor do pensamento – de que eu não abdico – prefiro o meu Deus ao seu «deus». É que Ele não é só divino, mas é igualmente muito mais humano! Só por isso já valeria a pena professar a fé. Mas esta mesma fé perspectiva-nos para horizontes mais largos, face ao mistério da existência humana. E, já agora, se o mal existe, porque existe, é porque Deus sabe respeitar a liberdade individual de cada um. Deus não criou «marionetas» com quem possa divertir-se; criou, isso sim, homens capazes de dialogar com Ele, o que pressupõe uma verdadeira liberdade (possibilidade de opção, de livre arbítrio!) Além disso, este Deus ensina-me o valor da humildade, que se contrapõe à arrogância, o lugar do outro face ao meu eu; o valor da alteridade face ao egocentrismo. Também aqui (sem qualquer juízo das suas acções, que as não conheço, nem aqui são importantes!) divergimos – afinal – nos modelos!

PS. Com o mesmo recurso a post-scriptum, acrescentarei apenas que não me recuso responder a interpelações sempre que estas sejam feitas no claro respeito pelas pessoas e pelas instituições, sejam elas do meu agrado ou não. De outro modo estaremos a usar os meios de comunicação para uma atitude de incorrecção que desdiz de um fim construtivo que se pretende, para além de poderem expressar uma explicita falta de cidadania, que começa num autêntico respeito pela diferença.

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho


(Este artigo foi escrito na sequência de um outro, do autor referido, publicado no Jornal da Mealhada).

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A Sé (Velha) de Coimbra.

A propósito da celebração da Festa da Dedicação da Catedral de Coimbra, celebrada no passado dia 16 do corrente, e sem pretender acrescentar nada de novo ao que muitos, bem mais credenciados do que eu, já afirmaram, permito-me, não obstante, fazer sobre este assunto algumas considerações. E a primeira é a de que, não raro, olhamos as realidades que constituem o nosso património espiritual, cultural e arquitectónico com um excesso de coração que, por vezes, ofusca a nossa razão. Aconteceu comigo na defesa da Sé Nova de Coimbra, reclamando para ela a dignidade que lhe é própria enquanto actual Catedral da Diocese. Contudo, depois de algumas leituras atentas e – mesmo que paradoxalmente – «apaixonadas»; inicialmente das excelentes obras do Reverendo Pe. Dr. José Eduardo Reis Coutinho, sobre a Sé Velha e a Sé Nova de Coimbra (esta última a Igreja dos Jesuítas), a que se seguiu a da excelente obra do grande Mestre Doutor António de Vasconcelos, sobre a Sé Velha de Coimbra; tive oportunidade – essa que advém do esclarecimento – de rever as minhas opções interiores. Assim:

1. É inequívoco o dever de reconhecer o valor da Sé Velha! Não apenas na sua dimensão arquitectónica, enquanto património nacional – pois que esse ninguém o recusa – mas na sua identidade e na natureza da sua construção. Efectivamente, a Sé Velha de Coimbra foi a única Igreja construída, de raiz, para ser a mãe de todas as Igrejas da Diocese. Neste sentido, ela expressa a sua identidade, mas encerra igualmente, na sua história, a dinâmica da construção da Igreja em Coimbra – a história da Diocese – compendiando a vivência de tantos homens e mulheres cristãos que, a partir dela, alimentaram a sua fé, numa comunhão permanente com os Bispos que desde o seu seio conduziram esta «porção do Povo de Deus», que constitui a vetusta Diocese Coimbrã. E que Bispos cruzam a sua história com a da sua Catedral!... Na impossibilidade de referir todos, relembremos apenas alguns dos nomes maiores: D. Miguel Pais Salomão, que constrói a Catedral; D Jorge de Almeida, esse príncipe da Igreja que dotou a sua Catedral, para além de outros elementos, do seu magnifico retábulo; D. Frei João Soares, prelado do Concilio de Trento, que haveria de dotar a sua Igreja da expressiva Capela do Santíssimo, com toda a beleza que a pedra trabalhada nos permite observar; D. Afonso de Castelo Branco, que, para além de Vice-Rei do Reino, foi um dos grandes benfeitores da cidade, onde, ao longo de trinta anos, exerceu proficuamente o seu ministério episcopal; e D. Manuel Correia de Bastos Pina, homem de profunda sensibilidade, cultura e visão esclarecida das realidades, para além de grande empreendedor na valorização do património diocesano, que, entre muitas outras acções, providenciou para que se efectuasse a recuperação da sua antiga Sé. Mas ao lado destes, quantos outros bispos?!... Podíamos referir, ainda, a grandeza de um D. Miguel da Anunciação que, após a sua libertação de Pedrouços, onde esteve encarcerado ao longo de oito anos, regressou à sua Sé, entretanto, mudada de uma para outra Igreja. E com que sentimentos? Enfim… é toda esta realidade viva que se projecta do passado que a veneranda Igreja Catedral de Coimbra reflecte a partir de si.

2. A transição para a Sé Nova – a Igreja dos Jesuítas – insere-se num período complexo das relações do poder régio com as instâncias eclesiásticas, mormente com a Companhia de Jesus, nas quais sobressai a incontornável imagem do Marquês de Pombal. Se é certo que a Igreja dos Jesuítas, vaga após a sua expulsão, servia melhor os ofícios religiosos do Cabido ou aqueles a que os Bispos presidiam, a verdade é que houve uma intenção clara de desapossar a Ordem expulsa de qualquer dos seus bens. A mudança da Sé Velha para a então chamada Sé Nova dá-se a 21 de Outubro de 1772, organizando-se para tal uma imponente procissão, que incorporava muito do clero regular, quase todo o clero secular da Diocese, bem como diversas autoridades locais, como era próprio da organização social no período em questão. Nesta procissão procede-se à trasladação do Santíssimo Sacramento, de uma Igreja para a outra. E, segundo ainda notícia da época, à noite foram várias as luminárias que se acenderam por toda a cidade celebrando esta mudança. Reconhecia-se como Catedral a Igreja dos Jesuítas que, dois dias antes, a 19 de Outubro, havia sido entregue pelo próprio Marquês de Pombal aos Cónegos Nuno Pereira Coutinho e Rodrigo de Almeida, procuradores do Cabido, conjuntamente com o provisor do Bispado, enquanto procurador da Mitra.
Certo é que esta mudança – pela sua natureza e pelos elementos jurídicos e litúrgicos que encerra – não destituiu a Velha Catedral da sua própria identidade. Destituiu-a, sim, simbolicamente, deixando-a entregue a uma certa voragem que em muito a prejudicou. Mas é igualmente inequívoco – como se pode perceber das obras indicadas, da autoria do Reverendo Pe. Dr. José Eduardo Reis Coutinho – que o facto histórico é inultrapassável: a Sé Velha foi construída para ser a Igreja Maior de Coimbra e a Sé Nova mantém, ainda hoje, os seus traços que a definem claramente como Igreja da Companhia de Jesus. Além disso, como refere António de Vasconcelos, apesar destas vicissitudes porque passou a Sé Velha, esta Igreja não perdeu as honras e prerrogativas de Catedral de Coimbra, bem como o seu título, pois que nunca, por direito, lhe foram retirados.
De resto, na sequência da exemplar restauração que, ao longo de quase dez anos, esta Igreja veio a merecer, com os contributos ímpares do Mestre António Augusto Gonçalves, do Bispo Conde D. Manuel Correia de Bastos Pina e da Rainha D. Amélia de Orleans; e após pedido para que se alterasse a data da Dedicação da Igreja de 31 de Agosto para 16 de Novembro, por ser mais condizente com a disponibilidade dos Bispos e do Cabido, vemos como a Cúria Romana anuiu a tal solicitação, através da Sagrada Congregação dos Ritos, por decreto de 26 de Abril de 1916, em que se concedia esta outra data para tal celebração. E referia-se, é óbvio, àquela que, por direito, sempre fora a Catedral de Coimbra.

3. Conclui-se, então, que a celebração da Dedicação da Catedral, a efectuar na Sé Velha, não é apenas um acto de cultura e de sensibilidade. É, sim, um acto de justiça e de verdadeira piedade, num respeito sincero pelo dinamismo espiritual que brotou daquele espaço e que hoje se continua, é certo, na Nova Catedral. Mas esta última não anula, nem substitui a primeira. Aliás, a figura jurídica que os autores nomeados apontam, a que se junta a opinião de muitos outros, como a do actual pároco da Sé Velha, é de todo razoável – que se mantenha como Catedral a Sé Velha e a Sé Nova se reconheça como pró-Catedral. Ninguém, por certo, desejaria mudar a Cátedra do Bispo de uma para a outra Igreja – agora num processo inverso ao que a história registou –; trata-se, isso sim, de reconhecer a mesma dignidade de cada Igreja e de as recolocar no seu justo lugar como expressão visível da Igreja Coimbrã.

Carlos Alberto da Graça Godinho



quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O «CAIM» DE SARAMAGO!

