terça-feira, 28 de abril de 2009

D. Nuno Álavares Pereira – Apontamentos de Roma.

Neste Domingo que passou, como muitos outros Portugueses, pude participar em Roma na Canonização de D. Nuno de Santa Maria Álvares Pereira, o Condestável que se tornou «frade donato», para se dedicar totalmente «ao serviço do Senhor, de Maria – a sua terna Padroeira que sempre venerou –, e dos pobres, nos quais reconhece o rosto de Jesus»[1]. Foi uma experiência rica de espiritualidade, de comunhão eclesial e de comunhão presbiteral, já que tive a graça de, com muitos outros sacerdotes, estar no serviço de distribuição da comunhão, o que me permitiu viver mais intimamente toda a celebração Eucarística presidida pelo Papa.
Um conjunto de reflexões me foram surgindo, antes, durante e depois da celebração. Desde logo, as minhas motivações pessoais para me encontrar ali; depois, a participação portuguesa em Roma – tão entusiástica, reconhecida, e claramente feliz com tão significativo acontecimento; e ainda as atitudes expressas por alguns meios de comunicação social, relativamente a um acontecimento que nos deveria mobilizar muito mais profundamente.
1. As minhas razões pessoais talvez sejam, no contexto deste artigo, as que menos peso têm. Todavia, não posso deixar de considerar que foi importante para mim participar na Canonização de um homem que marca indelevelmente a nossa identidade; que é capaz de abandonar todos os seus bens para, numa atitude de extrema humildade servir os mais pobres dos pobres; e que, ainda por cima, é natural – muito provavelmente – de um espaço que me é tão próximo fisicamente. Acrescendo ainda que a freguesia que me viu nascer foi pertença de seu meio-irmão, Rodrigo, que veio a constituir a linhagem dos morgados de Águas Belas. Também aqui nos faz bem sentirmos a «santidade próxima», pois que evidencia esse convite que a Lúmen Gentium do Vaticano II a todos dirige: o convite universal à santidade!

2. Interessante foi a participação portuguesa: cerca de dois mil concidadãos congregados em Roma para celebrar o mesmo acontecimento. Certamente – pelos testemunhos que se puderam recolher – não apenas para celebrar a história, numa figura do passado; mas sim para celebrar a história que, enquanto ciência do passado, lança desafios ao presente e ao futuro. É assim com o Santo Condestável: distante de nós no tempo, é mais que contemporâneo nos desafios que nos lança à vivência de uma séria e profunda identidade cristã. E os portugueses têm consciência disso. De resto, esta poderá ser uma óptima oportunidade para fazer catequese sobre os grandes desafios que nos lança o compromisso da fé, partindo de tão notável testemunho. O Papa referiu-o bem, quando, sem descuidar o enquadramento histórico da sua vida e acção, soube apresentá-lo como modelo de espiritualidade e de serviço ao bem comum, capaz de nos interpelar no hoje da vivência da fé – num mundo que necessita de redescobrir a espiritualidade e de promover, de modo mais decidido, esse mesmo bem comum.
Certamente que esta vivência de tantos concidadãos, expressa na sua alegria e entusiasmo, há-de dar frutos no tempo que se aproxima.

3. Não pude deixar de registar, contudo, algumas reacções da «elite» política e intelectual deste país, que precederam a Canonização. Tais reacções foram – ainda que de modo não muito expressivo – veiculadas por alguns meios de comunicação. Eu próprio expressava assim a minha admiração em mensagem a alguns amigos: «Há uma contestação dos senhores laicos à Canonização de D. Nuno Álvares Pereira que é impressionante. Aliás, bacoca! Se são laicos, porque os incomoda tanto a Canonização deste Santo Português?». Enfim, não me detenho aqui na oposição que parece persistir relativamente a tudo o que vem da Igreja Católica – de maior, ou menor valor para a sociedade portuguesa! Não deixei de considerar como curioso um artigo de tal natureza bem patente num semanário que, nesta semana, contestava a censura, enquadrada no contexto das celebrações do 25 de Abril (Visão nº 482, 23 a 29 de Abril de 2009). Se é certo que o artigo apenas fazia notícia, não deixou de me questionar a exclusiva publicação da «polémica». E o resto? E os outros cidadãos? E o valor simbólico do reconhecimento de um português, mesmo que não numa perspectiva de fé? Não serão dignos de notícia? E porque não a representação a mais alto nível – a representação de Estado? Não foi Nuno Álvares Pereira, ele mesmo, um cidadão que exerceu funções de Estado ao mesmo nível? De resto, num período tão conturbado da nossa história e da nossa independência!... Representação ao mais alto nível não era apenas – como foi – um direito do Estado Português; era também um claro dever! Por vezes fica-me a dúvida se, porventura, alguns destes senhores pensam que o Estado Português apenas surgiu com a República?!.... Pois; mas não: Portugal é uma realidade dinâmica, na qual se congregaram muitos esforços para a erguer como Nação! E o Santo Condestável foi dessas forças maiores! Aliás, Portugal antes da República conta com cerca de oito séculos de história. Construímos na continuidade e não na oposição! Somos o que nos legaram e devemos fazer jus a essa herança!
Se porventura fosse uma personalidade de reconhecida afirmação «laica» bradar-se-ia se as autoridades se não fizessem representar; mas como era uma figura da Igreja, ainda que de reconhecida acção política, minimiza-se! Naturalmente que não peço fé aos governantes – cada um saberá de si! -; mas peço, sim, responsabilidade cívica e política! Por isso a representação do Presidente da República, da Assembleia e das Forças Armadas, fizeram jus ao seu dever! Se, por coincidência de datas, proclamamos a liberdade; se a temos como valor adquirido; se a queremos promover; não coloquemos mordaças aos outros, quando as não queremos para nós! É o mínimo de bom senso. Aliás, uma verdadeira liberdade aceita a diversidade enquanto afirmação de uma séria e madura democracia! Também neste sentido a figura de Álvares Pereira é um desafio à verdade, à coerência, ao respeito pelos outros e pelas suas opções!
Na verdade, muitas são as lições que havemos de recolher deste Homem, deste Estadista, deste Cristão, deste Frade, deste Santo. Sem reservas, que cada um de nós se deixe interpelar por ele. Certamente nem tudo está dito! Pelo contrário: muito terá ainda para nos ensinar!...

