terça-feira, 25 de outubro de 2016

A Vitalidade da Esperança!


A VITALIDADE DA ESPERANÇA


   Após o terrível incêndio que, em Agosto passado, lavrou por estas terras Bairradinas, e mesmo ainda antes da época das chuvas, deslocando-me, há dias, pela estrada nacional, em direção à Mealhada, constatava como, por entre as árvores queimadas e um chão de cinza, surgem já alguns tímidos sinais de verdura, prometendo uma nova vida àqueles espaços negros e tristes, onde o fogo tudo transformou em morte aparente. São os fetos que começam a brotar; os rebentos de eucalipto que despontam – não obstante a preocupação dos silvicultores, porque nocivos à reflorestação desejada; o despertar de matos e outras plantas endémicas, que começam a querer surgir!... Como que deixando adivinhar uma natureza vigorosa, capaz de se reinventar e de redimir um passado próximo de grande destruição.

   Ao passar por ali e ao reparar nestes indícios de nova vida, vinha-me à mente a perceção de que estes ténues sinais de recomposição são como que uma bela metáfora a iluminar algumas situações da nossa vida humana: confrontados, quantas vezes, com dramas pessoais ou familiares, de naturezas tão diversas, criamos a noção, por momentos, de que a vida desaba, desfazendo-se em negras cinzas, onde apenas resta a tristeza e a total desolação. Face ao fracasso, à angústia, à dor, ou, especialmente, à possibilidade da morte, a vida como que se desfaz num campo de cinzas, onde todo o vigor e pujança é substituído pela tristeza de uma paisagem escura e sem vida. Essa paisagem interior, espelhada num rosto fechado, de preocupação, de lágrimas, ou de angústia!...

   Se são mais que legítimos tais sentimentos, face às múltiplas formas de dor e à evidência dos limites humanos; também não é menos certo que, não raro, em tais circunstâncias, nos deixamos agrilhoar pelo momento presente, sem almejar um qualquer outro futuro. Identificando esse presente, inclusive, com a noção do tempo que pára; expressão tão comum para traduzir a nossa angústia, face aos acontecimentos que, aparentemente, imobilizam as nossas vidas. 

   Contudo, tal como na natureza, também a nossa vida se renova permanentemente. Por vezes, com sinais ténues de um novo despontar, num processo lento de renovação da alegria e da esperança, da confiança e da serenidade. Mas tudo se renova! E à distância, sem que as cicatrizes da dor se desfaçam, a vida ganha um novo sentido. Não é por acaso que a sabedoria popular afirma, de forma proverbial: «não há mal que sempre dure, nem bem que se não acabe», remetendo-nos para a permanente novidade – para o bem e para o mal, é certo! – que define a nossa existência humana.

    Com esta consciência, necessitamos, nas horas difíceis e de dor, de alargar o nosso olhar interior, na esperança de que um tempo futuro cure as feridas do momento presente. Como a nova vida, que brota da terra, a recompor o solo das cinzas, necessitamos, nessas horas de dor, de um futuro que ilumine o presente, na certeza de que nada permanece insanável e de que tudo permanentemente se refaz! Necessitamos, pois, de reconquistar horizontes de vida! Isto, exatamente: horizontes de vida! Marcados por rejuvenescimentos de esperança! Mesmo quando a vida nos trai e no horizonte se inscreve a morte!

   Para quem é crente, mesmo aqui, na morte - pese embora, como para os demais, se experimente a mesma dor da perda e da ausência de quem é querido - abre-se um horizonte infinito de esperança, um rejuvenescimento absoluto da vida, uma transfiguração da paisagem humana, em que do pó e da cinza, se ergue uma nova natureza, um ser radicalmente novo, transfigurado numa eterna primavera – o mistério da ressurreição! Não já uma renovação da vida, sem mais, mas a vida em plenitude, como se de uma eterna primavera se tratasse!

   A vida humana, jogada entre alegrias e dores, tem sempre no seu horizonte uma contínua esperança! Uma esperança que é sentido e alento! Uma esperança que urge reconquistar permanentemente! É que – como bem refere José Luís Nunes Martins - «cada esperança abre horizontes infinitos e possibilidades imprevistas»!

 

Pampilhosa, 20 de Outubro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(20ª Reflexão)

Idosos!


                                        IDOSOS                                            

   Celebrámos, no passado dia um de outubro, o Dia Internacional do Idoso. Instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1991, este ano teve como lema: Tome uma posição contra o envelhecimento. Visando a «tomada de consciência das atitudes negativas e discriminatórias», que hoje se vivem, em razão da idade, e seu «consequente prejuízo nas pessoas idosas», pretendeu-se alertar, com esta celebração, para a consciência de que todas as pessoas de idade têm o direito de alcançar o seu pleno potencial, ao mesmo tempo que a sociedade cumpre a sua promessa de construir uma vida de dignidade e de respeito pelos direitos humanos de todos, segundo a declaração de Ban Ki-moon, Secretário-geral da ONU.

   Em Portugal, conforme as últimas estatísticas do INE, cerca de vinte por cento da população tem mais de sessenta e cinco anos. Numa tendência progressiva de acréscimo, atendendo à baixa natalidade que se regista entre nós. Aliás, Portugal é mesmo um dos países europeus com uma das taxas de natalidade mais baixa, como se pode averiguar dos dados relativos à União Europeia.

   Na abordagem do conceito de pessoa idosa e como consequência de uma maior longevidade, mencionamos hoje uma terceira e uma quarta idade, que claramente se distinguem entre si. Na terceira idade, concretamente no exercício de uma “segunda maternidade”, enquanto avós, muitos são os idosos que desempenham tarefas fundamentais para o equilíbrio familiar. Como bem refere o Documento preparatório do Sínodo dos Bispos de 2015, denominado: A Vocação e a Missão da Família na Igreja e no Mundo Contemporâneo, muitos avós «ocupam-se dos netos», educando-os e transmitindo-lhes, inclusive, o próprio dom da «fé». Garantindo ainda, quantas vezes de forma silenciosa e discreta, um «precioso apoio económico aos jovens casais» (nº 18).