Publicado o romance «Caim» de José Saramago, as críticas da Igreja Católica ao seu novo escrito não se fizeram esperar. Mas, a verdade é que elas foram suscitadas pelo próprio escritor, ao afirmar (num golpe de marketing) que a «Bíblia é um manual de maus costumes» e ao deixar entrever que o seu romance afectaria simplesmente os Judeus e não tanto os Católicos, por estes últimos serem uns ignorantes no conhecimento da Escritura (e não só! Sim, é que das palavras de Saramago depreendem-se outras ignorâncias!). Certo é que o próprio Vaticano já veio desvalorizar tal polémica, dizendo que a Igreja está acima de toda esta controvérsia. Contudo, não deixei de me sentir indignado com a afirmação do escritor quando este referia: «surpreende-me a frivolidade dos senhores da Igreja»! Ora, como frivolidade significa «futilidade», «insignificância» ou «coisa de pouco valor»; sabendo que por tal se expressa – aplicado aos homens da Igreja – uma consideração de gente sem importância nos argumentos a que aduzem (ficando-me agora só por este nível), não deixo de fazer as seguintes considerações:

1 – O Romance, enquanto composição literária, obedece à ficção. Assim cada autor é sumamente livre de criar segundo a sua própria sensibilidade, criatividade e objectivos delineados para a obra que idealizou. Quanto a isto nada há a opor. Aliás, temos magníficos exemplos de criação neste género literário que tanto enriquecem as nossas mundividências e capacidades de pensar a realidade, a partir do seu imaginário. É nesta perspectiva de produção livre que se insere – como os demais Romances – o «Caim» de Saramago: personagem central de toda a obra que percorre uma parte da história bíblica, capaz de ir ao futuro, como «futuro presente», na linguagem do autor.

2 – Todavia, quando um escritor usa algumas fontes, sejam elas históricas, narrativas, mitológicas, ou de qualquer outra natureza, o que dele se espera é que crie na fidelidade a essas mesmas fontes, usando-as com critério sólido, coerente e – condição fundamental – com um conhecimento profundo daquilo que lhe serve de ponto de partida. Ora, o problema de Saramago no seu «Caim» é exactamente a «frivolidade» – de que acusa os homens da Igreja – no modo como usa a Escritura e, concretamente, algumas das suas narrativas. Efectivamente, o autor utiliza o texto da forma mais imediata para atingir os seus fins. Não se preocupa em contextualizar, em inserir o texto no contexto, em compreender o tipo de narrativa que suporta a sua criação; o que produz um ponto de partida manifestamente inconsistente. A abordagem do texto bíblico pressupõe um mínimo de hermenêutica que o autor simplesmente recusa efectuar. Não se trataria aqui, obviamente, de uma exposição teológica, mas de uma fundamentação segura, do ponto de vista científico.

3 – Mas o mais significativo é que Saramago pretende usar o texto para atingir dois objectivos muito claros: branquear a imagem de Caim (ícone da verdadeira humanidade, inteiramente livre) e ridicularizar a ideia de Deus (o mito que interessa apagar da consciência do homem, tornando-o algo de profundamente nefando para a história da humanidade). Neste sentido, Caim é o homem bom, que teve a desdita de matar seu irmão por culpa do próprio Deus; enquanto este último é o ser mau, caprichoso, violento, invejoso, vingativo, vaidoso, desapiedado, a que o autor chega a chamar «louco»; isto para não referir já outros epítetos muito mais contundentes nas considerações que este faz da pessoa divina.

4 – Para além do romance em si – esperando já uma natural reacção das entidades religiosas, porque Saramago não é estulto – a polémica surge nas acusações que o autor formulou contra Deus e contra a Igreja na apresentação do seu livro. Ora, neste sentido, devo dizer ao Senhor José Saramago que a ideia de Deus não só é razoável, como é legítima. De igual modo, na Igreja existe também muita gente inteligente, culta e de grande valor intelectual. Não só nas Ciências Sagradas (nas várias áreas da Teologia, a que pertence o estudo da Sagrada Escritura), como também na Filosofia, na História, na Literatura, entre muitas outras áreas em que tantos se têm distinguido. Nomeadamente no Romance. Portanto, um pouco de humildade e de consideração pelos outros não lhe faria mal nenhum. Quanto à leitura desta última obra da sua lavra, Saramago deve ficar ainda ciente que muitos de nós lemos e estamos atentos ao que no nosso meio se vai produzindo. Passe a imodéstia, tive oportunidade de ler «Caim» no espaço de menos de vinte e quatro horas. Portanto, o velho preconceito de que o clero e demais pessoas da Igreja são ignorantes já teve o seu tempo. Impõe-se um necessário respeito mútuo para que o diálogo seja possível.

Em conclusão, «Caim» é, como já deixei entrever, uma leitura ideológica de algumas narrativas bíblicas, manifestamente de quem tem alguns problemas com a ideia de Deus. E que, consequentemente – mesmo que respeitando a sua legitimidade – mais não faz do que afirmar o seu ateísmo militante. E se as opções de cada um são respeitáveis, não se pode aceitar é que estas se afirmem contra as opções dos outros. Veja-se como no romance todas as personagens aliadas de Deus são mal vistas; enquanto, ao contrário, Caim (a ideia do homem de Saramago) é o herói, o único que permanece capaz de enfrentar Deus. Não seria demasiado compreender – e isto também assiste ao leitor e à sua interpretação – que só o homem que se opõe a Deus é merecedor de permanência, enquanto todos os outros devem desaparecer. Assim termina, de resto, o romance – da arca de Noé apenas saem os animais e a humanidade de Caim. Todos os outros seres humanos foram simplesmente aniquilados. Este epílogo traduz bem a atitude do autor. Legítima, por certo! Mas tão legítima como aquela de quem se lhe opõe e possui um outro entendimento de Deus, do homem e do seu percurso na concretização da história!

Carlos Alberto da Graça Godinho

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Dogmatismo Ateu!

Nos dias de hoje, a par de um recrudescimento do interesse pelo religioso, não raro deparamos com um dogmatismo ateu, interessado em combater aquilo que define como dogmatismo da Igreja. Se assim fora, confronto de dogmatismos, poderíamos dizer que os opostos se tocam, numa referência a uma qualquer lei física. Todavia, a Igreja não se centra em dogmatismos (versão ideologizada do dogma), mas sim nas verdades que define como centrais da expressão da sua fé – os dogmas.
Este dogmatismo ateu (porque o afirma como absoluto e inapelável!) recorre frequentemente a três vertentes para questionar a legitimidade da Igreja: a visão deturpada da Sagrada Escritura (olhada como realidade linear, sem recurso à exegese); a visão anacrónica da História da Igreja (sem situar cada acontecimento no seu tempo); a idealização da razão (como se esta fosse a única verdade, deixando o homem cativo das suas certezas, em vez de buscar, em atitude contínua, a verdade – atitude filosófica).
Ora, a exegese, enquanto «explicação» ou «interpretação», constitui-se como elemento incontornável da abordagem do texto bíblico – na perspectiva de «sacar fora – exegéomai» – no sentido de compreender o seu significado profundo. As visões imediatistas da Escritura não só a falseiam como, consequentemente, impedem o acesso ao seu conteúdo fundamental. Por outro lado, a História – enquanto ciência do passado – corre o perigo constante de ser usada ao sabor do intérprete dos factos. Para se ser fiel à verdade que ela encerra é necessário – quanto nos é possível – situarmo-nos no tempo e nas suas condicionantes, o que nos permitirá uma abordagem séria – e isenta – da verdade que demandamos. De outro modo, mais não fazemos do que projectar o presente no passado e interpretar os factos sem o suporte que os explicam. Já quanto à razão, vivemos num tempo – a pós-modernidade – de atitude dúbia: por um lado, a permanência de uma crença na perfectibilidade da natureza humana, capaz de suplantar todos os limites do racional; mas, por outro, num tempo de reabertura à transcendência como forma de suplantar os limites impostos a esta mesma razão. Isto é, a necessidade de um novo diálogo razão-transcendência que ilumine a possibilidade do ser humano. É que, na verdade, o racionalismo dogmático já se confrontou com as suas fragilidades.
Exposto isto, compreendo sinceramente quem, em atitude séria de abertura e de procura, não conseguiu chegar à experiência da fé, devido à natureza desta e ao desafio que ela compreende para a nossa experiência humana. Todavia, já não consigo compreender tão bem quem, de forma irredutível, afirma a sua razão (ou, pretensamente, a razão humana!), como se nada mais pudesse iluminar o homem no seu ser e na sua consciência. Este dogmatismo não só contradiz a verdade revelada (causa da fé), como, essencialmente, contradiz o espírito humano, na sua procura contínua. Esta é a maior contradição deste dogmatismo racionalista e que o condena na sua raiz.
Carlos Alberto da Graça Godinho

Pe José Tolentino de Mendonça responde a Saramago

O director do Secretariado Nacional da Pastoral Cultura manifestou a sua “desilusão” com a obra «Caim», novo livro de José Saramago.

Em entrevista à Agência Ecclesia, o P. José Tolentino Mendonça considera que o Nobel da Literatura fez uma releitura “banal” do texto bíblico, longe das “páginas magistrais” de John Steinbeck em «A Leste do Paraíso» ou da interpretação do filósofo Paul Ricoeur da fraternidade como “decisão ética”.

A obra ficou envolta em polémica quando o autor, a propósito da apresentação mundial do livro, afirmou que "a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana".

“A perplexidade trazida pelas afirmações de José Saramago é, no fundo, como é que um grande criador, um grande cultor da língua, pode, em relação a um superclássico da literatura mundial – património de cultura diferentes, fonte de inspiração para tanta literatura – pode dizer da Bíblia, com o simplismo e o olhar com que o fez, as coisas que Saramago tem dito”, atira o director do Secretariado Nacional da Pastoral Cultura.

Tolentino Mendonça lamenta que, em «Caim», José Saramago escreva que a Bíblia é “o livro dos disparates”.

“É uma redução inaceitável, não só do ponto de vista da fé, mas do ponto de vista da cultura”, defende.