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

[1] “Nuno Álvares Pereira”, Canonizzazione, [Guia da Celebração], Piazza San Pietro. 26 de Aprile 2009, p. 30.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Canonização de D. Nuno Álvares Pereira

Acabo de chegar de Roma, onde participei na Canonização de D. Nuno de Santa Maria Álvares Pereira. Foi uma experiência gratificante participar nesta celebração que nos diz tanto - pelo modelo de vida, pela proximidade identitária, pela nossa história, etc... Se é verdade que o que me moveu a ir a Roma foi, em boa parte, o facto de o Santo Condestável ter (muito provávelmente) raízes pelo nascimento próximas das minhas e de família na terra que me viu nascer; sem dúvida que a sua capacidade de deixar tudo para se dedicar à oração e ao serviço dos pobres, após ter atingido os mais altos reconhecimentos do Reino que era o seu, numa extrema humildade, tem um significado bem real - enquanto modelo - para os dias de hoje. O Papa referiu-o bem na sua homilia (curiosamente feita em portugês, quando se referiu a São Nuno). Dizia, entre outras considerações, que este é um modelo para um mundo que tanto carece do aprofundamento da vida espiritual. Sobre a intervenção Papal (que muitos puderam ouvir pelos meios de comunicação), vários aspectos há a salientar, mas que reservo para outros momentos. A mim, pessoalmente, fez-me muito bem este «retiro» no Vaticano. Se é certo que a multidão - como é normal - estava presente nos vários espaços (multidão de que eu fiz parte em vários momentos); também é verdade que consegui ter espaços de recolhimento pessoal (mesmo no meio dessa mesma multidão). A Capela do Santíssimo, a Capela da Reconciliação, conservam-se como lugares de alguma interioridade em plena Basílica de São Pedro. Mas também é possível o recolhimento junto ao túmulo do Papa João XXIII, apesar da contínua passagem de visitantes. Foi para mim um momento de grande doçura este, junto do túmulo do Bom Papa. Outro momento marcante, para mim e para tanta gente que ali vi recolher-se, foi a passagem junto do túmulo do Papa João Paulo II. Pude passar ali em duas ocasiões. Quer numa, quer noutra, sentia-se que junto àquele túmulo se deixava a atitude de simples visitante para assumir a atitude de peregrino. A tendência era mesmo prolongar a presença no local, pelo que estavam permanentemente funcionários do Vaticano a assegurar que as pessoas circulavam. Mas foi pssível - para mim e para muito outros - recolher-me num espaço paralelo ao da passagem e ficar alguns momentos em silêncio. Mas, de todos os momentos, deter-me numa das Capelas de celebração, diante do Sacrário, enquanto alguns Bispos, seminaristas (julgo que o seriam) e acólitos cantavam as Vésperas de Domingo, foi outro momento de profundo descanso espiritual; aquela sensação de abandono ao Amor que não nos abandona!... E de Lhe podermos confiar a vida - a nossa, a dos que nos são caros, dos nossos paroquianos e vida das Paróquias, da Igreja Diocesana e Universal, as vocações... e a vida de tantos que se recomendam à nossa oração sacerdotal e fraterna!...
Sem dúvida que outro privilégio foi celebrar com o Santo Padre e em comunhão com toda a Igreja. Tive a possibilidade de, com muitos outros sacerdotes, ficar ao serviço da distribuição da Eucaristia. Para tal fomos colocados na escadaria próxima da Cátedra do Santo Padre. Mais que o privilégio, a comunhão eclesial! Nem a propósito, do meu lado direito ficou um padre francês - Padre Yves - que tinha acabado de conhecer na Basílica de São Pedro, enquanto nos preparavamos para a celebração, padre de grande afabilidade e espírito de comunhão sacerdotal; do meu lado esquerdo, um dos meus mestres de espiritualidade em Coimbra, o Padre Jesuíta Alberto Brito, agora ao serviço da Companhia de Jesus em Roma. «Como o mundo é pequeno», dizia-me. E é verdade! Curioso é que para poder servir ao altar tive de adquirir batina. Também isto não deixa de ter o seu quê de interessante, embora possa parecer jocoso. Foi necessário regressar a Roma, doze anos depois da primeira vez, e mais de dezassete após a minha ordenação, para adquirir a minha primeira batina. E acabo por perceber, contra qualquer tese de extremo, «nem sempre, nem nunca»! Aliás, ali entendia-se verdadeiramente a sua necessidade de acordo com o serviço prestado. De pouco me valeu levar túnica, pois, admitido ao serviço do altar, sem veste talar tal não seria possível. E é curioso como o serviço é tão cuidadosamente organizado, com eficiência, simplicidade e afabilidade. A atitude do ainda jovem sacerdote cerimoniário, que orientou a nossa participação, foi disto mesmo um exemplo - sem ostentação, conseguiu cativar pela autoridade simples; sem dureza, pela afabilidade; sem artificialismo, pela competência; organizou o serviço de tantos padres que, como eu, provinham de vários espaços (embora no dia de ontem mais italianos e portugueses do que de qualquer outra nacionalidade, o que é compreensível, uma vez que foram canonizados quatro beatos italianos e um português). Enfim... neste primeiro apontamento deixo aqui algumas impressões interiores e experiências vividas que se podem tornar construtivas para os que, comigo, partilham este espaço. Esta é simplesmente uma partilha familiar. Fica-me um desejo - que desta vez não concretizei! -, que é o de poder reunir um conjunto de cristãos das comunidades que me estão confiadas, e mesmo de outras, e podermos fazer, em comunhão, esta bela experiência de Igreja. Quem sabe se o futuro, que é de Deus, no-lo não virá a permitir!?....
Pe. Carlos Alberto Godinho

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A Igreja e a Sexualidade!

A questão do uso, ou não, do preservativo, na sequência das palavras do Papa Bento XVI e agora do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, têm agudizado uma questão que parece extremar cada vez mais posições. O saldo final não será, por certo, tão positivo quanto seria desejável, pois, de parte a parte, não há diálogo, mas sim afirmação de antagonismos - a Igreja usa uma linguagem distante da vida das pessoas, para falar das suas orientações; e o «mundo» de hoje distancia-se cada vez mais da visão da Igreja, que apelida não só de conservadora, mas igualmente de prejudicial para o bem estar dessas mesmas pessoas. De algum modo, como ouvia ontem, chega a apelidar-se a Igreja de «criminosa» quanto à questão do uso ou não do preservativo. Neste diálogo (que o não é, pois que a distâncias se aumentam) importa considerar alguns aspectos: 1. O que é a sexualidade e qual a sua função?; 2. Como propor princípios morais aos homens do nosso tempo?; 3. A necessidade de estabelecer pontos de convergência e não de divergência no diálogo Igreja-Mundo.