   Contudo, um dos primeiros deveres que todos temos de assumir para com os idosos – na terceira ou quarta idade - é o do reconhecimento e do autêntico respeito. Melhor ainda: o dever de um reconhecimento amoroso e de um respeito reverencial. Sabendo que os idosos «constituem o elo de união entre as gerações, garantindo a transmissão de tradições e hábitos nos quais os mais jovens podem encontrar as próprias raízes» (nº 18). Assim é, de facto, nalgumas sociedades organizadas segundo modelos ancestrais, onde os idosos continuam a ser reconhecidos na sua sabedoria e vivência, merecendo por parte da comunidade o respeito e mesmo uma certa veneração. Entre nós, nas denominadas sociedades desenvolvidas, tendemos a perder este sentido humano do lugar devido ao idoso. Centrados na produtividade, na eficácia e numa conceção hedonista da vida, os idosos podem parecer socialmente dispensáveis ou, de alguma forma, limitadores dessa fruição livre e completa da vida, transformando-se num certo peso familiar e social. Como refere o Papa Francisco: «o número de idosos multiplicou-se, mas as nossas sociedades não se organizaram suficientemente para lhes deixar espaço, com o justo respeito e a concreta consideração pela sua fragilidade e dignidade» (nº 17). É certo que as condições de vida se alteraram, mormente as condições laborais e familiares. Contudo, mesmo em novos contextos, é nosso dever cuidar zelosamente dos nossos idosos! Proporcionando-lhes novas oportunidades de criatividade, de aprofundamento de conhecimentos e de uma vivência jubilosa deste momento da sua vida e da sua história. Infelizmente, entre nós, um dos principais problemas dos idosos continua a ser o isolamento e a solidão, à semelhança de outros países, associados, quantas vezes, à pobreza e à desnutrição, fruto dos seus parcos rendimentos e reformas! Uma interpelação pessoal, a cada um singularmente e a todos, enquanto sociedade.

   Necessitamos de redescobrir a dignidade da pessoa idosa e de a revalorizar: em contexto familiar, institucional e comunitário; com um novo enquadramento mental e social. A interação entre gerações, particularmente entre os mais novos e os mais velhos, bem pode desempenhar aqui o papel pedagógico relativamente a este desiderato. Relembrando aquele princípio de Jean-Jacques Rosseau: «A juventude é a época de se estudar a sabedoria; a velhice é a época de a praticar»!

 

Pampilhosa, 13 de Outubro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(19ª Reflexão)

 

 

 

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Só o amor cura!


SÓ O AMOR CURA  
                                
   Passando recentemente pelo Brasil, ao serviço da Pastoral do Turismo, tive a oportunidade de visitar e conhecer a «Fazenda da Esperança». Uma comunidade terapêutica destinada a recuperar jovens toxicodependentes, que nasceu da iniciativa do, então, jovem Nelson Rosendo dos Santos e do total apoio do seu pároco, frei Hans Stapel, franciscano alemão, a quem pudemos escutar na visita. A recuperação, nesta comunidade, assenta em três pilares metodológicos fundamentais: espiritualidade, convivência e trabalho. Nascida em Guaratinguetá, Estado de São Paulo, nos inícios da década de oitenta, esta primeira comunidade deu origem a muitas outras Fazendas, masculinas e femininas, no Brasil e em dezasseis outros países, incluindo Portugal, pois temos uma Fazenda em Maçal do Chão, concelho de Celorico da Beira.

   Se a espiritualidade é um pilar fundamental para a recuperação, com a reflexão da Palavra diária, a convivência é pautada por pequenos gestos de amor quotidianos, capazes de recuperar estes jovens, fazendo deles novos homens e novas mulheres.

   Num breve momento, em que passeava sozinho por algumas das ruas da Fazenda, refletia, uma vez mais: basta amar, pois só o amor cura! E percebi novamente que o amor é o único que liberta e nos refaz; o único que nos dignifica e nos constrói. Como esquecer o abraço profundo e sincero daquele jovem, em recuperação, que nos atendeu no serviço de bar? Ou o daquele outro com quem conversei, por alguns momentos, numa das ruas da Fazenda? O afeto partilhado é fruto do afeto recebido, pois quem é amado tende a amar. Verdadeiramente, uma aprendizagem para mim, levando-me à conclusão íntima, uma vez mais, e que reafirmo agora, na partilha convosco: basta amar, pois só o amor cura! E cura-nos a todos, de tantas limitações humanas. Não apenas a estes, em situação de dependência química; mas a tantos outros – a cada um de nós – nas situações tão diversas da existência humana! O amor é a chave fundamental para o crescimento humano – pessoal e comunitário! Reaprendi – pois a vida é sempre uma reaprendizagem contínua - que mais do que o afastamento ou a marginalização, necessitamos de ir ao encontro do outro ou dos outros, sem pretensões, simplesmente de coração aberto para acolher, para escutar, para amar. Só então, partindo daqui, podemos contribuir para a ajuda ao outro, seja a que nível for. Muitas vezes numa caminhada conjunta, em que ambas as partes se enriquecem na procura de uma nova humanização.

   Quando nas nossas comunidades tendemos a marginalizar, ou mesmo – no extremo – a ostracizar pessoas ou grupos, talvez devamos reaprender esta lógica: que a marginalização degrada pessoal, social e espiritualmente aqueles que afastamos de nós; ao passo que o amor regenera e reconstrói em todos essas dimensões da vida humana.

   Imerso numa experiência real de amor, como a daquela comunidade terapêutica, compreendi melhor a expressão de Madre Teresa de Calcutá: «o importante não é o que se dá, mas o amor com que se dá»!

   Nas nossas comunidades - sejam elas civis, religiosas, laborais, de amigos; em suma: humanas – necessitamos de renovar o amor! Para que a ninguém falte este dom que nos constrói! Conscientes de que – como referia ainda Madre Teresa - «a falta de amor é a maior de todas as pobrezas».