Tolentino Mendonça comenta «Caim»
O professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica lembra que Saramago é um leitor que “revisita permanentemente a Bíblia”, seja em citações, seja nas suas personagens, mas o resultado desse esforço na sua última obra é, para o sacerdote madeirense, “absolutamente uma desilusão”.

“Esperar-se-ia muito mais da revisitação que um grande escritor pode fazer do texto bíblico”, indica, considerando que o livro de Saramago é, “em grande medida, um texto banal”.

A Bíblia está aberta a várias leituras, crentes e não crentes, mas nem todas são válidas. O exegeta e poeta manifesta “perplexidade” por Saramago não tomar em consideração a necessidade de uma “interpretação” do texto, tomando-o à letra, “no seu absurdo”.

“O que impressiona neste opção é ele (Saramago, ndr) recusar que aquele texto precisa de uma interpretação, de uma leitura simbólica”, declara.

José Tolentino Mendonça realça que a Bíblia “é um livro de fé, que é lido a partir dessa perspectiva por milhões de pessoas, e ao mesmo tempo um livro de literatura, um superclássico”.

Nesse sentido, é necessária “uma compreensão da Bíblia enquanto texto literário para verdadeiramente chegar ao seu sentido”, é preciso “ir à terra do poeta”, como se referia no Vaticano II, perceber que há “um sentido segundo, terceiro, que não se pode ler de forma literal e unívoca, que os géneros literários são para respeitar”.

O sacerdote considera ainda que as declarações de José Saramago sobre Deus e a Bíblia estão muito marcadas pela ideologia do escritor, mais do que por uma tentativa de “recriação profunda das temáticas abordadas nos textos bíblicos”.
Fonte: Agência Ecclesia (www.agencia.ecclesia.pt)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Uma vez mais Saramago!

"Sobre o livro sagrado, eu costumo dizer: lê a Bíblia e perde a fé!", disse o escritor, numa entrevista concedida à Lusa, a propósito do lançamento mundial do seu novo livro, intitulado Caim, este domingo, em Penafiel.

"A Bíblia passou mil anos, dezenas de gerações, a ser escrita, mas sempre sob a dominante de um Deus cruel, invejoso e insuportável. É uma loucura!", afirma o Nobel da Literatura de 1998, para quem não existe nada de divino na Bíblia, nem no Corão.

Para o Nobel da Literatura, o seu novo livro não vai escandalizar os católicos, mas admitiu que poderá gerar reacções entre os judeus.

"Na Igreja Católica não vai causar problemas porque os católicos não lêem a Bíblia, só a hierarquia, e eles não estão para se incomodar com isso. Admito que o livro possa incomodar os judeus, mas isso pouco me importa", disse.

Com Caim, Saramago regressa ao tema religioso, contando, em tom irónico e jocoso, a história de Caim, filho primogénito de Adão e Eva, quase duas décadas após o escândalo provocado pela sua obra "O Evangelho segundo Jesus Cristo" (1991).

Uma vez mais, Saramago! Ainda não li o livro ( que está para sair); mas pelas afirmações feitas, nem Saramago percebe nada de Teologia Bíblica, nem muito menos da imagem de Deus que (mesmo) o Antigo Testamento veicula. Na verdade, no A.T., não se pode identificar uma imagem de Deus terrível, mas sim uma imagem da humanidade terrivel! Efectivamente, sendo história de um Povo - o Povo de Israel - não deixa de ser um «retrato» da nossa humanidade! O Deus do Antigo Testamento não é terrivel; ao invés, liberta, ama, salva, como um pai, como uma mãe, como um pastor, como um rei.... Numa coisa Saramago tem razão: o desconhecimento da Bíblia é muito grande! E ele - parece-me - em vez de clarificar a verdade profunda do que o texto bíblico encerra, usa a ignorância para promover a sua obra! Na verdade, as temáticas «contra a religião» ainda vendem! Falta-nos é quem procure a verdade dos factos. E não me parece que Saramago tenha algum interesse em fazê-lo. Estou á espera para ver o que nos propõe como uma narrativa que parte de uma bela «história» (metáfora) da natureza humana. É que, na verdade, a primeira parte dos Génesis sem ser história - no verdadeiro sentido do termo - expressa bem o que é a nossa humanidade: a de ontem e a de hoje!

domingo, 13 de setembro de 2009

Centenário do Nascimento do Senhor Reitor!

Ao celebrarmos o centenário do nascimento do Senhor Reitor do Seminário Menor da Figueira da Foz e ao olhar o seu busto no Correio de Coimbra, vem-me à memória a última vez em que o próprio Cónego Tomás Francisco Póvoa o pode olhar. Estava eu ao serviço do Seminário da Figueira e o Senhor Reitor já muito debilitado quando, para o «obrigar» a andar o convidei a ir até ao seu jardim - precisamente aquele onde se situa o seu busto. Com dificuldade, agarrado ao meu braço e à sua bengala, chegou ao jardim, parou frente ao busto, chorou e disse-me: «É a última vez que aqui venho!». Na verdade, continuou a fazer pequenas caminhadas pelo meu braço e, essencialmente, pelo braço das incansáveis empregadas do Seminário, a Senhora Júlia e a Menina Bina, nos corredores da casa do Senhor Bispo; mas voltar ao seu jardim, nunca mais voltou. Algum tempo depois acamava, confinado-se ao seu quarto até à sua partida para o Pai. Nunca mais esquecerei a expressão, a afabilidade e o sentimento de gratidão do Reitor para com os seus alunos - expressa no olhar e na comoção com que reconhecia o preito de amizade e carinho destes, presente naquele busto - o seu! - que pela última vez comtemplaria!

sábado, 12 de setembro de 2009

Acorrentámos Deus!...

Em conversa com algumas pessoas - em que, não raro sobressai a religão - tenho tido a sensação de que institucionalizámos Deus. Ou mais ainda, que O acorrentámos! E isso acontece quando a imagem de Deus que se conhece coincide exactamente com a imagem de Igreja que se detém. Acontece quando nós - homens e mulheres do Sagrado - entendemos que os limites da acção de Deus se configuram com os nosos próprios limites de acção. Quando desejamos que o coração de Deus reaja como o nosso coração. Quando o limite da graça é a nossa última palavra. Pois, mas não: DEUS NÃO ESTÁ ACORRENTADO! E não é, quantas vezes, o que queremos fazer d'Ele, nem tão pouco o seu ser se confunde em absoluto com a instituição Igreja que nos lega. Deus é infinitamente mais (no Mistério do seu Ser, do seu Agir e do seu Acolhimento). Bom seria que muitos irmãos nossos ao querer falar de Deus não se situassem meramente ao nível da Sua Igreja! Que é d'Ele; que é Ele; mas que não o esgota! Vale a pena ver mais longe. Para descobrirmos o Seu verdadeiro rosto!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

No Ano Sacerdotal!....

Ao procurar inteirar-me do que vai acontecendo no Ano Sacerdotal, e privilegiando a internet como fonte de informação - por ser um meio mais próximo e imediato - tenho-me deparado com algumas entrevistas feitas a alguns sacerdotes. Sem qualquer atitude crítica - quem seria eu para o fazer? - fica-me sempre uma sensação de algum vazio quando, na fundamentação da vocação sacerdotal, se sobrevaloriza a Igreja como instituição, a sua doutrina, a sua conduta, o seu projecto... Não porque discorde, no essencial, com a Igreja! Nada disso! Mas porque uma opção sacerdotal só acontece como fruto de um encontro vivo e profundo com uma Pessoa - Jesus Cristo! Só este encontro é catalizador de vivências, de energias, de disponibilidades para servir a Igreja, tal qual é e como desejamos - legitimamente - que seja! Quando o enfoque se coloca na instituição e não no verdadeiro fundamento - a Pedar Angular - fica-me a sensação de que «falta» alguma coisa. Não porque ajuize dos outros - repito; mas porque para mim esse é um fundamento relativamente débil; um suporte quantas vezes falível. Só Ele - na sua Pessoa e na graça que nos concede - tem a possibilidade de ser o esteio e a força de todos os momentos. Por outro lado, tão pouco o encontro com Cristo é um «dado» adquirido! Ao contrário, pressupõe uma descoberta e uma adesão contínua; um confronto e um acolhimento persistente da Sua Palavra e do Seu Espírito! E esta é a graça maior do Ano Sacerdotal - a convocação de cada sacerdote e, consequentemente, de cada presbitério, para o encontro com o Senhor da Messe, que chama, que confirma e que envia! O Ano Sacerdotal torna-se, então, uma graça inequívoca para cada um, porquanto é uma oportunidade de confirmação do chamamento à missão que um dia se aceitou abraçar!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Diáconos Permanentes!