1. O que é a sexualidade e qual a sua função?

Em primeiro lugar, a sexualidade é um elemento constitutivo da pessoa humana. É muito mais que a genitalidade; é sim «a construtora silenciosa e eficaz do organismo diferenciado do homem e da mulher, a causa profunda das extraordinárias diferenças psíquicas entre eles». (1) A sexualidade designa «o conjunto de elementos marcados pela nossa condição sexual específica». (2) A sexualidade constitui uma dimensão fundamental do ser humano, que «inspira» toda a sua vida do nascimento até à morte. (3)
Ora, devemos considerar que, numa visão redutora, sexualidade se confunde não raro com genitalidade. (4) E este é o perigo do tempo presente - reduzir a sexualidade a acto genital. Tomar consciência da sexualidade, em sentido profundo, significa, em primeira e última instância, tomar consciência da construção da pessoa humana. Estes têm sido elementos de clivagem entre a sociedade moderna e a Igreja, seja na construção de um modelo de educação sexual, seja no uso de anticonceptivos, etc, etc... Todavia, também não podemos esquecer que a sexualidade compreende a «genitalidade», precisamente pela diferenciação orgânica (5) e que, por isso, existe uma tendência unitiva entre as partes distintas. Ora, inserir a genitalidade numa sã e profunda construção da pessoa, na abertura ao outro, enquanto verdadeiro diálogo de pessoas, capaz de de se tornar um dom recíproco, é o caminho para a construção de cada um, como verdadeiro ser humano. É neste sentido, também, que a união sexual se torna um dom de si mesmo ao outro, permitindo abrir-se à verdadeira comunhão e à promoção da vida.
Enfim, sobre a sexualidade e a sua riqueza não falta abundante literatura para quem quiser aprofundar o seu significado e a sua compreensão.

2. Como propor princípios morais aos homens do nosso tempo?

Numa sociedade como a nossa, marcada por algumas visões reducionistas da sexualidade, de que parece não querer abdicar, questiono-me se o papel da Igreja deverá ser o do confronto ou o da iluminação. Óbviamente que opto pelo segundo. A Igreja não só não deve persistir num discurso hermético que extrema posições, mas deve abrir-se à discussão, ao verdadeiro diálogo, que permita iluminar este tempo com o seu pensamento (com essa visão personalista da sexualidade humana). Persistir noutra atitude significa agravar as clivagens de pensamento que se vão desenhando nos tempos que correm. Assim, nem a Igreja vive a sua missão, nem o homem do nosso tempo pode contar com a sua sábia doutrina, capaz de iluminar e humanizar uma realidade tão sensível na construção da pessoa humana.
Por outro lado, a Igreja não pode ficar cativa de «preconceitos» relativos à sexualidade. Tem de tomar consciência que fala para homens e mulheres com experiências e vivências diferentes, que não se compadecem - quantas vezes - com as propostas «ideais». A este nível, recordo o padre Franciscano Bernardino Banhos, quando refere que o «perfeccionismo» na abordagem da sexualidade poderá ser altamente prejudicial. É dele a seguinte afirmação: «Pretendem que caminhemos para a perfeição o que está muito certo, mas únicamente pela via do perfeito, o que é simplesmente desastroso». (6) Ora, a Igreja, sem abdicar das suas mais profundas convicções, da sua doutrina iluminadora, tem de saber dialogar com o homem concreto - com cada homem em situação. E neste sentido, havemos de dizer - sob pena de hipocrisia - que a par de casais com uma vida sexual estável, existem outros onde acontecem as «infidelidades»; que existem orientações sexuais que tendem a procurar parceiros diferentes; que existem pessoas com vivências sexuais promíscuas... A diversidade de vivências é grande e a procura da satisfação da genitalidade nem sempre se compadece com o ideal da vivência da fidelidade a um só parceiro. Não estou com isto a afirmar, de modo algum, qualquer complacência da Igreja relativamente a estas formas de vivência da sexualidade. Estou, isso sim, a dizer, que a Igreja acolhe no seu seio muita gente que vive esta diversidade na procura da vivência da sua genitalidade. Persisitir num discurso para o perfeito - que é dever de iluminação -, sem atender ao real, é distanciar-se cada vez mais da vida das pessoas concretas a quem somos enviados. E é aqui que se há-de inscrever este acolhimento necessário; e é aqui, também, que se hão-de equacionar os bens maiores e os males menores. E eu pergunto: o que é o preservativo em comparação com a vida humana? Nada! Simplesmente nada! É um elemento que, se tiver de ser utilizado para salvaguardar um bem maior, é de obrigação moral! Fica claro que não é o ideal para um relacionamento, nem tão pouco a resposta «plena» a todos os males que possam advir de uma sexualidade porventura mal orientada. Mas é, inequivocamente, um mal menor - aí ouçamos a comunidade científica - relativamente à profilaxia de problemas graves que possam advir destas vivências da sexualidade.
Parece-me que a Igreja tem de ser menos rígida na «malha de obrigações proibitivas» (7) e dialogar com a sociedade que, por seu turno, faz da sexualidade, quantas vezes, um produto de simples consumo. (8) Tanto mais que este é um aspecto elucidativo, em que notamos a persistente tentativa de controle social por parte da Igreja e a respectiva reacção libertadora da sua tutela, por parte da sociedade hodierna. Na verdade, este bem pode ser o aspecto crucial das clivagens que se vão agravando: por um lado a Igreja propondo formas de controle excessivas, com posturas «proíbitivas»; por outro, a sociedade procurando libertar-se da tutela da Igreja, como forma de reacção a uma estrutra «paternalista».
Acresceria ainda um diálogo necessário sobre as visões da sexualidade partilhadas pela Igreja e pelo mundo moderno. E este seria outro filão que era necessário explorar, mas que não acabe abordar aqui, no espaço deste artigo. Direi apenas, na senda de Autiero, que a Igreja não dispõe de um «magistério da sexualidade» isolado do «nexo sexualidade-matrimónio» (9). Não será - humildemente o digo - um tempo oportuno, para aprofundar esta problemática no seio da Igreja? Sobretudo quando a libertação sexual parece ter assumido contornos de uma nova «revolução» dos tempos hodiernos?
Sem dúvida que importa insistir numa sexualidade centrada na pessoa e não no simples acto. E este é o grande contributo da Igreja, numa sociedade cada vez mais secularizada, que tem necessidade de não se afastar da própria Igreja, mas de a escutar em questões tão sensíveis da realização humana, sem paternalismos, mas como «companheira» de viagem no caminho da verdadeira construção da pessoa humana.