Pampilhosa, 06 de Outubro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(18ª Reflexão)

 

 

Só o amor cura!


                                                    SÓ O AMOR CURA  
                                
   Passando recentemente pelo Brasil, ao serviço da Pastoral do Turismo, tive a oportunidade de visitar e conhecer a «Fazenda da Esperança». Uma comunidade terapêutica destinada a recuperar jovens toxicodependentes, que nasceu da iniciativa do, então, jovem Nelson Rosendo dos Santos e do total apoio do seu pároco, frei Hans Stapel, franciscano alemão, a quem pudemos escutar na visita. A recuperação, nesta comunidade, assenta em três pilares metodológicos fundamentais: espiritualidade, convivência e trabalho. Nascida em Guaratinguetá, Estado de São Paulo, nos inícios da década de oitenta, esta primeira comunidade deu origem a muitas outras Fazendas, masculinas e femininas, no Brasil e em dezasseis outros países, incluindo Portugal, pois temos uma Fazenda em Maçal do Chão, concelho de Celorico da Beira.

   Se a espiritualidade é um pilar fundamental para a recuperação, com a reflexão da Palavra diária, a convivência é pautada por pequenos gestos de amor quotidianos, capazes de recuperar estes jovens, fazendo deles novos homens e novas mulheres.

   Num breve momento, em que passeava sozinho por algumas das ruas da Fazenda, refletia, uma vez mais: basta amar, pois só o amor cura! E percebi novamente que o amor é o único que liberta e nos refaz; o único que nos dignifica e nos constrói. Como esquecer o abraço profundo e sincero daquele jovem, em recuperação, que nos atendeu no serviço de bar? Ou o daquele outro com quem conversei, por alguns momentos, numa das ruas da Fazenda? O afeto partilhado é fruto do afeto recebido, pois quem é amado tende a amar. Verdadeiramente, uma aprendizagem para mim, levando-me à conclusão íntima, uma vez mais, e que reafirmo agora, na partilha convosco: basta amar, pois só o amor cura! E cura-nos a todos, de tantas limitações humanas. Não apenas a estes, em situação de dependência química; mas a tantos outros – a cada um de nós – nas situações tão diversas da existência humana! O amor é a chave fundamental para o crescimento humano – pessoal e comunitário! Reaprendi – pois a vida é sempre uma reaprendizagem contínua - que mais do que o afastamento ou a marginalização, necessitamos de ir ao encontro do outro ou dos outros, sem pretensões, simplesmente de coração aberto para acolher, para escutar, para amar. Só então, partindo daqui, podemos contribuir para a ajuda ao outro, seja a que nível for. Muitas vezes numa caminhada conjunta, em que ambas as partes se enriquecem na procura de uma nova humanização.

   Quando nas nossas comunidades tendemos a marginalizar, ou mesmo – no extremo – a ostracizar pessoas ou grupos, talvez devamos reaprender esta lógica: que a marginalização degrada pessoal, social e espiritualmente aqueles que afastamos de nós; ao passo que o amor regenera e reconstrói em todos essas dimensões da vida humana.

   Imerso numa experiência real de amor, como a daquela comunidade terapêutica, compreendi melhor a expressão de Madre Teresa de Calcutá: «o importante não é o que se dá, mas o amor com que se dá»!

   Nas nossas comunidades - sejam elas civis, religiosas, laborais, de amigos; em suma: humanas – necessitamos de renovar o amor! Para que a ninguém falte este dom que nos constrói! Conscientes de que – como referia ainda Madre Teresa - «a falta de amor é a maior de todas as pobrezas».

Pampilhosa, 06 de Outubro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(18ª Reflexão)

 

 

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Turismo acessível a todos!


TURISMO ACESSÍVEL A TODOS

   O Dia Mundial do Turismo, celebrado no passado dia 27, convida-nos a viver o princípio definido pela Organização Mundial de Turismo (OMT): Turismo para todos: promover a acessibilidade universal. Tendo em consideração o tema proposto pela OMT e pelo Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, organismo da Igreja Católica, que se associa, desde início, a este dia, na qualidade de diretor do organismo de Pastoral do Turismo, em Portugal, escrevi a nota nacional que fiz assentar em dois pilares fundamentais, para que o turismo seja realmente acessível a todos: o desenvolvimento do denominado "turismo social" e a criação de condições de mobilidade para todos aqueles que estão limitados nessa mobilidade por qualquer forma de deficiência. Se para estes últimos a permanente preocupação será a de promover um turismo integrador, que resulte, desde logo, na criação de condições de acesso aos diversos locais de interesse turístico, com a implementação de rampas, ou ainda à instalação de dispositivos que respondam às diversas formas de limitação, em linha, de resto, com muita da legislação portuguesa já em vigor; já para os primeiros a realidade é mais complexa. Vivemos, em Portugal, num contexto socioeconómico desfavorável a muitos. Com um cômputo geral de cidadãos nacionais que se encontram em pobreza ou em vias de pobreza, a cifrar-se nos dois milhões, sendo que um em cada cinco portugueses vive numa realidade socioeconómica deficitária. Sendo assim, podemos perguntar-nos: será o turismo uma prioridade, quando existem tantas outras carências humanas básicas não satisfeitas? Diremos que sim! Não sendo o turismo, é certo, uma prioridade na satisfação dessas necessidades básicas, é todavia um direito que assiste a todos, independente das suas condições económicas! Assim o defende o Código Mundial de Ética do Turismo, ao afirmar: «o turismo constitui um direito aberto do mesmo modo a todos os habitantes do mundo e nenhum obstáculo dever ser interposto no seu caminho» (Art. 7ª, nº 1).

   É que o turismo não contempla apenas a realidade do lazer, enquanto repouso, que já de si é um direito de todos; mas é igualmente fonte de conhecimento de outros povos e culturas; promotor da paz e do diálogo entre pessoas e comunidades; autêntica possibilidade de crescimento pessoal, na formação cultural, humana, cívica e espiritual. Um meio inequívoco de formação e de educação.