A propósito da notícia, da Agência Ecclesia, que refere a ordenação de Diáconos Permanentes na Diocese de Aveiro, retomei o livro de Dionisio Boróbio, Ministérios Laicais, em que o autor, analisando a realidade presente da Igreja, afirma de modo clarividente: Quando a realidade se apresenta na sua crueza, de pouco valem os argumentos da razão, ou os esquemas previamente impostos, ou os modelos legalmente estabelecidos (1); para logo acrescentar, relativamente à vida das Comunidades: cada Comunidade deve possuir os ministérios que julgar necessários para cumprir a missão que Cristo lhe encomendou, de acordo com as possibilidades e as necessidades concretas. (2) É certo que o autor se está a referir a uma grande diversidade de ministérios - com enfoque, até, para os Ministérios Laicais. Todavia, no momento presente em que escasseiam as vocações sacerdotais (e a realidade se vai agravar ainda nos próximos tempos), como estamos a responder às necessidades das Comunidades Cristãs? O autor, a este propósito, não deixa de acrescentar também: os padres que há não só estão sobrecarregados de trabalho pastoral como se vêem praticamente obrigados a concentrar-se no cultual-sacerdotal (3). Além disso, escasseando, não permitem a vivência Eucarística, centro da vida cristã. Por isso - continua o autor - enquanto algumas paróquias ficam sem pastor, muitas pequenas comunidades eclesiais enchem-se de serviços e ministérios e reclamam um novo tipo de ministro (4).
É verdade que não estamos ainda em condições de repensar o ministério sacerdotal (a hora ainda não chegou); todavia, temos outras formas de responder a algumas das necessidades das nossas Comunidades Cristãs. A ordenação de Diáconos Permanentes (óbviamente, que não só!) é uma dessas formas. Por isso me parece que algumas Dioceses, como Aveiro (uma Diocese relativamente pequena), conseguem ter uma dinâmica de serviço muito mais apurada do que outras. Ao olhar, por exemplo, para esta nossa Diocese de Coimbra, devo dizer que vivo alguma «angústia» face ao futuro - das Comunidades e dos próprios padres! Não teremos nós também de encetar um novo caminho, mais dinâmico, como já há alguns anos soubemos fazer? Na verdade, fomos pioneiros com as Celebrações da Palavra! Como «reagimos» agora às exigências que se nos apresentam? Creio que o Espírito não nos faltará; e que fará surgir respostas novas para tempos novos! De momento, basta que sejamos mais céleres em dinamizar o que é possivel, para que o bem da Igreja, e as suas necessidades, nunca sejam postos em causa!

(1) Dionisio Boróbio, Ministérios Laicais, Porto, Editorial Perpétuo Socorro, 1991, p. 9.
(2) Ibidem, p. 13.
(3) Ibidem, p. 10.
(4) Ibidem, p. 11.

terça-feira, 14 de julho de 2009

A maior dificuldade pastoral!...

Por vezes julgamos que uma das maiores dificuldades pastorais é podermos contar com o número suficiente de pessoas para respondermos aos diversos serviços, próprios de uma Comunidade Cristã. Todavia, essa não é a maior dificuldade - por mais difícil que ela seja! A maior dificuldade pastoral é a capacidade de ajudar as pessoas a harmonizarem temperamentos; modos de entenderem a realidade e de a assumirem; e a serem capazes de construir, com sinceridade, projectos verdadeiramente comuns! Para tanto, algumas atitudes são absolutamente necessárias: em primeiro lugar a aceitação da legítima diferença (cada um é singular no seu ser e no seu agir! E é legítimo que assim seja!); depois, a capacidade de ser frontal, na caridade, não permitindo que os problemas se arrastem indefinidamente (viver a sábia e genuína correcção fraterna!); esta segunda atitude pressupõe uma condição essencialíssima - o verdadeiro diálogo (que não é arrazoado de imprecações, mas capacidade de verdadeira harmonização da diversidade, numa recta capacidade de pôr em comum perspectivas diversas de uma mesma realidade!); por fim, essa capacidade - tão cristã (e, por vezes, tão ausente!) - do perdão! Muitas outras atitudes, possívelmente, serão necessárias para um sério entendimento!... Mas se conseguirmos, todos nós, cristãos, cultivar estas que acabo de considerar, as nossas paróquias tornar-se-ão verdadeiras Comunidades Cristãs! E conseguirão viver, mínimamente, aquilo que São Paulo tão bem nos ensinou - que a caridade é o vínculo da perfeição! (cf. Cl. 3, 14).
Para isso, talvez tenhamos de regressar à simplicidade e humildade de crianças, como o Mestre afirmou: «Se não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus» (Mt. 18, 3).


OBS. Se lermos Cl. 3, 12 - 15, aí encontraremos algumas atitudes necessárias, capazes de nos conduzir à perfeição referida pelo Apóstolo!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Maló Clinic e o Luso!

A Sociedade da Água do Luso anunciou uma parceria com a Malo Clinic para a revitalização e posterior gestão das Termas de Luso, num investimento de três milhões de euros. Malo Clinic – Luso Spa Concept é a designação do projecto.
As duas organizações vão criar uma empresa cujo capital será detido em 51% pela Malo Clinic, e em 49% pela Sociedade da Água do Luso, que passa a ser parceiro no projecto, embora a responsabilidade da gestão fique a cargo da primeira. O prazo de implementação previsto é de 18 meses sendo que o complexo passará a funcionar 12 meses por ano.
O projecto de gestão e exploração das termas assenta em quatro áreas principais: termas, centro médico, fisioterapia, e Spa. Segundo comunicado, o modelo de exploração está agora dependente da aprovação pelo Estado, enquanto concedente da exploração das termas.
A apresentação do projecto decorreu no Luso, no Salão do Casino, tendo sido feita por Alberto da Ponte, Administrador da SAL, e por Paulo Malo, da Malo Clinic.
“Queremos oferecer maior qualidade de vida à comunidade do Luso através da aposta neste projecto de revitalização do destino histórico, que são as Termas de Luso” declarou Alberto da Ponte, Administrador da Sociedade da Água do Luso. “Por esse motivo, tomámos a decisão de nos tornarmos parceiros neste projecto e não apenas concessionários. É com muito orgulho que a Sociedade da Água de Luso, em associação com a Malo Clinic, pretende contribuir para o desenvolvimento da Indústria do Turismo e para o desenvolvimento económico da região, como resposta às novas tendências mundiais da procura turística no segmento de saúde e bem-estar.” – acrescentou.
Para Paulo Malo, Presidente e CEO da Malo Clinic, “esta parceria representa um passo de extrema importância para a nossa estratégia no âmbito do turismo de Saúde. A solidez e dimensão de ambas as empresas vão estar, sem dúvida, patentes no Malo Clinic - Luso Spa Concept, que será certamente um mega-sucesso na dinamização de um conceito totalmente revolucionário ao nível da gestão de saúde.”
01/04/2008
In Turisver


A ser assim, julgo que o futuro do Luso é promissor! Tanto mais que o empreendedorismo do Dr. Paulo Maló é profundamente reconhecido! Quem passar pelo sitio oficial da Maló Clinic verá como o seu conceito empresarial se estende já por todo o mundo (América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia e África). Espero, e faço votos sinceros, que o investimento desta empresa no Luso seja um verdadeiro sucesso para o Grupo Empresarial e uma alavancagem capaz para estas terras de beleza e bem-estar!






quinta-feira, 2 de julho de 2009

Governo ou Eleitoralismo?

Hoje, na sequência das notícias da noite, senti-me indignado com as «vergonhosas» imagens do Parlamento Português! E não foi apenas com a atitude do Senhor Ministro da Economia - que se autocondenou com a encenação assumida; foi também com o Senhor Primeiro Ministro e com uma boa diversidade de parlamentares portugueses. As expressões usadas; as atitudes assumidas; o desrespeito mútuo... Vergonhoso! E tudo porquê? Porque estamos em período pré-eleitoral! Não me pareceu em qualquer intervenção efectuada que houvesse uma genuína preocupação com os Portugueses e o estado da Nação! Em discursos mais ou menos «encapotados» todos procuram tirar dividendos a seu favor. Isto é: procuram os interesses de partido e de posse de poder antes do verdadeiro serviço da causa pública! E o que acontece no Parlamento, no Governo e na oposição, transita para as nossas instâncias mais próximas, sejam autarquias, juntas de freguesia, etc, etc... Todo o discurso pende para um interesse particular, para um aumento de margem de «lucro» eleitoral, mesmo que aparentemente muito solícito da causa comum. Razão evidente para dizer que necessitamos de outros políticos! Estes não só não convencem, como enfastiam... Ou, como comecei por intuir: envergonham-nos! E bem gostaria de poder afirmar o contrário!....

domingo, 28 de junho de 2009

José Saramago e a intolerância religiosa!...

É incrível como um homem - culto; prémio nobel; com responsabilidades sociais acrescidas! - que é pretenso paladino da tolerância entre pessoas que constituem a mesma humanidade, consegue ser tão intolerante com os outros, quando partilham vivência espirituais e religiosas diferentes das suas!... É sobretudo curioso como se consegue ser tão contraditório - em nome da tolerância, defende-se o uniformismo, a impossibilidade de se assumir a diferença! Tudo isto vem a propósito da defesa acérrima que o escritor faz do total ateísmo, publicada no JN deste domingo. José Saramago não só defende um mundo completamente ateu, como não deixa de chamar «parasitas da sociedade» aos Bispos, Cardeais e até ao próprio Papa. Que defenda o ateísmo, compreenderei bem - insere-se (julgo!) nas suas mais profundas convicções! Agora, que não seja capaz de assumir que vive num mundo de diferenças ideológicas, religiosas e espirituais... já me custa a aceitar! Com que crédito podemos acolher as suas palavras quando estas se opõem às (más) relações entre religiões? Afinal, não é ele o primeiro a ser intolerante face à convicção dos outros? Ou será ele o iluminado; uma espécie de «messias» do ateísmo? Enfim... fique-nos a sua obra (que respeito quanto ao mérito!...), pois o seu pensamento não me supreende quanto ao conteúdo! Surpreende-me, sim, a sua contradição de discurso!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Celebração da Eucaristia!