3. A necessidade de estabelecer pontos de convergência no diálogo Igreja-Mundo.

O nosso tempo necessita mais da pontos de encontro, de convergências, do que de divergências estéreis de pensamento. Tal não significa unanimismo, nem tão pouco uma atitude de abdicação de convicções profundas. Significa, isso sim, capacidade de sincero e verdadeiro diálogo. E parece-me que para assumir esta atitude, o primeiro passo será a capacidade de escutar o outro - de o escutar na sua realidade profunda, para depois lhe responder de modo eficaz. Esta tem de ser a atitude da Igreja: escutar o mundo de hoje com profundidade, para então lhe responder com a sua solicitude; de uma forma positiva e construtiva; e nunca de uma forma distanciada, ou, porventura, meramente «dogmática». Precisamos, cada vez mais, de estabelecer pontos de contacto e não formas de radicalização dos discursos. Bem sei que a questão não se coloca apenas do lado da Igreja: é necessário que os seus interlocutores queiram dialogar sériamente, sem preconceitos, acolhendo diferenças num mundo de pluralidade de opiniões. É necessário que, de parte a parte, exista um verdadeiro sentido «democrático», entendido este na sua dimensão mais lata, enquanto pressuposto para a expressão diversidade de opiniões. Ora, bem sabemos que o verdadeiro diálogo parece estar truncado por preconceitos, por intencionalidades, por unilateralidades de afirmação de opções. Como lidar com tudo isto? É aqui que a Igreja hoje, e cada vez mais, tem de de definir uma verdadeira «estratégia« de comunicação. As afirmações do Papa, e agora do Cardeal Patriarca, ainda que reafirmando o pensamento da Igreja sobre esta temática, criaram mais distanciamento do que esclarecimento. É curioso ver como até homens e mulheres simples do povo, que connosco se cruzam na rua, não deixam de tecer críticas à Igreja por uma forma de pensamento. Porquê? Porque a Igreja perdeu a razão? Certamente que não! Essencialmente porque a Igreja tem dificuldade em fazer passar a sua mensagem. E não tenhamos dúvidas: surte muito mais efeito o minuto da notícia de Telejornal, do que a meia dúzia de homilias proferidas nas nossas Igrejas. Em termos de opinião pública sabemos que é assim! Daí a necessidade de «saber dizer». Não de ocultar a convicção; mas de saber dizer aquilo em que se crê de modo a que não se permita a sua distorção. Sem dúvida que, quer o Papa, quer os nossos Bispos - que têm de ser interventivos - deveriam rodear-se de verdadeiros peritos da comunicação. E, sobretudo, sabendo que se um modo de dizer algo pode inverter o sentido do que se pretendeu afirmar, então saber usar as estratégias próprias para que a verdadeira mensagem seja veículada. Não sei se os meios de comunicação obedecerão a uma estratégia de «aniquilação» do pensamento da Igreja. Não quero cair neste maniqueísmo. Mas a verdade é que o que passa para a opinião pública é apenas o problemático, o «reactivo», e não o construtivo. Veja-se - e aí o Senhor Cardeal Patriarca tem razão - o que aconteceu com os discursos do Papa em África: parece que tudo se resumiu ao preservativo, quando o Papa disse infinitamente mais, no conteúdo e na sua abordagem global das relações humanas, do que aquilo que constituiu esta relativamente simples intervenção. É necessária uma verdadeira estratégia de comunicação para a Igreja. Bem sei que pode ser difícil, nestes tempos que são os nossos; mas é urgente! É que a palavra continua a ser esse elemento incontornável da acção da Igreja. Ela foi chamada a anunciar a Palavra e por meio da palavra. Neste ano paulino, talvez tenhamos de aprender com este Apóstolo o uso da palavra, para responder às reticências, às oposições, mas também aos desejos mais profundos e sublimes dos homens do nosso tempo.

(1) Pe. Bernardino Banhos, Sexo e Sexto - Psicologia e Graça, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1972, p. 25.
(2) André Alsteens, Diálogo e Sexualidade, 2ª ed., Sacavém, Edições Paulistas, 1981, p. 16.
(3) Cf. Ibidem, p. 16.
(4) Cf. Ibidem, p. 16.
(5) Cf. Ibidem, p. 17.
(6) Pe. Bernardino Banhos, o.c., p. 17.
(7) A. Autiero, voc. Sexualidade, AA.VV, Dicionário de Teologia Moral, São Paulo, Editorial Paulus, 1997, p. 1146.
(8) Cf. Ibidem, p. 1146.
(9) Ibidem p. 1149.

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho

domingo, 19 de abril de 2009

Papa em avaliação!

Não me «colando» a qualquer visão aqui afirmada, deixo, neste espaço, a avaliação cabal e profissional de três Jornalistas sobre os quatro anos de Pontificado de Bento XVI. O Papa Bento XVI completa hoje, dia 19 de Abril, quatro anos de Pontificado. Ele que completou, no passado dia 16 deste mesmo mês, 82 anos de idade. Acima de tudo, pedimos a Deus que o abençoe e ajude neste tempo que lança tantos desafios à vida da Igreja. Que o seu Pontificado possa corresponder à vontade de Deus e ao verdadeiro serviço à pessoa humana.

Pe. Carlos Alberto Godinho


Análise de profissionais da comunicação social aos quatro anos de pontificado aborda a principais dimensões da missão assumida por Bento XVI.

Bento XVI assinala este Domingo quatro anos de pontificado. Para os avaliar, a Agência ECCLESIA ouviu a opinião de jornalistas que, em diferentes órgãos de comunicação social, acompanham a actualidade religiosa nacional e internacional.
O último ano do pontificado de Bento XVI, a marca que este Papa deixará na Igreja Católica, a gestão de questões mediáticas e a solidão do Papa são questões analisadas por António Marujo, jornalista do jornal «Público», Henrique Matos, jornalista do programa Ecclesia, e Paulo Agostinho, da Agência Lusa.