    Para que estes benefícios, próprios do turismo, sejam acessíveis a todos, e particularmente aos mais desfavorecidos economicamente, exige-se hoje um maior compromisso social das entidades públicas e privadas, com autênticas responsabilidades na promoção das pessoas e comunidades que servem ou onde se inserem. Mas exige igualmente um sentido profundo de partilha e de solidariedade entre membros de uma mesma comunidade, permitindo que a partilha de uns se transforme no bem de outros. O denominado «turismo social» resulta desta congregação de vontades, envolvendo a todos. Múltiplas são as suas formas de realização: desde as colónias de férias para crianças e jovens; a viagens organizadas nas comunidades, acessíveis a quem tem menores rendimentos, ou mesmo gratuitas, como acontece já com algumas das nossas entidades municipais, com passeios definidos para determinadas faixas etárias; até às parcerias com instituições orientadas para este tipo de turismo; entre tantas outras possibilidades, no compromisso público ou privado. 

   A Organização Mundial de Turismo deixa-nos, este ano, um forte desafio no sentido de esbatermos desigualdades, infelizmente tão desniveladoras da realidade social. A bem de um princípio de direito, de integração e de partilha. Um turismo acessível a todos deve ajudar-nos a reconhecer a dignidade de tantos que habitualmente vivem em situações de precariedade, como que à margem desses direitos que lhes deveriam ser assegurados. O compromisso da partilha e da solidariedade, também no turismo, pode levar-nos a garantir a muitos as condições de justiça e equidade que a realidade quotidiana não lhes garante. Necessitamos também, nesta atividade humana, de promover uma acessibilidade universal. A bem da justiça, da equidade e do respeito pela dignidade de cada pessoa.

Pampilhosa, 29 de Setembro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(17ª Reflexão)

 

 

Preservar a Memória!


PRESERVAR A MEMÓRIA

   Uma das características das sociedades humanas é a sua permanente evolução. A vida é um devir constante, não apenas na novidade dos dias, mas igualmente na capacidade de desenvolvimento humano, tecnológico e mental, integrando aquilo que denominamos como desenvolvimento cultural. Entendendo-se a cultura como «tudo aquilo com que o homem apura e desenvolve os variados dotes do corpo e do espírito, com que procura submeter o universo ao seu poder, pelo conhecimento e pelo trabalho; torna mais humana a vida social, tanto na família, como em toda a comunidade civil, mediante o progresso dos costumes e instituições; e, finalmente, no decurso dos tempos, exprime, comunica e conserva, nas suas obras, as grandes experiências espirituais e aspirações, para que sirvam ao progresso de muitos, e até de todo o género humano» (GS. 53).

   No presente esta evolução, particularmente tecnológica, fruto das novas capacidades científicas, com consequências inevitáveis na vida social, transformou-se numa realidade vertiginosa. Evoluímos mais, em termos de conhecimento, nas últimas quatro décadas, do que em vários séculos passados. Com consequências positivas para o desempenho de várias funções; com benefícios para a vida humana, particularmente no que respeita à saúde e longevidade; mas também com algumas consequências negativas, particularmente refletidas no mundo do trabalho, onde os recursos humanos são cada vez menos necessários, provocando instabilidade social, particularmente devido ao desemprego. Certo é que esta transformação é inevitável, correspondendo à permanente arte criadora do ser humano.

   Não obstante esta evolução, não existem cortes entre tempos e modos de realizar determinadas tarefas. Existe, sim, uma espécie de linearidade que permite compreender os factos, os acontecimentos e suas evoluções inscritos no tempo longo, ou na «longa duração», para usar um conceito histórico.

   Ora é esta compreensão histórica que urge preservar como memória. A memória, que significa a conservação da experiência anterior, trazendo-a de novo à memor (palavra que significa «aquele que recorda» e que é raiz de memória) significa reter na consciência coletiva as técnicas, costumes, hábitos, modos de agir e de pensar de outros tempos, no sentido de preservarmos essa continuidade histórica, que nos serve como fonte de permanente recriação e como suporte para a compreensão do que somos e de que como agimos no presente. No fundo uma anamnese (recordação) que nos permita saber de onde provimos, para definirmos os caminhos que pretendemos construir permanentemente. Por outro lado, ainda, com a memória preservamos essa parte da cultura, anteriormente referida: na capacidade de exprimir, comunicar e conservar as grandes obras, experiências e aspirações humanas, que serviram para a compreensão do progresso hoje alcançado (cf. GS. 53).

   No presente opõem-se duas atitudes face à preservação da memória: por um lado, a incrível perda de memória, que limita a nossa autoconsciência, identidade e equilíbrio no processo evolutivo; e, por outro, a fixação na memória, quase como um anacronismo, pretendendo que o presente seja uma replicação do passado, impedindo o natural curso da história. Que muitas vezes mais não é senão a nostalgia do que já não existe.

   Ora, preservar a memória é um dever e uma necessidade de cada sociedade. Pois perdê-la é perder a sua identidade. Nesse sentido, o recurso a registos, sejam eles escritos, gravados em áudio ou em vídeo, a fotografias, a manuscritos, a recolhas testemunhais, a representações etnográficas, etc., são formas de preservar localmente essa memória. Várias são as instituições que têm este mérito, de preservar a memória coletiva, realizando um autêntico serviço público. Recordo instituições como o GEDEPA, na Pampilhosa, mas igualmente os múltiplos grupos de folclore, que assentam as suas danças em tradições ancestrais, trazendo ao presente o que fomos no passado. Não obstante, necessitarmos de agilizar outros recursos, mesmo mais institucionalizados, como museus e repositórios locais que atestem essa mesma memória. Um dever cultural das instituições públicas e mesmo de algumas instituições e empresas privadas.

   É inevitável a permanente mudança! Mas nunca podemos esquecer de onde provimos e para onde caminhamos, deixando que a memória desempenhe aqui uma função que lhe é tão meritória!
 