Ao passar pelo Youtube, analisando algumas expressões da presença da Igreja na internet, encontrei um video denominado «A Missa do Papa Paulo VI». Outro objectivo não me pareceu ter senão escarnecer da ordenação litúrgica que adveio para a Igreja com o Vaticano II. Aliás, deve esclarecer-se que não existe nenhuma Missa de Paulo VI; existe, sim, a nova ordenação dos ritos litúrgicos definidos no Vaticano II e promulgados no pontificado deste Papa. Sem dúvida que muitos abusos litúrgicos têm ocorrido durante estes mais de quarenta anos após o Concílio. Eu sou o primeiro a reconhecê-lo! Recordo, a título de exemplo, uma celebração em que participei, em França, em 1989, que me deixou perplexo e a interrogar-me sobre a validade do sacramento assim celebrado. A Eucaristia, pela sua natureza, deve revestir-se de beleza, de dignidade, de verdadeira espiritualidade, para ajudar o crente a perceber o Mistério e a dispôr-se a celebrá-lo melhor. Mais ainda, deve revestir-se da dignidade própria que advém do reconhecimento da presença real de Jesus Cristo. Mas querer partir daqui para afirmar que a «única» e «verdadeira» Eucaristia é a que se celebra segundo o rito de São Pio V - anterior ao Vaticano II - é algo que excede toda a minha capacidade de compreensão e de aceitação. Na verdade, a Eucaristia, segundo o novo ordenamento, ganhou em sentido e imprimiu uma nova perspectiva à participação frutuosa dos cristãos. Mais ainda: enquanto expressão por excelência da comunhão entre irmãos no louvor do Único e Eterno Deus, ela expressa a verdadeira comunhão eclesial e é alimento da verdadeira identidade do cristão. Neste sentido, promover a efectiva e frutuosa participação de todos os cristãos na celebração central da sua fé é um dever inalienável da própria Igreja. Assim o refere a Sacrossantum Concilium do Vaticano II:
É por isso que a Igreja procura vivamente que os fiéis não assistam a este mistério de fé como estranhos e mudos espectadores, mas que, compreendendo-o bem através dos ritos e orações, participem na acção sagrada consciente, piedosa e animadamente, sejam instruídos na Palavra de Deus, se alimentem à mesa do Corpo do Senhor, dêem graças a Deus; ao oferecerem a hóstia imaculada, não só pelas mãos do sacerdote mas juntamente com ele, aprendam a oferecer-se a si mesmos e, dia após dia, por Cristo Mediador, aperfeiçoem-se na unidade com Deus e entre si, para que finalmente Deus seja tudo em todos. (S.C. 48)
Estranho que nos últimos tempos se vá afirmando, cada vez mais, uma ânsia de regresso ao passado; a um passado que privou desta participação frutuosa de todos os fiéis do dom da Eucaristia, de que nos fala o Concílio, querendo que ela regresse quase em exclusivo à acção do sacerdote. Este recuo -parece-me - seria infidelidade ao Espírito Santo; infidelidade aos direitos dos cristãos; e uma procura de uma nova «mistificação» da pessoa do sacerdote a partir do Mistério Eucarístico. A Eucaristia não é do sacerdote; é da Comunidade! Como o sacerdote não existe para si mesmo, senão para a Comunidade! Não tenhamos a tentação de privar de um direito fundamental cada cristão, que é destinatário, mas também agente e ministro - enquanto comunidade celebrante - da própria Eucaristia, reservando-a para o «espaço restrito» do clero. Seria, da nossa parte - sacerdotes - não apenas um retrocesso, mas uma verdadeira injustiça! Pela minha parte, tenho consciência de tudo fazer - quanto me é possível - para celebrar dignamente os Mistérios de Deus, que na Eucaristia se expressam tão profundamente, na oferta do Corpo e Sangue de Cristo! É um esforço que todos nós, sacerdotes, havemos de fazer! Mesmo até por uma reordenação do serviço pastoral. Havemos de nos questionar se devemos continuar a promover a quantidade ou se a qualidade das nossas celebrações. Peço a Deus, contudo, que não tenhamos a veleidade de reservarmos para nós o que o Senhor tão abundantemente a todos oferece. Espero sinceramente que este Ano Sacerdotal possa ajudar-nos a viver melhor o ministério que nos foi confiado, sem merecimento nenhuma da nossa parte; mas que o vivamos na fidelidade a Deus e aos homens, por quem Cristo, permanentemente, se oferece no Sacrifício Eucarístico!

sábado, 13 de junho de 2009

Crise dos padres, uma oportunidade?

O papel do padre, em vez de se esboroar, tem-se afirmado com um relevo inédito. Pode mesmo dizer-se que o padre se torna cada vez mais importante.

Por bizarro que possa parecer, tornou-se muito raro ouvir falar da identidade ou da função do Padre na Igreja Católica sem associar imediatamente a palavra crise. Se este termo só muito recentemente entrou na gramática do quotidiano para designar a economia e a sociedade, há muito que ele acompanha a definição da figura e da missão do presbítero. Primeiro, porque as estatísticas desenham uma diminuição das vocações sacerdotais e religiosas que não pode não ter consequências.

Segundo, porque o modo como o padre era olhado do exterior também se alterou (o padre detinha um poder simbólico e exercia um magistério social inquestionáveis). E, por fim, e para resumir, a maneira como o Padre olha para si mesmo reflecte também novas interrogações, expectativas e possíveis caminhos. A grande questão é como transformar esta crise, que não é de ontem nem de hoje, numa oportunidade para a perspectivação e vivência deste ministério fundamental.

Há, num contexto de nem sempre fácil leitura, algumas linhas que vão sublinhando a esperança. Uma delas é a percepção paradoxal de que o papel do padre em vez de se esboroar se tem afirmado com um relevo inédito. Pode mesmo dizer-se que o padre se torna cada vez mais importante na vida dos cristãos e das comunidades. À medida que a visibilidade sociológica do padre parece diminuir, cresce a procura para o diálogo e o confronto da vida, as solicitações para acompanhar pequenos grupos e equipas, para estar presente nos momentos mais variados e em contextos mais íntimos. Lendo alguns sinais deste tipo, vemos emergir três eixos que constituem outros tantos desafios para o Padre de hoje:

1. O Padre é chamado a ser cada vez mais um homem da Palavra. Espera-se dele que tenha mergulhado a sua vida e a sua inteligência na Palavra de Deus e possa ser um anunciador, com capacidade de traduzi-la numa linguagem pertinente e actual, agindo com sentido profético e verdadeira sabedoria evangélica.

2. O Padre é chamado a exercer a paternidade espiritual de modo mais intenso, pela disponibilidade para acolher e acompanhar, sublinhando nos momentos diversos o essencial da esperança.

3. O Padre é chamado, até por fidelidade à tradição da Igreja, a sondar e a valorizar as novas fronteiras onde o Espírito se revela.

José Tolentino Mendonça
Fonte: Agência Ecclesia

sábado, 6 de junho de 2009

Preparação para o Matrimónio!

Terminámos hoje a 1ª série de Encontros de Preparação para o Matrimónio, no Arciprestado da Mealhada. É grato concluir que os noivos se manifestaram interessados, próximos, dialogantes e afáveis no trato. Sinal disso mesmo foi a permanência da grande maioria dos casais, no final do encontro, em diálogo informal e convívo sereno - a conversa que permite um mais profundo e sereno conhecimento e estabelecimento de relações de amizade. Mas foi igualmente interessante escutar a sua avaliação dos encontros (o primeiro dinamizado pelo Filipe e o segundo por mim, com a participação também de alguns casais da pastoral familiar arciprestal) - a necessidade de mais tempo para aprofundar algumas temáticas; a abertura a posteriores encontros para continuar alguma reflexão; o interesse das temáticas abordadas; etc, etc. Enquanto regressava a casa pensava no dever que temos de proporcionar espaços do género aos jovens noivos e jovens casais. Não podemos deter-nos em impressões que nos levam a julgar que os jovens podem não estar interessados. Estão! Participam! Reflectem! E dão-nos ânimo para continuar! Achei curioso que um casal de noivos tivesse pedido mesmo mais tempo de preparação, pois o tempo de que dispusémos pareceu insuficiente. Sinal bem positivo! Enquanto Igreja, nós temos o dever de celebrar com os noivos o seu matrimónio sacramental. Mas temos, igualmente, o dever de reflectir com eles; de propor caminhos; de aprofundar escolhas; de abrir espaço à compreensão dos direirtos e deveres da família; de aprofundar a sua importância na Sociedade e na Igreja; e, essencialmente, de os ajudar a perceber o que distingue o matrimónio cristão de outras opções de vivência conjunta. Para tal, temos de empenhar cada vez mais os casais; temos de responsabilizar todos os agentes pastorais, a começar pelos sacerdotes. É que não basta falar da importância da família: temos de ser nós a promovê-la! E tão pouco basta que avaliemos os nossos jovens pela sua maior ou menor capacidade de assumir compromissos no tempo e na cultura hodierna! É nosso dever caminhar com eles! É nosso dever animá-los na opção que escolheram! E não se trata apenas de um dever pastoral; trata-se, também, de uma forma de vivência da Igreja que é comunhão e comunhão no Amor! Mais: este bem pode ser um espaço para viver sinceramente a caridade cristã! Olhando cada rosto, cada casal de noivos (daqueles doze casais iniciais e catorze hoje) não será caridade cristã sentir que podemos - mais ou menos - contribuir para uma vivência mais rica do ponto de vista humano, no compromisso cristão, no compromisso social e, essencialmente, na felicidade de cada um? Prouvera a Deus que sim! Que as nossas palavras possam ser um contributo para seu e nosso bem!
De realçar ainda a preocupação dos casais da pastoral familiar em levar alguns bolos e algumas bedidas, o que nos permitiu permanecer em convívio por algum tempo. É que as relações de amizade, de confiança e de proximidade constroem-se, quantas vezes, deste modo!... E foi bom estarmos juntos em serena conversação sobre vivências, projectos, expectativas... Num espaço em que cada um pode falar de si! A «cumplicidade» faz-se muita vezes assim!

terça-feira, 26 de maio de 2009

Ano Sacerdotal!