Politicamente (in)correcto

Um Papa em “contraciclo”. Henrique Matos aponta uma pessoa que refuta o “pensamento do politicamente correcto que nos marca os dias, e que gera uma mentalidade incapaz de assumir posições definitivas ou apontar valores como itinerários a seguir”. Bento XVI, afirma, “substituiu as virtudes mediáticas do seu antecessor por uma postura humilde e uma sabedoria vasta e incómoda”. Este último ano de pontificado serviu para sublinhar um estilo e uma estratégia pastoral. Bento XVI opta por fazer “uma pausa na intervenção social e por falar mais ad intra, catequizar, convidar os crentes a um aprofundamento da fé que professam, e que o façam com o coração mas também com a razão”.

António Marujo aponta a vontade de aproximação à Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) e a má recepção mediática da viagem a África como dois acontecimentos marcantes deste último ano de pontificado. Este jornalista do «Público» questiona a intenção do Papa de uma “falsa unidade a todo o custo”. “Custa-me entender este desejo obsessivo de unidade com quem há tanto tempo não está, manifestamente, interessado nela. A unidade faz-se na diversidade, sim, mas na aceitação do fundamental do Evangelho. Parece-me que os argumentos da FSSPX têm pouco a ver com esse fundamento”.

António Marujo reflecte ainda sobre o que chama ser “uma obsessão”: a recusa do preservativo e dos meios de contracepção “artificiais”, “que ainda se mantém na Igreja apenas porque, no processo de redacção da Humanae Vitae, triunfaram as pressões de alguns cardeais da Cúria sobre o bom senso dos teólogos, médicos e casais que participavam na comissão”. O impacto que causado pelas declarações do Papa remete, segundo António Marujo, para outra questão: “há um preconceito mediático gravíssimo contra Bento XVI. Porque uma coisa é aceitar o preservativo como anticoncepcional, outra é saber se ele resolve o problema da sida em África. E, neste aspecto, há especialistas que dizem que o Papa tem razão”.

O jornalista do «Público» recorda ainda as etapas “muito positivas” que foram as viagens aos Estados Unidos e a França, em 2008. “A primeira pelo encontro com as vítimas dos abusos sexuais de membros do clero. A segunda pela reflexão sobre a laicidade, importante reflexão sobre o lugar da Igreja em sociedades democráticas”.

Paulo Agostinho esperava deste pontificado a continuidade do “discurso de modernidade” do anterior. Ao contrário, “o discurso cristalizou-se e os sinais de abertura ao mundo têm sido frágeis num momento em que a Igreja mais precisa de estar no mundo”. O jornalista da Lusa é da opinião que no “período de crise, como o que estamos a viver, não sentimos da parte do Papa aquele sinal de esperança de que os católicos e o mundo precisa. Com esse distanciamento face aos problemas, os esforços de muitas comunidades eclesiais e o papel empenhado de muitos católicos acaba por ser ignorado pela maioria dos homens e o progressivo abandono dos crentes acentua-se”.

Para a História

Para António Marujo, jornalista do jornal «Público», é ainda prematuro analisar a marca que Bento XVI deixa na história da Igreja, apontado no entanto um primeiro traço. “O valor que o Papa dá ao diálogo entre a fé e a razão é um aspecto importante do seu pontificado. Num tempo em que a fé tem de ser cada vez mais esclarecida, deve ser destacado”.

Paulo Agostinho acentua também essa prioridade de Bento XVI em “recentrar as preocupações com a fé. Tem-se consolidado muitas questões teológicos essenciais, procurando reduzir ao seu contexto grandes questões mundanas de vivência da fé”. O jornalista da Lusa lamenta, no entanto, que não se façam mais esforços por concretizar o Concílio Vaticano II. “Este Papado, até pelo actual contexto histórico, pode ser uma das últimas grandes oportunidades de um diálogo inter-religioso e ecuménico profícuo”, refere.

Henrique Matos afirma que a história mostrará que o pontificado de Bento XVI foi um tempo de “paragem e introspecção”. “Um momento de descoberta do sagrado e da valorização do espiritual numa Igreja que durante décadas se esgotou no assistencialismo”. “Bento XVI é o Papa que convida a sentar e a escutar, que desafia à humildade e propõe o amor como arma poderosa. É um pontificado em que a Igreja reforça a sua dimensão de imutabilidade numa cultura do volátil”.

Líder na Cúria Romana

Sobre as renovações da Cúria Romana, Henrique Matos aponta uma “internacionalização”, procurando uma representação dos continentes que actualmente são “os pulmões do cristianismo como é o caso da África ou da América”, com uma tónica comum: a da formação teológica.

Já António Marujo afirma que a renovação “não se tem notado”. Este jornalista preconiza uma renovação mais “internacional e mais abrangente”. Leigos, teólogos, bispos, responsáveis de movimentos, devem ser chamados a participar nos processos de decisão, adianta o jornalista do «Público, para quem a Igreja “deve ser cada vez mais uma comunhão de comunidades e menos instituição.

Paulo Agostinho refere que “a maior parte das renovações reforçam o peso de uma maneira muito especial de ver o mundo – a romana – em vez de se privilegiar quem tem feito um trabalho pastoral activo no mundo. Mas, apesar disso, existem algumas escolhas que me merecem alguma confiança para o futuro”.

Pontificado mediático

Paulo Agostinho fala em “caos” quando em causa está a avaliação da gestão mediática neste pontificado. Sustentando que “o púlpito de Roma deveria ser um palco tão importante como a Casa Branca ou as Nações Unidas”, o jornalista da lusa refere que “a Igreja tem de saber e querer comunicar com o mundo. Mas isso não está a suceder, seja nas dioceses, seja em Roma. Existe uma arrogância de certeza canónica sobre as questões do mundo que choca depois com os problemas da realidade. E a eficácia argumentativa e de persuasão que a Igreja deveria ter fica apenas reduzida a mais um grupo de pressão ou um lóbi de circunstância. Não há uma estratégia. E a postura pessoal do Papa não ajuda a que este cenário se inverta. É taciturno, reservado. Tudo o contrário daquilo que deve ser um grande comunicador de massas no mundo moderno”.

Para Henrique Matos, os meios de comunicação actualmente, olham mais “à forma que ao conteúdo e quando olham para este último, contentam-se com uma parcela, ‘a que mais interessa’, para o sucesso da notícia”. O discurso de Ratisbona, a referência ao preservativo na viagem para África são exemplos recordados pelo jornalista do programa Ecclesia.

“A relação da Igreja com a sociedade é um diálogo muito abrangente, que passa em primeiro lugar pela acção do Espírito, pelo testemunho de vida dos cristãos e pelos seus gestos solidários. Bem mais ténue é o impacto gerado pela comunicação social… que por vezes parece arrumar tudo na mesma gaveta, o deslize do Papa e a gafe do ministro, antecipando logo, o fim da religião para o primeiro e a derrota nas eleições para o segundo”, refere.