Pampilhosa, 22 de Setembro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(16ª Reflexão)

 

Tempo das colheitas!


TEMPO DAS COLHEITAS

    O mês de Setembro coincide com a época das colheitas! Este ano em menor quantidade, dizem os agricultores, como que a fazer jus ao ano bissexto em que nos encontramos. É certo que são menos os que dependem hoje exclusivamente do trabalho agrícola, pois entre nós continua a persistir uma agricultura de subsistência, assente no minifúndio. Não obstante, muitos são os que trabalham pequenas leiras de terra, recolhendo alguns dos seus frutos, que contribuem como boa ajuda para a subsistência familiar.

   Mas o tempo das colheitas detém uma carga simbólica, que o tempo foi esbatendo. Era neste período que os arrendatários - nos séculos passados denominados como foreiros ou enfiteutas - pagavam as rendas aos seus senhores, proprietários de largas parcelas de terra, pois na sua maioria estas eram agricultadas, assegurando a base da subsistência das populações e da economia da época. Dividiam-se as parcelas dos cereais nas eiras e cada um recolhia a parte que lhe pertencia; acrescendo ao foreiro a obrigação de entregar, ao seu senhor, parte de outros produtos, bem como o dízimo, que nem sempre pertencia à Igreja. Este sistema cessou nos finais do século XVIII, dando lugar a uma nova conceção do domínio da terra, muito mais democratizado. Pese embora nalguns espaços persistisse uma forma próxima dessas rendas antigas até períodos relativamente próximos de nós. Com o aprofundamento dos avanços tecnológicos, a beneficiar as grandes explorações agrícolas, e com as migrações internas das aldeias para as vilas e cidades, particularmente na segunda metade do século XX, as terras foram ficando cada vez mais sujeitas ao abandono. Muitas delas dando lugar a matos e a pinheiros. Hoje, muitas dessas terras, entre nós, foram invadidas pela monocultura do eucalipto, espécie florestal de crescimento rápido - não obstante a sua ação nociva para os solos, particularmente no que se refere ao equilíbrio dos lençóis freáticos -, como meio de rendimento igualmente rápido. Certo é que esta nova conceção da terra e da sua exploração se tem manifestado como lesiva para o bem-estar das populações, para o equilíbrio ecológico e mesmo para a biodiversidade que é uma riqueza a múltiplos níveis. Os recentes incêndios que assolaram o país, e que tanto nos perturbaram também a nós, vieram colocar-nos a questão do domínio da terra e das formas de exploração que devem ser permitidas. Não obstante a permanência da posse da terra na pessoa dos seus titulares, há hoje quem defenda uma nova intervenção dos municípios e uma dependência dos titulares face às suas orientações. Mais: há mesmo quem defenda, face à incúria de alguns proprietários, que a gestão das florestas deveria passar mesmo para o domínio público, assegurado precisamente pelos municípios, pagando os proprietários uma taxa associada a essa gestão, na qual se integraria a limpeza dos terrenos e a sua reflorestação. Tudo isto discutível; é certo!

   Inequívoca é a consciência de que necessitamos de uma nova conceção de exploração da terra, particularmente se florestada. Certamente que poucos agricultores, ou detentores de largas faixas florestais, têm capacidade de as gerir sozinhos, sobretudo quando urge um plano global para as múltiplas parcelas, englobando-as em áreas maiores, onde se possa repensar o modo de reflorestar, providenciando a uma nova fisionomia da floresta em Portugal.

   Urge, muito particularmente, providenciar a uma reflorestação com diversidade de espécies florestais, umas autóctones, outras implantadas, segundo a conveniência de um plano devidamente elaborado.

   Se o usufruto da terra passou a ser um direito particular, que nós não questionamos; a sua exploração requer presentemente novas formas de compromisso comunitário. Entre os foros do passado e o abandono do presente, é necessário um meio-termo que providencie à conveniente exploração da terra, seja a agricultada, seja a destinada à floresta. Este é um caminho de decisão – pois a reflexão está praticamente feita e vertida em lei – que tem de ser assumido por todos os intervenientes: proprietários, autoridades públicas e mesmo instituições associativas, criadas ou a criar. A bem da nossa segurança, do equilíbrio ecológico e da diversidade paisagística que, para além da segurança, constitui a mais-valia de ser atrativa até do ponto de vista turístico. Algo que nos diz tanto, nas terras bairradinas! Que não nos falte a coragem para implementar as medidas que, nas atuais circunstâncias, urge tomar!

Pampilhosa, 15 de Setembro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(15ª Reflexão)

 

Tradição e Igreja!


TRADIÇÃO E IGREJA

    Com o início do mês de Setembro, retomamos o comum das nossas vidas, particularmente no âmbito profissional. Mas o início deste mês significa igualmente a abertura de novos ciclos de vida e de aprendizagem. Assim acontece com as nossas escolas, onde em breve se retomarão os ritmos normais de ensino e aprendizagem, num novo ano letivo; na atividade de algumas empresas e espaços comerciais, onde o ritmo de laboração e de vendas se retomam até ao próximo verão; entre muitas outras atividades que se reiniciam, após um período mais longo, ou breve, de paragem ou de relativa acalmia.

