terça-feira, 30 de março de 2010

Os novos «fariseus»!

Os desenvolvimentos noticiosos a propósito dos casos de pedofilia na Igreja fizeram-me vir à memória o Evangelho do V Domingo da Quaresma, do presente ciclo litúrgico, que nos coloca perante a mulher adúltera e o Jesus misericordioso. Já por si seria elucidativa esta formulação, ainda que eu não seja favorável a qualquer forma de impunidade, quando ela, naturalmente, se justifica. Todavia, a justiça de Deus não deixa de ser diferente da dos homens – aquela visa eficazmente a verdadeira e total reabilitação do ser humano, sem se deter nos meandros dos seus limites ou das suas justificações.
Mas o episódio veio-me à mente não por causa destes primeiros enunciados; antes pelo facto de a apresentação da mulher a Jesus nada ter a ver com o seu processo condenatório (os fariseus e os escribas conheciam bem a lei mosaica!), mas sim devido à pretensão de apanharem Jesus em falso e terem forma de O acusar. Na verdade, aqueles fariseus e escribas, conhecedores da lei, usaram a mulher como instrumento dos seus intentos. Em certo sentido, «prostituíram-na» de novo, para alcançarem agora os seus objectivos. De pouco importava a mulher e a sua situação; importante, repitamo-lo – como claramente refere São João – era apanhar Jesus em falso.
Hoje, os novos «fariseus» e «escribas», do nosso tempo (que nem sequer se podem apelidar de justos, à imagem daqueles de outras eras!), também não parecem querer preocupar-se com as crianças vítimas de abusos, nem verdadeiramente com as suas histórias. Têm em vista ferir de morte o coração da Igreja, desacreditando-a e retirando força à sua mensagem perene. As crianças – adultos, muitas delas, hoje – são como peões nas suas mãos em vista de objectivos bem menos claros; quantas vezes encapotados, sob o manto de uma certa moralidade ou justiça para a qual se sentem mandatados. Também aqui as crianças e os seus dramas parecem contar muito pouco à imagem da mulher do Evangelho! São instrumentos de uma ideologia que pretende varrer tudo o que se oponha a estes novos «fariseus». Só à luz desta atitude se entendem os desenvolvimentos dos factos relativos à pedofilia: se eles foram reais e, portanto, notícia, no momento oportuno – com a Igreja a tomar o pulso à sua realidade e a tomar as medidas necessárias –; já não se entende a obsessiva permanência noticiosa dos factos e as novas pretensões agora aduzidas. Ou seja, após reacção vigorosa do Papa, é a sua cabeça que agora se pede. Um jornal diário, neste dia em que escrevo este apontamento, chegou a reproduzir a indicação de alguém que afirmava que o Papa devia demitir-se devido a tais escândalos! Afinal, qual é a pretensão? Ela é evidente: chegar ao Papa, desacreditá-lo no seu ministério petrino, desapossá-lo da sua legitimidade moral, mediante a qual continua a exercer a missão eclesial que lhe foi confiada! Aliás, esta mesma orientação foi seguida claramente por um alinhamento noticioso, de um dos nossos canais televisivos, concretamente a propósito da homilia do Papa, na Missa de Domingo de Ramos, cuja colagem da problemática da pedofilia às suas palavras em nada – absolutamente – tinha a ver com o que naquele contexto era meditado. Ou seja, se o Papa não fala, fazemo-lo falar, seja qual for o recurso a interpretações verdadeiramente arbitrárias de que se faça expediente. A intenção era clara: introduzir no mesmo filtro tudo quanto o Papa pudesse dizer, fosse ou não relacionado com o assunto que os jornalistas gostariam de ver abordado. Daí que se torne claro que estamos perante novos «farisaísmos», cuja atitude em nada se distancia daqueles da primeira hora. A Igreja não é uma estrutura intocável, pois ela própria se reconhece «santa e pecadora» (LG. 8); mas é inexpugnável, porquanto é mistério de fé e tem na sua base o dom da própria trindade! (cf. LG. 2 – 4).
Mas, não nos deixemos iludir: entre nós o ataque vai continuar e, porventura, até intensificar-se, pois estamos em pleno período Pascal e o Papa visitar-nos-á muito em breve.
Pena é que não aproveitemos a mensagem profundamente humanizadora – cuja necessidade se faz sentir de forma tão profunda na sociedade portuguesa dos nossos dias – de que o Papa, de forma tão lúcida e veemente, se torna verdadeiro arauto!

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

segunda-feira, 29 de março de 2010

«Filosofo agnóstico e senador defende o Papa‏»

Hoje chegou-me, via email, esta carta de Marcello Pera, Filósofo agnóstico, que dá que pensar. Pesem embora a multiplicidade de argumentos que possamos aduzir, esta Carta deve ser lida com inteligência. Tanto mais que qualquer mensagem do Papa, mesmo a homilia de Domingo de Ramos, não deixa de ser inserida num «pacote único» do qual a comunicação social não quer, deliberadamente, descolar-se (mesmo que distorcendo a mensagem ou fazendo perder o seu nexo!)
Mas leiam.