Na gestão da comunicação, António Marujo sustenta a necessidade de promover discursos positivos, que evidenciem o que a Igreja faz, por exemplo na prevenção da SIDA. Isto apesar do “preconceito mediático” que “tende a ignorar estas posições, sobrevalorizando afirmações como aquela do preservativo.

Papa sozinho

“Um Papa está sempre sozinho. O Vaticano não é uma democracia”. Uma opinião que Paulo Agostinho explica: “a gestão de um aparelho burocrático tão intenso como o de Roma obriga a que qualquer decisão tenha de ser partilhada. Por isso, não acredito que Bento XVI esteja sozinha. O problema é que, seja pelo feitio ou pela falta de colaboradores activos, isso seja uma aparência que para muitos é uma realidade”.

António Marujo é da opinião que, “pelo menos, o processo de decisão parece mais solitário. Os cardeais eram chamados semanalmente por João Paulo II e, pelos vistos, isso ainda não aconteceu em quatro anos de pontificado”. A questão principal neste âmbito é, no entanto, “o alargamento dos processos de decisão na Igreja”, sublinha António Marujo.

Henrique Matos refere que “não estando com todos, não estará certamente só” e que “o Papa é Bento XVI e muitos ainda o encaram como o Cardeal Ratzinguer”. O jornalista do Programa Ecclesia afirma que “este é um Papa da transição, quererá arrumar a casa para que a próxima escolha do conclave apresente à Igreja alguém mais novo e com a energia para rasgar um caminho mais ousado. Até lá a ponte entre Deus e a Sua Igreja é garantida por Bento XVI que ainda recentemente afirmou ter a agenda demasiado preenchida para que se possa sentir só”.


sábado, 18 de abril de 2009

Os Álvares Pereira e Águas Belas!

Já há algum tempo escrevia aqui sobre algum relacionamento familiar de D. Nuno Álvares Pereira com a minha freguesia de origem - Águas Belas. Esse relacionamento advém do facto de o Santo Condestável ser meio irmão de D. Rodrigo Álvares Pereira, ambos filhos de D. Álvaro Gonçalves Pereira, Prior do Crato.
Efectivamente, D. Rodrigo Álvares Pereira, legitimado pelo Rei D. Pedro a 26 de Agosto de 1357, foi constituido pelo seu tutor, Álvaro Fernandes, escudeiro do Infante D. Pedro, a 6 de Setembro de 1356, morgado da Quinta de Orjais e de Águs Belas (Ferreira do Zêzere), com todas as dependências, senhorio, couto, honra, jurisdição e padroado da igreja. (1) A instituição do morgado de Águas Belas viria a ser confirmada por D. Pedro, a 20 de Maio de 1361. (2)
Acrescem ainda outros senhorios que lhe foram doados, agora por D. Fernando, a 14 de Dezembro de 1375, como as vilas de Sousel, Vila Nova, Vila Ruiva, e as azenhas de Anhalouro e de Bamlhequero, no termo de Estremoz. (3)
Relativamente a Águas Belas o mesmo atesta o excerto seguinte:
«A história desta localidade anda de braço dado com a da fundação da nacionalidade e com as principais famílias do Reino, daí que num documento datado de 1222 encontramos já uma referência, quiçá a mais remota que se conhece, a "abas de aquabela" o que nos permite concluir não só da antiguidade deste povoado como da existência de um representante do clero nos seus limites geográficos.
Já no século XIV, mais concretamente em 6 de Setembro de 1356, El Rei institui um Morgado de Aguas Belas entregando-o ao fidalgo Rodrigo Alvares Pereira, irmão daquele que viria mais tarde a ser o Condestável do Reino e filhos ambos de Alvaro Gonçalves Pereira.» (4)
Ora, D. Rodrigo torna-se assim o primeiro senhor de Águas Belas; sucedendo-lhe depois Álvaro Pereira, Galiote Pereira, João Pereira, Rui Pereira, sendo posteriormente integrado na Coroa, uma vez que Rui Pereira não teve descendentes. Todavia, Violante Pereira contesta esta decisão, tendo ganho a posse do morgado de Águas Belas que passou para as mãos de seu filho. Violante Pereira havia casado com Francisco Sodré, que viria a morrer na Índia. (5) Deste casamento advém o nome dos Sodré Pereira, que continuaram a ser os senhores de Águas Belas. (6)
D. Rodrigo, que lutou ao lado de D. João I, o Mestre de Avis, na defesa de Lisboa contra os castelhanos e no cerco de Torres Novas, viria a ser aprisionado na sequência desta última batalha, e libertado em Santarém, quando esta cidade voltou à posse de Coroa Portuguesa. Todavia, fruto de algumas «desinteligências», viria a morrer em Castela, perdendo algumas mercês. (7)
Ora, aqui está toda uma realidade histórica que religa a minha «pátria» à memória da família Álvares Pereira. Desde miúdo ouvia falar da Quinta dos Pereira, na chamada Águas Belas velha, sem saber deste relacionamento familiar.
Aqui está também uma razão, que por si só, legitima esta vontade indómita de participar na canonização de D. Nuno. Certamente acrescida de muitas outras: a sua santidade - deste santo Português -; a sua intima relação com nossa identidade; a sua capacidade de se desprover de tudo para abraçar o «bem maior»; e, mesmo, a sua relação com a Ordem do Carmelo, que me faz ligá-lo espiritualmente àqueles que, mais tarde, apenas no século XVII, povoaram e renovaram a bela Mata do Buçaco - a Ordem dos Carmelitas. Por tudo isto, participar num momento tão significativo da nossa memória, da nossa identidade e da nossa espiritualidade, torna-se para mim um dom.







(1) Sérgio Sodré, www.geneall.net
(2) Ibidem
(3) Ibidem
(5) Sérgio Sodré, www.geneall.net
(6) Ibidem
(7) Ibidem
Vide também http://www.geneall.net/ (Rodrigo Álvares Pereira e D. Nuno Álvares Pereira)

terça-feira, 14 de abril de 2009

Igreja: regresso às origens!