   Também a Igreja retoma as suas atividades próprias, segundo um plano pastoral, agora em elaboração, depois de um tempo de manutenção das atividades indispensáveis à vivência e celebração da fé, no contexto do período de férias. Cada vez mais, em conformidade com as novas exigências do mundo e da própria realidade interna da Igreja, necessitamos de definir orientações claras de ação, partilháveis por todos os elementos das comunidades cristãs, especialmente por aqueles que nelas exercem maior responsabilidade. Sabemos que para a maioria dos batizados, que nem sempre têm prática cristã, a Igreja deve é manter essencialmente a tradição; isto é, manter simplesmente os seus ritos e gestos, repetidos no contexto de cada ato sacramental, tempo litúrgico ou momento do ano e respetivas festividades. Contudo, não é assim! A palavra tradição, proveniente do latim traditio, com o significado de «entrega» ou de «transmissão», significa, para a Igreja, a permanente receção da Palavra de Deus e dos conteúdos da fé, para iluminar, com a sua força, a vivência das pessoas e das comunidades, em permanente evolução. E se há tempo que exige da Igreja uma capacidade de resposta célere, esse tempo é este, em que vivemos, particularmente acelerado pelos desenvolvimentos tecnológicos e sociais. A igreja, quer nos conteúdos da sua ação pastoral, sem por em causa os princípios da fé, a que chamamos dogmas; quer na sua forma de agir, não pode permanecer em imobilismos estéreis, incapazes de responder à vida das pessoas. Assim, como em tudo o mais, também na Igreja a tradição é viva: os conteúdos da fé adequam-se a novas realidades pessoais e sociais e as formas de realização sintonizam igualmente com cada tempo e suas características. Só assim a Igreja será fiel à sua missão e ao homem a quem é enviada.

   Acontece, contudo, um paradoxo frequente: aqueles batizados que mais reclamam a adequação doutrinal da Igreja à vida das pessoas, são frequentemente os mesmos que pretendem musealizar as práticas eclesiais, requerendo que tudo se faça da mesma forma, como nas décadas ou mesmo séculos precedentes. Tal acontece porque se retém da tradição simplesmente a forma e não o conteúdo, quantas vezes desconhecido ou desvalorizado.

   Sem dúvida que a tradição, na Igreja, é um fator essencial. Precisamente porque ela recebe, transmite e interpreta a Revelação de Deus, oferecendo um alimento sólido ao povo de Deus e a todos os homens de boa vontade. Sabendo, todavia, que essa receção, transmissão e interpretação se operam em conformidade com a história dos homens e as novas realidades eclesiais.

   Na hora presente, fruto das múltiplas transformações sociais e humanas, das limitações de agentes pastorais na Igreja, especialmente do número de sacerdotes e suas capacidades, e da necessidade de a Igreja se reorganizar pastoralmente, de modo a responder a todas as comunidades e seus membros, de igual forma, continuaremos, entre nós, a nossa caminhada de aprofundamento da Unidade Pastoral da Mealhada, com uma única proposta pastoral à diversidade de paróquias que a integram. Será uma crescente oportunidade de comunhão, na partilha da diversidade de identidades paroquiais. Todos os cristãos, bem como os homens e mulheres de boa vontade, estão chamados a colaborar na construção deste tempo novo, segundo o dinamismo do Espírito de Deus que, em cada tempo, suscita sempre novas respostas para as novas necessidades da Igreja e do mundo. Que saibamos todos acolher este dinamismo e levá-lo à prática! Na fidelidade a Deus e aos homens do nosso tempo!


Pampilhosa, 08 de Setembro de 2016
Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho
(14ª Reflexão)

Diálogo inter-religioso!


DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO 

    Em sociedades multiculturais, como são cada vez mais as nossas, nos países europeus, necessitamos de nos abrir à diversidade de culturas, a novos modos de ser e de pensar, com a crescente presença de irmãos nossos de outros quadrantes geográficos; mas igualmente de nos abrir à diversidade de cultos e de formas de relação com o sagrado. Necessitamos de um verdadeiro diálogo inter-religioso.

   Este diálogo, que hoje se enquadra na identidade própria de sociedades seculares, onde os regimes políticos não professam qualquer credo, é definido pelo Concílio Vaticano II como a promoção da «mútua estima», «respeito e concórdia», «no reconhecimento de toda a legítima diversidade» (GS. 92), advertindo mesmo o Concílio: «exorto pois os filhos [da Igreja Católica] a que, com prudência e caridade, por meio do diálogo e da colaboração com os seguidores de outras religiões e dando testemunho da fé e da vida cristã, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais, assim como os valores socioculturais nelas existentes» (NA. 2). E este tem sido, de facto, o procedimento da Igreja Católica, na sua generalidade, ao longo das últimas décadas.

   Contudo, para que haja um verdadeiro diálogo, tem de existir reciprocidade e respeito mútuos. De igual modo, o Estado, enquanto garante dos direitos dos povos, tem de usar de iguais critérios no tratamento de todas as vivências e formas de expressão religiosa. Isto é, exige-se um diálogo vivido na igualdade, na diversidade e sem demissões de uma ou outra parte.

   Acontece, ao invés, que na Europa, com uma presença cada vez maior de outras confissões religiosas, particularmente islâmicas, se vive um crescente laicismo, procurando afastar todos os traços cristãos presentes na cultura e na identidade europeia. Mais ainda: procurando limitar a legítima ação da Igreja Católica, de forma explícita ou culturalmente implícita. Por vezes com laivos de um certo jacobinismo, que se funda nalgumas das suas expressões próprias do pós Revolução Francesa. Aliás, não esqueço que a União Europeia, aquando da aprovação do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, de 2004, se recusou a referir no seu Preâmbulo as suas raízes cristãs, para apenas referir os valores provenientes do Iluminismo e, muito particularmente, da Revolução Francesa.

   Não já numa perspetiva política – embora também politicamente a Europa ande à procura de si mesma -, mas numa perspetiva cultural, tenho a sensação de nos aproximarmos dos finais do séc. V, quando o Império Romano do Ocidente, decaído política e culturalmente, foi invadido pelos povos então denominados bárbaros. Não se trata já de uma nova invasão política, mas sim de uma séria transformação cultural e religiosa, que emerge, transformando a fisionomia da Europa numa realidade completamente diversa.

   Não advogo, de modo algum, a necessidade de regressarmos a Estados confessionais. Neste sentido, partilho da opinião de D. José Policarpo, anterior Patriarca de Lisboa, que referia frequentemente que a secularização, cujas raízes se encontram no Cristianismo, é um bem para os Estados, mas também para a Igreja. Necessitamos, isso sim, de não olvidar a nossa identidade histórica e cultural, para sedimentarmos os valores que sempre nos nortearam.