Prestes a iniciarmos um «Ano Sacerdotal», instituído pelo Papa Bento XVI, por ocasião da celebração dos 150 anos da morte de S. João Maria Vianney, o Santo Cura d'Ars, julgo que esta será uma óptima oportunidade para (re)pensar aspectos essenciais da vida sacerdotal. Sem os desenvolver agora, não deixo de referir alguns:


1. A identidade do sacerdote;

2. A espiritualidade sacerdotal;

3. A formação teológica do sacerdote e sua contínua reactualização:

4. Os novos desafios da prática pastoral, como resposta ao «hoje» da Igreja e do Mundo;

5. A pertença a um Presbitério;

6. Novos caminhos para a comunhão e serviço presbiteral;

7. Pastoral vocacional em ordem ao exercício do Ministério Ordenado.

Cada um deste campos será, por certo, motivo profundo de reflexão. Espero eu próprio fazê-la ao longo do ano, porventura partilhando-a aqui. Julgo que este será um momento excepcional de graça para os sacerdotes e para a Igreja. Tanto mais que ser padre, hoje, nos lança desafios tão profundos quanto renovados - na linguagem, no estilo de vida, na comunhão sacerdotal, na capacidade de resposta às inquietações do homem hodierno... Em suma, na capacidade de no aqui e agora - como noutros tempos! - sermos as «actuais» testemunhas de Cristo Bom Pastor!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Obrigado à abstenção!

É curioso como o nosso sistema eleitoral ainda obriga alguns cidadãos a abster-se de votar em alguns dos actos eleitorais. Será esta a minha situação - que me indigna! - no próximo dia 7 de Junho. Na verdade, eu mantenho residência oficial em Águas Belas - Ferreira do Zêzere; mas, por dever de trabalho, resido habitualmente no Luso. Tendo contactado os serviços respectivos da «Direcção Geral da Administração Interna», é-me confirmado que apenas posso votar no espaço de residência oficial! Reserva-se o voto antecipado apenas para um conjunto muito restrito de actividades profissionais, onde não se encaixa a minha situação pessoal. Ora, mantendo residência oficial num espaço que me é habitual e não num outro que, de momento, me é necessário; impossibilitado de me deslocar - por razões de disponibilidade de tempo - à minha mesa de voto; impossibilitado de votar antecipadamente; resta a alternativa: não votar! E eu constato como é curioso este sistema. A proposta que me é feita seria a de alterar a minha residência. Mas como hoje estou aqui e amanhã não estarei, julgo que não devo proceder a tal alteração. Conclusão: porque tenho a (in) felicidade de ser padre - e, portanto, de «trabalhar» ao domingo - apenas voto quando tiver tempo livre para me deslocar! De resto, esta questão dos padres poderá ser semelhante a muitas outras actividades!... O direito de cidadania fica assim limitado! Tanto mais que quando foram marcadas as eleições já eu tinha agenda feita para aquele dia! Não seria de avançar - de vez! - com um sistema de voto electrónico e que as pessoas votassem onde se encontram? Já que tanto temos avançado em termos de informatização de serviços, porque não informatizar esta valorização da cidadania? Fica aqui o meu reparo!

terça-feira, 12 de maio de 2009

A Catequese!

Entre os muitos «problemas» que a Catequese enfrenta nos dias de hoje, parece-me que o fundamental é o facto de se pretender fazer «Mistagogia» sem que exista um verdadeiro «primeiro anúncio». Na verdade, a Catequese continua a pressupôr a intervenção dos pais como agentes desta primeira evangelização, reservando-se, depois, para a compreensão dos grandes mistérios da fé. Ora, como hoje os pais não realizam este primeiro anúncio, ou o realizam com particular dificuldade, a Catequese falha a sua orientação! Necessitamos, portanto, de rever todo o processo. A Catequese tem de inserir na sua dinâmica um espaço de claro e inequívoco primeiro anúncio, que seja preparação para a clebração dos sacramentos e verdadeira conversão à vida cristã. Só depois poderá continuar a desenvolver-se, esclarecendo todas as componentes desta mesma vivência. Não será certamente por acaso que o Arcebispo de Évora, D. José Alves, desafia a Igreja em Portugal a repensar o processo catequético, de modo a que ele forme na fé, insira na comunidade e, igualmente, insira na prática sacramental. É que a falta de prática sacramental é uma evidência desta falha - sem prática sacramental não há verdadeira vida cristã; não há conversão; não há consciência de se ser discípulo. Todos nós conclímos que a nossa Catequese forma teóricamente (quando forma!...), mas não existencialmente. Necesitamos de inverter este processo!

terça-feira, 28 de abril de 2009

D. Nuno Álavares Pereira – Apontamentos de Roma.

Neste Domingo que passou, como muitos outros Portugueses, pude participar em Roma na Canonização de D. Nuno de Santa Maria Álvares Pereira, o Condestável que se tornou «frade donato», para se dedicar totalmente «ao serviço do Senhor, de Maria – a sua terna Padroeira que sempre venerou –, e dos pobres, nos quais reconhece o rosto de Jesus»[1]. Foi uma experiência rica de espiritualidade, de comunhão eclesial e de comunhão presbiteral, já que tive a graça de, com muitos outros sacerdotes, estar no serviço de distribuição da comunhão, o que me permitiu viver mais intimamente toda a celebração Eucarística presidida pelo Papa.
Um conjunto de reflexões me foram surgindo, antes, durante e depois da celebração. Desde logo, as minhas motivações pessoais para me encontrar ali; depois, a participação portuguesa em Roma – tão entusiástica, reconhecida, e claramente feliz com tão significativo acontecimento; e ainda as atitudes expressas por alguns meios de comunicação social, relativamente a um acontecimento que nos deveria mobilizar muito mais profundamente.
1. As minhas razões pessoais talvez sejam, no contexto deste artigo, as que menos peso têm. Todavia, não posso deixar de considerar que foi importante para mim participar na Canonização de um homem que marca indelevelmente a nossa identidade; que é capaz de abandonar todos os seus bens para, numa atitude de extrema humildade servir os mais pobres dos pobres; e que, ainda por cima, é natural – muito provavelmente – de um espaço que me é tão próximo fisicamente. Acrescendo ainda que a freguesia que me viu nascer foi pertença de seu meio-irmão, Rodrigo, que veio a constituir a linhagem dos morgados de Águas Belas. Também aqui nos faz bem sentirmos a «santidade próxima», pois que evidencia esse convite que a Lúmen Gentium do Vaticano II a todos dirige: o convite universal à santidade!

2. Interessante foi a participação portuguesa: cerca de dois mil concidadãos congregados em Roma para celebrar o mesmo acontecimento. Certamente – pelos testemunhos que se puderam recolher – não apenas para celebrar a história, numa figura do passado; mas sim para celebrar a história que, enquanto ciência do passado, lança desafios ao presente e ao futuro. É assim com o Santo Condestável: distante de nós no tempo, é mais que contemporâneo nos desafios que nos lança à vivência de uma séria e profunda identidade cristã. E os portugueses têm consciência disso. De resto, esta poderá ser uma óptima oportunidade para fazer catequese sobre os grandes desafios que nos lança o compromisso da fé, partindo de tão notável testemunho. O Papa referiu-o bem, quando, sem descuidar o enquadramento histórico da sua vida e acção, soube apresentá-lo como modelo de espiritualidade e de serviço ao bem comum, capaz de nos interpelar no hoje da vivência da fé – num mundo que necessita de redescobrir a espiritualidade e de promover, de modo mais decidido, esse mesmo bem comum.
Certamente que esta vivência de tantos concidadãos, expressa na sua alegria e entusiasmo, há-de dar frutos no tempo que se aproxima.

3. Não pude deixar de registar, contudo, algumas reacções da «elite» política e intelectual deste país, que precederam a Canonização. Tais reacções foram – ainda que de modo não muito expressivo – veiculadas por alguns meios de comunicação. Eu próprio expressava assim a minha admiração em mensagem a alguns amigos: «Há uma contestação dos senhores laicos à Canonização de D. Nuno Álvares Pereira que é impressionante. Aliás, bacoca! Se são laicos, porque os incomoda tanto a Canonização deste Santo Português?». Enfim, não me detenho aqui na oposição que parece persistir relativamente a tudo o que vem da Igreja Católica – de maior, ou menor valor para a sociedade portuguesa! Não deixei de considerar como curioso um artigo de tal natureza bem patente num semanário que, nesta semana, contestava a censura, enquadrada no contexto das celebrações do 25 de Abril (Visão nº 482, 23 a 29 de Abril de 2009). Se é certo que o artigo apenas fazia notícia, não deixou de me questionar a exclusiva publicação da «polémica». E o resto? E os outros cidadãos? E o valor simbólico do reconhecimento de um português, mesmo que não numa perspectiva de fé? Não serão dignos de notícia? E porque não a representação a mais alto nível – a representação de Estado? Não foi Nuno Álvares Pereira, ele mesmo, um cidadão que exerceu funções de Estado ao mesmo nível? De resto, num período tão conturbado da nossa história e da nossa independência!... Representação ao mais alto nível não era apenas – como foi – um direito do Estado Português; era também um claro dever! Por vezes fica-me a dúvida se, porventura, alguns destes senhores pensam que o Estado Português apenas surgiu com a República?!.... Pois; mas não: Portugal é uma realidade dinâmica, na qual se congregaram muitos esforços para a erguer como Nação! E o Santo Condestável foi dessas forças maiores! Aliás, Portugal antes da República conta com cerca de oito séculos de história. Construímos na continuidade e não na oposição! Somos o que nos legaram e devemos fazer jus a essa herança!
Se porventura fosse uma personalidade de reconhecida afirmação «laica» bradar-se-ia se as autoridades se não fizessem representar; mas como era uma figura da Igreja, ainda que de reconhecida acção política, minimiza-se! Naturalmente que não peço fé aos governantes – cada um saberá de si! -; mas peço, sim, responsabilidade cívica e política! Por isso a representação do Presidente da República, da Assembleia e das Forças Armadas, fizeram jus ao seu dever! Se, por coincidência de datas, proclamamos a liberdade; se a temos como valor adquirido; se a queremos promover; não coloquemos mordaças aos outros, quando as não queremos para nós! É o mínimo de bom senso. Aliás, uma verdadeira liberdade aceita a diversidade enquanto afirmação de uma séria e madura democracia! Também neste sentido a figura de Álvares Pereira é um desafio à verdade, à coerência, ao respeito pelos outros e pelas suas opções!
Na verdade, muitas são as lições que havemos de recolher deste Homem, deste Estadista, deste Cristão, deste Frade, deste Santo. Sem reservas, que cada um de nós se deixe interpelar por ele. Certamente nem tudo está dito! Pelo contrário: muito terá ainda para nos ensinar!...