Detendo-me algum tempo numa pesquisa sobre a Igreja, na Internet, constatei que nela encontramos uma multiplicidade de artigos, opiniões e comentários sobre a «crise da Igreja». Muitos afirmam que ela provém da infiltração do «modernismo» no seu próprio seio. Há mesmo quem chegue a afirmar que o maior problema da Igreja é a sua «falta de paternidade». Alguém ainda, numa crítica ao Vaticano II, considerava este Concílio o «culpado» do momento presente, já que este foi um «concílio atípico», como ali se escrevia. Fiquei estupefacto com o conjunto de artigos que apelam a um regresso ao exercício do poder, a um certo «triunfalismo», a uma atitude muito mais jurídica do que carismática - mais centrada no exercício da lei do que na graça, que a Igreja é chamada a anunciar e a celebrar. No meu interior, duas questões se formulavam: porquê este regresso ao «triunfalismo»? Que atitudes ou que realidades têm fundamentado esta ânsia de afirmação mais consentânea com a ala conservadora da Igreja? E não hesito em responder, mesmo que correndo o risco de ser simplista: a incapacidade de a Igreja continuar a trilhar o caminho que definiu para si própria - uma Igreja de Comunhão, de verdadeira Colegialidade, de promoção de uma participação igual de todos os fiéis, como consequência de uma mesma dignidade baptismal, como advoga a Lumen Gentium do Vaticano II! O Pontificado de Bento XVI poderá vir em auxilio desta visão conservadora, que com tanta força se vai manifestando no novo areópago da comunicação. As suas tomadas de posição - nomeadamente em relação aos mais tradicionalistas; ou, mormente, no levantamento da excomunhão dos bispos «lefebvrianos», como são conhecidos; a sua concepção «monárquica» da Igreja, com uma perspectiva centralizadora; o seu regresso ao rito litúrgico do pré Vaticano II; a forma como se apresenta, não raro ostentando alguns sinais de regresso ao passado no uso de alguma indumentária papal; certamente que dão um tom muito próprio a este Pontificado. Ora, num mundo marcado por uma mudança célere, que cada vez menos parece identificar-se com esta «visão da Igreja», fica-me a preocupação interior: até que ponto estamos, ou não, a ser fiéis à missão que nos cabe - que outra não é senão evangelizar cada tempo -, numa atitude de convergência com o tempo que é o nosso? Óbviamente que entendendo «convergência» não como aceitação irreflectida de todas as propostas da pós-modernidade em que vivemos (tantas vezes vazia de sentido!), mas numa atitude de verdadeiro diálogo com o presente. Dá-me a sensação que perante desafios tão profundos, como estes que o presente nos coloca, a Igreja se escuda num conjunto de sinais que nos fazem regressar ao passado!... Inequivocamente, a Igreja, na hora presente tem de fazer um sincero «aggiornamento»: assumir esta hora e suas preocupações e responder-lhes com actualidade, com determinação, com confiança; mas apenas baseada na força da Palavra e no dinamismo do Espírito que a torna actual. Neste sentido, a Igreja tem de regressar ao passado, sim; não ao passado mais recente (que aqui compreendemos, de modo alargado, como os últimos cinco séculos), mas sim ao passado mais distante, o da primeira geração da Igreja - à Igreja das origens, dos apóstolos, dos padres... Isso: aos primeiros séculos. Inequivocamente aqueles que maior luz lançam sobre a nossa realidade presente e nos permitem iluminá-la com o verdadeiro «esplendor da verdade»!

A causa da Crise na Igreja è a infidelidade ao Vaticano II e o medo das reformas.

Cerca de 300 teólogos e responsáveis de comunidades de base (dentre eles, Juan José Tamayo, Imanol Zubero, Evaristo Villar, Juan Masiá e Juan Antonio Estrada) assinaram um documento intitulado "Frente à crise eclesial", em que constatam a "perda de credibilidade da instituição eclesial", cuja "causa principal é a infidelidade ao Vaticano II e o medo frente às reformas que ele exigia da Igreja".
A reportagem é do sítio Religión Digital, 08-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eles exigem "a urgente reforma do entorno papal", denunciam a "incapacidade para escutar" da hierarquia e a "dupla atitude de mão estendida a posturas muito próximas da extrema direita autoritária (mesmo que sejam infiéis ao evangelho e inclusive atéias) e de golpes sem misericórdia contra todas as posturas afins à liberdade evangélica".
Eis o documento.

Frente à crise eclesial


Somos conscientes de que este escrito é um procedimento extraordinário, mas parece-nos também que é extraordinária a causa que o motiva: a perda de credibilidade da instituição católica, que, em boa parte, é justificada e que os meios de comunicação já converteram em oficial, está alcançando cotas preocupantes. Esse descrédito pode servir de desculpa para muitos que não querem crer, mas é também causa de dor e de perplexidade para muitos crentes. Principalmente a eles nos dirigimos.


1. A Igreja foi definida desde antigamente como santa e pecadora, "casta prostituta". Crises graves nunca faltaram em sua história, e a atual pode doer-nos, mas não nos surpreender. Toda crise é sempre uma oportunidade de crescimento, se soubermos, nesses momentos, "não nos envergonhar do Evangelho" e amar a nossa mãe. Sabendo que o amor a uma mãe doente não consiste em negar ou dissimular a sua enfermidade, mas em sofrer com ela e por ela. Se desejamos uma Igreja melhor não é para militar no clube dos melhores, mas porque o evangelho de Deus em Jesus Cristo a merece.


2. Não há aqui espaço para longas análises, mas parece claro que a causa principal da crise é a infidelidade ao Vaticano II e o medo frente às reformas que ele exigia da Igreja. Ainda durante o Concílio, fizeram-se duríssimas críticas à cúria romana. Mais tarde, Paulo VI tentou colocar em marcha uma reforma dessa cúria, que esta mesma bloqueou. Depois, é muito fácil converter um papa em bode expiatório das falhas da Cúria. Por isso, preferimos expressar daqui a nossa solidariedade a Bento XVI, em nível pessoal e apesar das diferenças que possam existir em níveis ideológicos: porque sabemos que os papas não são mais do que pobres homens como todos nós, que não devem ser divinizados. E que, se algum erro grave foi cometido em todos os pontificados anteriores, foi precisamente o fato de deixar bloqueada essa urgente reforma do entorno papal.