   O autêntico diálogo religioso alimenta-se do respeito mútuo entre religiões, mas também da imparcialidade e respeito dos Estados face a todas as formas de vivência religiosa. Também assim se constrói uma sociedade livre, igual e fraterna – para referir os ideais que a Europa perfilha como seus fundamentos, na sua organização, ação e definição de formas de vivência em comum.

Pampilhosa, 11 de Agosto de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(13ª Reflexão)

 

 

 

Férias!


FÉRIAS

   O mês de Agosto é, pela sua natureza, o tempo de férias por excelência! Faz-se genericamente uma pausa nas atividades quotidianas, quer a nível pessoal, quer mesmo – nalguns setores – a nível institucional e empresarial. É ainda, para muitos dos nossos concidadãos, o tempo de regresso ao país de origem (o seu País!), para usufruírem do desejado reencontro familiar e do reencontro com o torrão que lhes serviu de berço.  O mês de Agosto é ainda tempo de múltiplas celebrações e festas, sejam elas religiosas, convívios locais ou familiares. É especialmente o tempo de rumar à beira mar ou à serra, para aí usufruir do descanso que estas paragens proporcionam. O mês de Agosto, no cômputo dos meses do ano, tem assim características muito peculiares.

   Não é por acaso que os anglo-saxónicos designam, desde o séc. XIX, este período como a silly season, referindo-se ao período de férias de políticos, tribunais e até mesmo de jornalistas, remetendo-nos para um conceito de tempo sem grande informação, em que se privilegiam assuntos perfeitamente secundários ou de menor interesse. A silly season significa, portanto, este período do ano tipificado pelo surgimento de notícias frívolas nos media.

   Contudo, as férias são um direito dos trabalhadores, a que o Papa João Paulo II, na sua Carta Encíclica Laborem Exercens integra no conjunto das denominadas «subvenções sociais», inserindo-as no «direito ao repouso» (LE. 19), que compreende não apenas o justo descanso semanal, pelo menos ao «domingo» (LE. 19), mas igualmente o direito ao «descanso mais longo: as férias uma vez por ano ou, eventualmente, algumas vezes durante o ano, divididas por períodos mais breves» (LE. 19). Este direito foi adquirido já no segundo quartel do séc. XX, vindo depois a desembocar na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada a 10 de Dezembro de 1948, onde se estabelece, no artigo 24º: «Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas».

   Mas o tempo de férias não vale como realidade em si mesmo; é importante enquanto constitui paragem nas atividades quotidianas, permitindo o necessário repouso pessoal, após um tempo longo de trabalho; o enriquecimento humano, pela maior disponibilidade para a família, amigos e conterrâneos; de desenvolvimento pessoal e cultural, pois é propício à leitura, à realização de viagens e visita ao património; ou simplesmente à realização mais serena de hobbies pessoais. O tempo de férias está ao serviço da pessoa e do seu desenvolvimento pessoal e comunitário. Fator importante é sempre o encontro com os outros, a partilha, seja ela vivida em família, entre amigos ou em grupo. Outros há, ainda, que aproveitam o tempo de férias para efetuar um balanço pessoal da suas vidas e reacertarem perspetivas de futuro, nos caminhos de peregrinação; ou, no mesmo contexto, tempo de repouso e de reencontro espiritual, com os demais e com Deus. O tempo de férias tem rostos diversificados, como diversificadas são as opções de quem as vive! Mas o tempo de férias nunca pode ser entendido como um simples far niente; pois ele é, sim, um período aberto a uma enorme riqueza humana e a possibilidade de uma enorme criatividade.

   Não podemos esquecer aqueles que, não obstante verem assegurado este direito – ao gozo das férias -, não podem usufruir delas por limitações de carater económico, familiar ou pessoal. Também nós, em comunidade, podemos minimizar estas dificuldades, proporcionando localmente, a todos estes, meios de descanso, de valorização cultural ou de encontro interpessoal, num esforço de criatividade que valoriza as comunidades de pertença.

   A todos, votos de boas férias!

  

Pampilhosa, 04 de Agosto de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(12ª Reflexão)

Sabedoria e Misericórdia!


SABEDORIA E MISERICÓRDIA


   Quem trabalha na edição de vídeo ou de áudio, sabe que para se chegar a um produto final de qualidade é necessário, muitas vezes, fazer replay de conteúdos, selecionar parte destes, cortar, refazer e, então sim, editar. Tudo para que o produto final seja emitido como se idealizou e com a qualidade necessária.

   Nas nossas vidas gostaríamos, por certo, de poder proceder de igual modo: fazer stop naquilo que nos perturba, replay naquilo que resultou mal, para então selecionar o que gostamos e o que não gostamos, o que nos agrada e desagrada, na nossa história pessoal, revermos o que nos magoou e nos feriu, e então, sim, poder cortar, refazer, para que a nossa história surja mais límpida, realizada e feliz. Isto é, gostaríamos de poder editar as nossas vidas para as refazer. Mas isto não é possível!

   E perante esta impossibilidade o que fazer? Cair no desânimo? No abatimento? Permanecer numa atitude de ressentimento?

   Não! O caminho tem de ser outro: o da sabedoria, para nos alegrarmos com os nossos sucessos, e o da misericórdia para nos perdoarmos e seguirmos em frente, refazendo em cada presente o que falhou no passado. Sim, a misericórdia para connosco: esse caminho de aceitação humilde de nós mesmos e das nossas falhas, a aceitação incondicional do que somos, da nossa própria história, para então construirmos o presente e o futuro com outra decisão. Afinal só o presente constitui um verdadeiro desafio para nós! O passado serve-nos de lastro, para um recomeço contínuo.

   Confrontamo-nos, todavia, com alguma frequência, com algumas atitudes pessoais, na relação connosco mesmos, que limitam o nosso desenvolvimento humano: o orgulho de quem acha que não tem nada de que se arrepender, como se algum de nós fosse impecavelmente perfeito, falseando eventualmente a vida e impedindo o seu crescimento pessoal; o ressentimento, essa atitude de quem regressa permanentemente ao passado para se julgar ou punir, atitude que é fonte de permanente tristeza e sofrimento, pois reaviva sentimentos de dor, de sofrimento e de inaceitação; ou ainda a agressividade, que mais não é senão a projeção sobre os demais das nossas próprias frustrações e limites.

   Ora, a atitude mais eficaz para se ser feliz é precisamente a sabedoria: na capacidade de integração e aceitação de tudo o que somos e vivemos, sempre dispostos a recomeçar de novo. A vida é sempre, em cada dia, uma nova oportunidade de recomeço, mesmo quando algumas dificuldades do passado limitam o nosso presente. Há sempre uma nova forma de encarar a vida, até que esta, no dealbar dos dias, se complete. Mas isto pressupõe a capacidade de nos amarmos; isto é, de termos por nós uma autêntica estima, que não se confunde com egocentrismos ou vaidades, mas sim a atitude sincera de nos querermos bem. E há gente que, consciente ou inconscientemente, não se quer bem!

   Para quem é crente e descobriu já o verdadeiro rosto de Deus, sabemos que Ele nos ama tal como somos, não esperando que sejamos perfeitos para nos amar. É Ele quem afirma, a certo passo da Escritura: «Acaso pode uma mãe esquecer-se do menino que amamenta, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, eu nunca te esqueceria!» (Is. 49, 15). Se Deus nos ama assim, como não amarmo-nos e aceitarmo-nos a nós mesmos? Ele criou-nos para sermos felizes. Ora, se a felicidade é o nosso verdadeiro destino, está nas nossas mãos a decisão, vivida na simplicidade, humildade e misericórdia, de sermos construtores desta «pátria» que almejamos! Sempre num contínuo recomeço!

  
Pampilhosa, 28 de Julho de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(11ª Reflexão)

Personalidade!

PERSONALIDADE

    Ainda no rescaldo da vitória de Portugal no Campeonato Europeu de Futebol, ficam-nos sentimentos diversos, que vão desde a simples celebração do acontecimento, até à reflexão das atitudes que permitiram este feito, inédito, mas merecido, para o futebol português. Desde logo, a equipa nacional, como um todo, está de parabéns, sabendo que o resultado é coletivo! Mesmo que se evidencie algum jogador, este jamais poderá ser isolado dos demais elementos da equipa – do capitão ao guarda-redes! O que nos permite concluir que só o empenho conjunto consegue resultados surpreendentes! Sem dúvida que a coesão daquela equipa nos serve de modelo a uma coesão nacional, em que cada um é convocado a desempenhar as suas tarefas, visando sempre, todos nós, um autêntico desígnio comum, um verdadeiro bem comum.  

   Por outro lado, há uma atitude inequívoca de vontade, resiliência e capacidade de superação, que nos leva a admirar como aqueles jogadores conseguem dar tudo em campo, almejando alcançar um sonho! Esse sonho feito realidade! São modelos para nós, estes jogadores, de uma necessária capacidade de amor à pátria, de sentido de serviço, de esforço, de superação pessoal e coletiva, no sentido de alcançarmos os nossos desígnios nacionais. Sim, de alcançar um sonho nacional – um país próspero e verdadeiramente equitativo. Tal supõe a necessidade de abraçarmos projetos comuns, que não podem confundir-se com meros interesses particulares ou de grupo, infelizmente ainda tão presentes na nossa sociedade, marcada por diversos corporativismos que se sobrepõem ao interesse coletivo.

  Não deixo de registar ainda aquela outra atitude, do nosso Cristiano Ronaldo, que, enquanto capitão da equipa, convence o João Moutinho a ser um dos marcadores dos pénaltis, que haviam de levar à vitória sobre a Polónia, rematando a conversa com Moutinho afirmando que é necessário ter “personalidade”! Personalidade que aqui significa assumir a responsabilidade, ter caráter e não desistir face às exigências do momento, mesmo que ele seja delicado. A mesma personalidade que Cristiano Ronaldo evidenciou, aquando do jogo da final do campeonato contra a França, pois que saindo lesionado, naquele desaire pessoal e coletivo, passados apenas cerca de trinta minutos de jogo, não o demoveu de estar presente ao lado do treinador, incentivando, mobilizando, dirigindo os seus colegas de equipa, naquele prolongamento que conduziria à vitória! Aquela presença que levou muitos jornalistas a afirmar que naquele momento Portugal passou a contar com dois treinadores. Pessoalmente, se admirava já o Cristiano Ronaldo pelas suas capacidades técnicas, como futebolista, bem como algumas qualidades humanas, que me habituei a reconhecer, não pude deixar de me emocionar com tal força e determinação de caráter, com tal personalidade, que tinha como objetivo maior a conquista de um troféu para Portugal, nem que isso custasse “sangue, suor e lágrimas”. Também este seu contributo, não já do jogador em campo, mas do capitão em exercício de motivação e orientação, foi determinante para o desempenho dos seus colegas de equipa. Sim, ele estava com eles: se a sua força não se podia fazer dentro das quatro linhas, fazia-se sentir fora destas, mas com a mesma determinação! Que belo exemplo de liderança, de agregação de vontades, de direção! Todos nós temos muito a retirar, enquanto aprendizagem, desta personalidade e capacidade de liderança! Se todos nós, cada um no âmbito dos seus trabalhos e competências,  fossemos capazes de tal determinação, como seriamos vencedores em tantos áreas da nossa vida em sociedade. Se quem tem a atribuição da liderança política em Portugal, , nacional ou local, tivesse a mesma “personalidade”, a mesma capacidade de definir um desígnio nacional e de colocar ao seu serviço todo este empenho pessoal, Portugal seria um país vitorioso! Nas diversas áreas das suas competências, enquanto país, como no desporto! Parabéns à Seleção Portuguesa, pelo feito alcançado, mas igualmente pelo singular exemplo que é para nós!

Pampilhosa, 21 de Julho de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(10ª Reflexão)