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

[1] “Nuno Álvares Pereira”, Canonizzazione, [Guia da Celebração], Piazza San Pietro. 26 de Aprile 2009, p. 30.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Canonização de D. Nuno Álvares Pereira

Acabo de chegar de Roma, onde participei na Canonização de D. Nuno de Santa Maria Álvares Pereira. Foi uma experiência gratificante participar nesta celebração que nos diz tanto - pelo modelo de vida, pela proximidade identitária, pela nossa história, etc... Se é verdade que o que me moveu a ir a Roma foi, em boa parte, o facto de o Santo Condestável ter (muito provávelmente) raízes pelo nascimento próximas das minhas e de família na terra que me viu nascer; sem dúvida que a sua capacidade de deixar tudo para se dedicar à oração e ao serviço dos pobres, após ter atingido os mais altos reconhecimentos do Reino que era o seu, numa extrema humildade, tem um significado bem real - enquanto modelo - para os dias de hoje. O Papa referiu-o bem na sua homilia (curiosamente feita em portugês, quando se referiu a São Nuno). Dizia, entre outras considerações, que este é um modelo para um mundo que tanto carece do aprofundamento da vida espiritual. Sobre a intervenção Papal (que muitos puderam ouvir pelos meios de comunicação), vários aspectos há a salientar, mas que reservo para outros momentos. A mim, pessoalmente, fez-me muito bem este «retiro» no Vaticano. Se é certo que a multidão - como é normal - estava presente nos vários espaços (multidão de que eu fiz parte em vários momentos); também é verdade que consegui ter espaços de recolhimento pessoal (mesmo no meio dessa mesma multidão). A Capela do Santíssimo, a Capela da Reconciliação, conservam-se como lugares de alguma interioridade em plena Basílica de São Pedro. Mas também é possível o recolhimento junto ao túmulo do Papa João XXIII, apesar da contínua passagem de visitantes. Foi para mim um momento de grande doçura este, junto do túmulo do Bom Papa. Outro momento marcante, para mim e para tanta gente que ali vi recolher-se, foi a passagem junto do túmulo do Papa João Paulo II. Pude passar ali em duas ocasiões. Quer numa, quer noutra, sentia-se que junto àquele túmulo se deixava a atitude de simples visitante para assumir a atitude de peregrino. A tendência era mesmo prolongar a presença no local, pelo que estavam permanentemente funcionários do Vaticano a assegurar que as pessoas circulavam. Mas foi pssível - para mim e para muito outros - recolher-me num espaço paralelo ao da passagem e ficar alguns momentos em silêncio. Mas, de todos os momentos, deter-me numa das Capelas de celebração, diante do Sacrário, enquanto alguns Bispos, seminaristas (julgo que o seriam) e acólitos cantavam as Vésperas de Domingo, foi outro momento de profundo descanso espiritual; aquela sensação de abandono ao Amor que não nos abandona!... E de Lhe podermos confiar a vida - a nossa, a dos que nos são caros, dos nossos paroquianos e vida das Paróquias, da Igreja Diocesana e Universal, as vocações... e a vida de tantos que se recomendam à nossa oração sacerdotal e fraterna!...
Sem dúvida que outro privilégio foi celebrar com o Santo Padre e em comunhão com toda a Igreja. Tive a possibilidade de, com muitos outros sacerdotes, ficar ao serviço da distribuição da Eucaristia. Para tal fomos colocados na escadaria próxima da Cátedra do Santo Padre. Mais que o privilégio, a comunhão eclesial! Nem a propósito, do meu lado direito ficou um padre francês - Padre Yves - que tinha acabado de conhecer na Basílica de São Pedro, enquanto nos preparavamos para a celebração, padre de grande afabilidade e espírito de comunhão sacerdotal; do meu lado esquerdo, um dos meus mestres de espiritualidade em Coimbra, o Padre Jesuíta Alberto Brito, agora ao serviço da Companhia de Jesus em Roma. «Como o mundo é pequeno», dizia-me. E é verdade! Curioso é que para poder servir ao altar tive de adquirir batina. Também isto não deixa de ter o seu quê de interessante, embora possa parecer jocoso. Foi necessário regressar a Roma, doze anos depois da primeira vez, e mais de dezassete após a minha ordenação, para adquirir a minha primeira batina. E acabo por perceber, contra qualquer tese de extremo, «nem sempre, nem nunca»! Aliás, ali entendia-se verdadeiramente a sua necessidade de acordo com o serviço prestado. De pouco me valeu levar túnica, pois, admitido ao serviço do altar, sem veste talar tal não seria possível. E é curioso como o serviço é tão cuidadosamente organizado, com eficiência, simplicidade e afabilidade. A atitude do ainda jovem sacerdote cerimoniário, que orientou a nossa participação, foi disto mesmo um exemplo - sem ostentação, conseguiu cativar pela autoridade simples; sem dureza, pela afabilidade; sem artificialismo, pela competência; organizou o serviço de tantos padres que, como eu, provinham de vários espaços (embora no dia de ontem mais italianos e portugueses do que de qualquer outra nacionalidade, o que é compreensível, uma vez que foram canonizados quatro beatos italianos e um português). Enfim... neste primeiro apontamento deixo aqui algumas impressões interiores e experiências vividas que se podem tornar construtivas para os que, comigo, partilham este espaço. Esta é simplesmente uma partilha familiar. Fica-me um desejo - que desta vez não concretizei! -, que é o de poder reunir um conjunto de cristãos das comunidades que me estão confiadas, e mesmo de outras, e podermos fazer, em comunhão, esta bela experiência de Igreja. Quem sabe se o futuro, que é de Deus, no-lo não virá a permitir!?....
Pe. Carlos Alberto Godinho

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A Igreja e a Sexualidade!

A questão do uso, ou não, do preservativo, na sequência das palavras do Papa Bento XVI e agora do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, têm agudizado uma questão que parece extremar cada vez mais posições. O saldo final não será, por certo, tão positivo quanto seria desejável, pois, de parte a parte, não há diálogo, mas sim afirmação de antagonismos - a Igreja usa uma linguagem distante da vida das pessoas, para falar das suas orientações; e o «mundo» de hoje distancia-se cada vez mais da visão da Igreja, que apelida não só de conservadora, mas igualmente de prejudicial para o bem estar dessas mesmas pessoas. De algum modo, como ouvia ontem, chega a apelidar-se a Igreja de «criminosa» quanto à questão do uso ou não do preservativo. Neste diálogo (que o não é, pois que a distâncias se aumentam) importa considerar alguns aspectos: 1. O que é a sexualidade e qual a sua função?; 2. Como propor princípios morais aos homens do nosso tempo?; 3. A necessidade de estabelecer pontos de convergência e não de divergência no diálogo Igreja-Mundo.

1. O que é a sexualidade e qual a sua função?

Em primeiro lugar, a sexualidade é um elemento constitutivo da pessoa humana. É muito mais que a genitalidade; é sim «a construtora silenciosa e eficaz do organismo diferenciado do homem e da mulher, a causa profunda das extraordinárias diferenças psíquicas entre eles». (1) A sexualidade designa «o conjunto de elementos marcados pela nossa condição sexual específica». (2) A sexualidade constitui uma dimensão fundamental do ser humano, que «inspira» toda a sua vida do nascimento até à morte. (3)
Ora, devemos considerar que, numa visão redutora, sexualidade se confunde não raro com genitalidade. (4) E este é o perigo do tempo presente - reduzir a sexualidade a acto genital. Tomar consciência da sexualidade, em sentido profundo, significa, em primeira e última instância, tomar consciência da construção da pessoa humana. Estes têm sido elementos de clivagem entre a sociedade moderna e a Igreja, seja na construção de um modelo de educação sexual, seja no uso de anticonceptivos, etc, etc... Todavia, também não podemos esquecer que a sexualidade compreende a «genitalidade», precisamente pela diferenciação orgânica (5) e que, por isso, existe uma tendência unitiva entre as partes distintas. Ora, inserir a genitalidade numa sã e profunda construção da pessoa, na abertura ao outro, enquanto verdadeiro diálogo de pessoas, capaz de de se tornar um dom recíproco, é o caminho para a construção de cada um, como verdadeiro ser humano. É neste sentido, também, que a união sexual se torna um dom de si mesmo ao outro, permitindo abrir-se à verdadeira comunhão e à promoção da vida.
Enfim, sobre a sexualidade e a sua riqueza não falta abundante literatura para quem quiser aprofundar o seu significado e a sua compreensão.