«Caro Director,
A questão dos sacerdotes pedófilos ou homossexuais, que rebentou recentemente na Alemanha, tem como alvo o Papa. E, dadas as enormidades temerárias da imprensa, cometeria um grave erro quem pensasse que o golpe não acertou no alvo – e um erro ainda mais grave quem pensasse que a questão morreria depressa, como morreram tantas questões parecidas. Não é isso que se passa. Está em curso uma guerra.
Não propriamente contra a pessoa do Papa porque, neste terreno, tal guerra é impossível: Bento XVI tornou-se inexpugnável pela sua imagem, pela sua serenidade, pela sua limpidez, firmeza e doutrina; só aquele sorriso manso basta para desbaratar um exército de adversários. Não, a guerra é entre o laicismo e o cristianismo.
Os laicistas sabem perfeitamente que, se aquela batina branca fosse tocada, sequer, por uma pontinha de lama, toda a Igreja ficaria suja, e se a Igreja ficasse suja, suja ficaria igualmente a religião cristã. Foi por isso que os laicistas acompanharam esta campanha com palavras de ordem do tipo: «Quem voltará a mandar os filhos à igreja?», ou «Quem voltará a meter os filhos numa escola católica?», ou ainda: «Quem internará os filhos num hospital ou numa clínica católica?» Há uns dias, uma laicista deixou escapar uma observação reveladora: «A relevância das revelações dos abusos sexuais de crianças por parte de sacerdotes mina a própria legitimação da Igreja Católica como garante da educação dos mais novos.»
Pouco importa que semelhante sentença seja desprovida de qualquer base de prova, porque a mesma aparece cuidadosamente latente: «A relevância das revelações»; quantos são os sacerdotes pedófilos? 1%? 10%? Todos? Pouco importa também que a sentença seja completamente ilógica; bastaria substituir «sacerdotes» por «professores», ou por «políticos», ou por «jornalistas» para se «minar a legitimação» da escola pública, do parlamento, ou da imprensa. Aquilo que importa é a insinuação, mesmo que feita à custa de um argumento grosseiro: os sacerdotes são pedófilos, portanto a Igreja não tem autoridade moral, portanto a educação católica é perigosa, portanto o cristianismo é um engano e um perigo. Esta guerra do laicismo contra o cristianismo é uma guerra campal; é preciso recuar ao nazismo e ao comunismo para se encontrar outra igual. Mudam os meios, mas o fim é o mesmo: hoje, como ontem, aquilo que se pretende é a destruição da religião. Ora, a Europa pagou esta fúria destrutiva ao preço da própria liberdade.
É incrível que sobretudo a Alemanha, que bate continuamente no peito pela memória desse preço que infligiu a toda a Europa, se esqueça dele, hoje que é democrática, recusando-se a compreender que, destruído o cristianismo, é a própria democracia que se perde. No passado, a destruição da religião comportou a destruição da razão; hoje, não conduz ao triunfo da razão laica, mas a uma segunda barbárie.
No plano ético, é a barbárie de quem mata um feto por ser prejudicial à «saúde psíquica» da mãe. De quem diz que um embrião é uma «bola de células», boa para fazer experiências. De quem mata um velho porque este já não tem família que cuide dele. De quem apressa o fim de um filho, porque este deixou de estar consciente e tem uma doença incurável. De quem pensa que progenitor «A» e progenitor «B» é o mesmo que «pai» e «mãe». De quem julga que a fé é como o cóccix, um órgão que deixou de participar na evolução, porque o homem deixou de precisar de cauda. E por aí fora. Ou então, e considerando agora o lado político da guerra do laicismo contra o cristianismo, a barbárie será a destruição da Europa. Porque, eliminado o cristianismo, restará o multiculturalismo, de acordo com o qual todos os grupos têm direito à sua cultura. O relativismo, que pensa que todas as culturas são igualmente boas. O pacifismo, que nega a existência do mal.
Mas esta guerra contra o cristianismo seria menos perigosa se os cristãos a compreendessem; pelo contrário, muitos deles não percebem o que se está a passar. São os teólogos que se sentem frustrados com a supremacia intelectual de Bento XVI. Os bispos indecisos, que consideram que o compromisso com a modernidade é a melhor maneira de actualizar a mensagem cristã.
Os cardeais em crise de fé, que começam a insinuar que o celibato dos sacerdotes não é um dogma, e que talvez fosse melhor repensar essa questão. Os intelectuais católicos que acham que a Igreja tem um problema com o feminismo e que o cristianismo tem um diferendo por resolver com a sexualidade. As conferências episcopais que se enganam na ordem do dia e, enquanto auguram uma política de fronteiras abertas a todos, não têm a coragem de denunciar as agressões de que os cristãos são alvo, bem como a humilhação que são obrigados a suportar por serem colocados, todos sem descriminação, no banco dos réus. Ou ainda os chanceleres vindos do Leste, que exibem um ministro dos negócios estrangeiros homossexual, ao mesmo tempo que atacam o Papa com argumentos éticos; e os nascidos no Ocidente, que acham que este deve ser laico, que o mesmo é dizer anti-cristão. A guerra dos laicistas vai continuar, quanto mais não seja porque um Papa como Bento XVI sorri, mas não recua um milímetro.
Mas aqueles que compreendem esta intransigência papal têm de agarrar na situação com as duas mãos, não ficando de braços cruzados à espera do próximo golpe. Quem se limita a solidarizar-se com ele, ou entrou no horto das oliveiras de noite e às escondidas, ou então não percebeu o que está ali a fazer».

Marcello Pera

Filósofo, agnóstico e senador.
Publicado no Corriere della Sera 17.III.10