3. Uma das consequências desse bloqueio é o injusto poder da cúria romana sobre o colégio episcopal, que deriva em uma série de nomeações de bispos à margem das igrejas locais e que busca não os pastores que cada igreja necessita, mas peões fiéis que defendam os interesses do poder central e não os do povo de Deus.
Isso tem consequências cada vez mais perceptíveis: uma delas é a dupla atitude de mão estendida a posturas muito próximas da extrema direita autoritária (mesmo que sejam infiéis ao evangelho e inclusive atéias) e de golpes sem misericórdia contra todas as posturas afins à liberdade evangélica, à fraternidade cristã e à igualdade entre todos os filhos e filhas de Deus, tão clamorosamente negada hoje. Outra consequência é a incapacidade para escutar, o que faz com que a instituição esteja cometendo ridículos maiores do que os do caso Galileu (pois este, ainda que tivesse razão em sua intuição sobre o movimento dos astros, não a tinha em seus argumentos; enquanto que hoje a ciência parece administrar dados que a Cúria prefere desconhecer: por exemplo, em problemas referentes ao início e ao fim da vida). Vê-se assim a proclamada síntese entre fé e razão colocada em suspeita.


4. Mais além dos diagnósticos, queríamos ajudar com atitudes de fé animosa e paciente para essas horas escuras do catolicismo romano. Deus é maior do que a instituição eclesial, e a alegria que brota do Evangelho capacita até para carregar esses pesos mortos. Não vamos romper com a Igreja, nem que tenhamos que suportar as iras de parte da sua hierarquia.
Mas tememos a lição que a história nos deixou: as duas vezes em que o clamor por uma reforma da Igreja foi universal e não ouvido por Roma estão relacionadas com as duas grandes rupturas do cristianismo: a de Fócio [1] e a de Lutero. Isso não significa que a ruptura fosse legítima: só queremos dizer que as cordas não podem ser muito estendidas. Também não vamos romper porque a Igreja a que amamos é muito mais do que a cúria romana: sabemos bem que apenas há infernos nesta terra onde não se destaque a presença calada de missionários ou de cristãos que dão ao mundo o verdadeiro rosto da Igreja.


5. Durante grande parte de sua história, a Igreja foi uma plataforma de palavra livre. Hoje, ninguém acreditaria que um santo tão amável como Antônio de Pádua pudesse pregar publicamente que, enquanto Cristo tinha dito "apascenta minhas ovelhas", os bispos de sua época se dedicavam a ordenhá-las ou a tosquiá-las. Nem que o místico São Bernardo escrevesse ao papa que ele não parecia sucessor de Pedro, mas sim deConstantino, para continuar perguntando: "São Pedro ou São Paulo faziam isso? Mas já vês como o zelo dos eclesiásticos é abundante para defender a sua dignidade". E terminar dizendo: "Se indignam contra mim e mandam eu calar a boca, dizendo que um monge não tem por que julgar os bispos. Mas eu preferiria fechar os olhos para não ver o que eu vejo"... Precisamente comentando esse tipo de palavras, o papa atual escrevia em 1962 (em um artigo intitulado "Liberdade de espírito e obediência"): "É sinal de que os tempos melhoraram se os teólogos de hoje não se atrevem a falar dessa forma? Ou é um sinal de que o amor diminuiu, que se tornou apático e já não se atreve a correr o risco da dor pela amada e para ela?".
Assim gostaríamos de falar: não nos sentimos superiores, pois conhecemos bem, em nós mesmo, qual é a profundidade do pecado humano. A Escritura, falando dos grandes profetas, ensina que o seu destino não é o protagonismo, mas sim a incompreensão; e frente a isso nos obrigam as palavras do apóstolo Paulo: "Se nos ultrajam, bendiremos, se nos perseguem, aguentaremos, se nos difamam, rogaremos". Mas nos sentimos chamados a gritar, porque também ali há uma imprecação impressionante que tememos que tenha aplicação em nosso momento atual: "Por vossa causa, o nome de Deus é blasfemado entre as gentes!".
Com os olhos "fixos em Jesus, autor e consumador da fé", sabemos que podemos superar esses momentos duros sem perder a paciência nem o bom humor num o amor para com todos, incluindo aqueles cujo governo pastoral nos sentimos obrigados a criticar. Esse é o testemunho que gostaríamos de dar com estas linhas.


Notas:
1. Fócio (820-891) é tido como um dos mentores do Grande Cisma do Oriente, que separou a Igreja Ortodoxa da Igreja Católica. Fócio queria obter o mesmo reconhecimento e primazia do papa, no que foi criticado pelo Ocidente. Em correspondência mantida com Roma, dizia que "se o papa determinasse que apenas uma igreja da Itália reverenciasse seu nome, o papa seria reverenciado em todas as igrejas do Oriente", proposta inaceitável e que indispôs entre si a Igreja Latina e os Patriarcado de Constantinopla. Posteriormente essa crise foi subjugada com a deposição se Fócio, mas as feridas na unidade da Igreja permaneceram e foram se intensificando, até o Grande Cisma de 1054 d.C., quando da ruptura definitiva entre Roma e Constantinopla.

sábado, 4 de abril de 2009

Problemas de Linguagem? Ou incapacidade de aceitar a diferença?

A questão do uso ou não do preservativo, como elemento profilático na prevenção da Sida, tem gerado uma excessiva controvérsia. Agora é o parlamento Belga quem aprova uma «resolução» na qual pede ao governo que «condene as afirmações feitas por Bento XVI», na sua viagem para África. Efectivamente, o Papa reafirmou a perspectiva humanizadora da sexualidade, de acordo com o pensamento da Igreja. Naturalmente, que estamos perante o «ideal», a perspectiva da resposta mais adequada à vivência da sexualidade. Todavia, a Igreja não pode deixar de olhar com compaixão para as realidades concretas, sabendo - sem perder os ideais - apontar caminhos que possam conduzir à opção pelos bens maiores. Neste sentido, a vida será sempre um bem maior; e optar por ela é um dever - que a Igreja proclama e promove. Neste sentido, o uso do preservativo é, óbviamente, um mal menor. Talvez o modo de comunicar necessite de ser revisto - sem deixar de afirmar os ideiais, responder às pessoas em concreto. Por outro lado, é confrangedor o modo como os meios de comunicação veículam as notícias. Nada é enquadrado no seu contexto; não há espaço para a reflexão; para uma abordagem séria das realidades!... Tudo parece reduzir-se ao «slogan», ao imediato, ao truncado... Precisamos de reacertar todos as nossas linguagens - a igreja falando ao homem concreto, em circunstâncias concretas; a comunicação social, assumindo um papel mais sério e criterioso na abordagem das problemáticas que nos faz chegar. Tudo a bem da pessoa humana. Sem interesses parciais, mas sim na busca da verdade - a única que nos convém!
Carlos Alberto G. Godinho