2. Como propor princípios morais aos homens do nosso tempo?

Numa sociedade como a nossa, marcada por algumas visões reducionistas da sexualidade, de que parece não querer abdicar, questiono-me se o papel da Igreja deverá ser o do confronto ou o da iluminação. Óbviamente que opto pelo segundo. A Igreja não só não deve persistir num discurso hermético que extrema posições, mas deve abrir-se à discussão, ao verdadeiro diálogo, que permita iluminar este tempo com o seu pensamento (com essa visão personalista da sexualidade humana). Persistir noutra atitude significa agravar as clivagens de pensamento que se vão desenhando nos tempos que correm. Assim, nem a Igreja vive a sua missão, nem o homem do nosso tempo pode contar com a sua sábia doutrina, capaz de iluminar e humanizar uma realidade tão sensível na construção da pessoa humana.
Por outro lado, a Igreja não pode ficar cativa de «preconceitos» relativos à sexualidade. Tem de tomar consciência que fala para homens e mulheres com experiências e vivências diferentes, que não se compadecem - quantas vezes - com as propostas «ideais». A este nível, recordo o padre Franciscano Bernardino Banhos, quando refere que o «perfeccionismo» na abordagem da sexualidade poderá ser altamente prejudicial. É dele a seguinte afirmação: «Pretendem que caminhemos para a perfeição o que está muito certo, mas únicamente pela via do perfeito, o que é simplesmente desastroso». (6) Ora, a Igreja, sem abdicar das suas mais profundas convicções, da sua doutrina iluminadora, tem de saber dialogar com o homem concreto - com cada homem em situação. E neste sentido, havemos de dizer - sob pena de hipocrisia - que a par de casais com uma vida sexual estável, existem outros onde acontecem as «infidelidades»; que existem orientações sexuais que tendem a procurar parceiros diferentes; que existem pessoas com vivências sexuais promíscuas... A diversidade de vivências é grande e a procura da satisfação da genitalidade nem sempre se compadece com o ideal da vivência da fidelidade a um só parceiro. Não estou com isto a afirmar, de modo algum, qualquer complacência da Igreja relativamente a estas formas de vivência da sexualidade. Estou, isso sim, a dizer, que a Igreja acolhe no seu seio muita gente que vive esta diversidade na procura da vivência da sua genitalidade. Persisitir num discurso para o perfeito - que é dever de iluminação -, sem atender ao real, é distanciar-se cada vez mais da vida das pessoas concretas a quem somos enviados. E é aqui que se há-de inscrever este acolhimento necessário; e é aqui, também, que se hão-de equacionar os bens maiores e os males menores. E eu pergunto: o que é o preservativo em comparação com a vida humana? Nada! Simplesmente nada! É um elemento que, se tiver de ser utilizado para salvaguardar um bem maior, é de obrigação moral! Fica claro que não é o ideal para um relacionamento, nem tão pouco a resposta «plena» a todos os males que possam advir de uma sexualidade porventura mal orientada. Mas é, inequivocamente, um mal menor - aí ouçamos a comunidade científica - relativamente à profilaxia de problemas graves que possam advir destas vivências da sexualidade.
Parece-me que a Igreja tem de ser menos rígida na «malha de obrigações proibitivas» (7) e dialogar com a sociedade que, por seu turno, faz da sexualidade, quantas vezes, um produto de simples consumo. (8) Tanto mais que este é um aspecto elucidativo, em que notamos a persistente tentativa de controle social por parte da Igreja e a respectiva reacção libertadora da sua tutela, por parte da sociedade hodierna. Na verdade, este bem pode ser o aspecto crucial das clivagens que se vão agravando: por um lado a Igreja propondo formas de controle excessivas, com posturas «proíbitivas»; por outro, a sociedade procurando libertar-se da tutela da Igreja, como forma de reacção a uma estrutra «paternalista».
Acresceria ainda um diálogo necessário sobre as visões da sexualidade partilhadas pela Igreja e pelo mundo moderno. E este seria outro filão que era necessário explorar, mas que não acabe abordar aqui, no espaço deste artigo. Direi apenas, na senda de Autiero, que a Igreja não dispõe de um «magistério da sexualidade» isolado do «nexo sexualidade-matrimónio» (9). Não será - humildemente o digo - um tempo oportuno, para aprofundar esta problemática no seio da Igreja? Sobretudo quando a libertação sexual parece ter assumido contornos de uma nova «revolução» dos tempos hodiernos?
Sem dúvida que importa insistir numa sexualidade centrada na pessoa e não no simples acto. E este é o grande contributo da Igreja, numa sociedade cada vez mais secularizada, que tem necessidade de não se afastar da própria Igreja, mas de a escutar em questões tão sensíveis da realização humana, sem paternalismos, mas como «companheira» de viagem no caminho da verdadeira construção da pessoa humana.

3. A necessidade de estabelecer pontos de convergência no diálogo Igreja-Mundo.

O nosso tempo necessita mais da pontos de encontro, de convergências, do que de divergências estéreis de pensamento. Tal não significa unanimismo, nem tão pouco uma atitude de abdicação de convicções profundas. Significa, isso sim, capacidade de sincero e verdadeiro diálogo. E parece-me que para assumir esta atitude, o primeiro passo será a capacidade de escutar o outro - de o escutar na sua realidade profunda, para depois lhe responder de modo eficaz. Esta tem de ser a atitude da Igreja: escutar o mundo de hoje com profundidade, para então lhe responder com a sua solicitude; de uma forma positiva e construtiva; e nunca de uma forma distanciada, ou, porventura, meramente «dogmática». Precisamos, cada vez mais, de estabelecer pontos de contacto e não formas de radicalização dos discursos. Bem sei que a questão não se coloca apenas do lado da Igreja: é necessário que os seus interlocutores queiram dialogar sériamente, sem preconceitos, acolhendo diferenças num mundo de pluralidade de opiniões. É necessário que, de parte a parte, exista um verdadeiro sentido «democrático», entendido este na sua dimensão mais lata, enquanto pressuposto para a expressão diversidade de opiniões. Ora, bem sabemos que o verdadeiro diálogo parece estar truncado por preconceitos, por intencionalidades, por unilateralidades de afirmação de opções. Como lidar com tudo isto? É aqui que a Igreja hoje, e cada vez mais, tem de de definir uma verdadeira «estratégia« de comunicação. As afirmações do Papa, e agora do Cardeal Patriarca, ainda que reafirmando o pensamento da Igreja sobre esta temática, criaram mais distanciamento do que esclarecimento. É curioso ver como até homens e mulheres simples do povo, que connosco se cruzam na rua, não deixam de tecer críticas à Igreja por uma forma de pensamento. Porquê? Porque a Igreja perdeu a razão? Certamente que não! Essencialmente porque a Igreja tem dificuldade em fazer passar a sua mensagem. E não tenhamos dúvidas: surte muito mais efeito o minuto da notícia de Telejornal, do que a meia dúzia de homilias proferidas nas nossas Igrejas. Em termos de opinião pública sabemos que é assim! Daí a necessidade de «saber dizer». Não de ocultar a convicção; mas de saber dizer aquilo em que se crê de modo a que não se permita a sua distorção. Sem dúvida que, quer o Papa, quer os nossos Bispos - que têm de ser interventivos - deveriam rodear-se de verdadeiros peritos da comunicação. E, sobretudo, sabendo que se um modo de dizer algo pode inverter o sentido do que se pretendeu afirmar, então saber usar as estratégias próprias para que a verdadeira mensagem seja veículada. Não sei se os meios de comunicação obedecerão a uma estratégia de «aniquilação» do pensamento da Igreja. Não quero cair neste maniqueísmo. Mas a verdade é que o que passa para a opinião pública é apenas o problemático, o «reactivo», e não o construtivo. Veja-se - e aí o Senhor Cardeal Patriarca tem razão - o que aconteceu com os discursos do Papa em África: parece que tudo se resumiu ao preservativo, quando o Papa disse infinitamente mais, no conteúdo e na sua abordagem global das relações humanas, do que aquilo que constituiu esta relativamente simples intervenção. É necessária uma verdadeira estratégia de comunicação para a Igreja. Bem sei que pode ser difícil, nestes tempos que são os nossos; mas é urgente! É que a palavra continua a ser esse elemento incontornável da acção da Igreja. Ela foi chamada a anunciar a Palavra e por meio da palavra. Neste ano paulino, talvez tenhamos de aprender com este Apóstolo o uso da palavra, para responder às reticências, às oposições, mas também aos desejos mais profundos e sublimes dos homens do nosso tempo.

(1) Pe. Bernardino Banhos, Sexo e Sexto - Psicologia e Graça, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1972, p. 25.
(2) André Alsteens, Diálogo e Sexualidade, 2ª ed., Sacavém, Edições Paulistas, 1981, p. 16.
(3) Cf. Ibidem, p. 16.
(4) Cf. Ibidem, p. 16.
(5) Cf. Ibidem, p. 17.
(6) Pe. Bernardino Banhos, o.c., p. 17.
(7) A. Autiero, voc. Sexualidade, AA.VV, Dicionário de Teologia Moral, São Paulo, Editorial Paulus, 1997, p. 1146.
(8) Cf. Ibidem, p. 1146.
(9) Ibidem p. 1149.

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho