segunda-feira, 20 de abril de 2009

A Igreja e a Sexualidade!

A questão do uso, ou não, do preservativo, na sequência das palavras do Papa Bento XVI e agora do Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, têm agudizado uma questão que parece extremar cada vez mais posições. O saldo final não será, por certo, tão positivo quanto seria desejável, pois, de parte a parte, não há diálogo, mas sim afirmação de antagonismos - a Igreja usa uma linguagem distante da vida das pessoas, para falar das suas orientações; e o «mundo» de hoje distancia-se cada vez mais da visão da Igreja, que apelida não só de conservadora, mas igualmente de prejudicial para o bem estar dessas mesmas pessoas. De algum modo, como ouvia ontem, chega a apelidar-se a Igreja de «criminosa» quanto à questão do uso ou não do preservativo. Neste diálogo (que o não é, pois que a distâncias se aumentam) importa considerar alguns aspectos: 1. O que é a sexualidade e qual a sua função?; 2. Como propor princípios morais aos homens do nosso tempo?; 3. A necessidade de estabelecer pontos de convergência e não de divergência no diálogo Igreja-Mundo.

1. O que é a sexualidade e qual a sua função?

Em primeiro lugar, a sexualidade é um elemento constitutivo da pessoa humana. É muito mais que a genitalidade; é sim «a construtora silenciosa e eficaz do organismo diferenciado do homem e da mulher, a causa profunda das extraordinárias diferenças psíquicas entre eles». (1) A sexualidade designa «o conjunto de elementos marcados pela nossa condição sexual específica». (2) A sexualidade constitui uma dimensão fundamental do ser humano, que «inspira» toda a sua vida do nascimento até à morte. (3)
Ora, devemos considerar que, numa visão redutora, sexualidade se confunde não raro com genitalidade. (4) E este é o perigo do tempo presente - reduzir a sexualidade a acto genital. Tomar consciência da sexualidade, em sentido profundo, significa, em primeira e última instância, tomar consciência da construção da pessoa humana. Estes têm sido elementos de clivagem entre a sociedade moderna e a Igreja, seja na construção de um modelo de educação sexual, seja no uso de anticonceptivos, etc, etc... Todavia, também não podemos esquecer que a sexualidade compreende a «genitalidade», precisamente pela diferenciação orgânica (5) e que, por isso, existe uma tendência unitiva entre as partes distintas. Ora, inserir a genitalidade numa sã e profunda construção da pessoa, na abertura ao outro, enquanto verdadeiro diálogo de pessoas, capaz de de se tornar um dom recíproco, é o caminho para a construção de cada um, como verdadeiro ser humano. É neste sentido, também, que a união sexual se torna um dom de si mesmo ao outro, permitindo abrir-se à verdadeira comunhão e à promoção da vida.
Enfim, sobre a sexualidade e a sua riqueza não falta abundante literatura para quem quiser aprofundar o seu significado e a sua compreensão.

2. Como propor princípios morais aos homens do nosso tempo?

Numa sociedade como a nossa, marcada por algumas visões reducionistas da sexualidade, de que parece não querer abdicar, questiono-me se o papel da Igreja deverá ser o do confronto ou o da iluminação. Óbviamente que opto pelo segundo. A Igreja não só não deve persistir num discurso hermético que extrema posições, mas deve abrir-se à discussão, ao verdadeiro diálogo, que permita iluminar este tempo com o seu pensamento (com essa visão personalista da sexualidade humana). Persistir noutra atitude significa agravar as clivagens de pensamento que se vão desenhando nos tempos que correm. Assim, nem a Igreja vive a sua missão, nem o homem do nosso tempo pode contar com a sua sábia doutrina, capaz de iluminar e humanizar uma realidade tão sensível na construção da pessoa humana.
Por outro lado, a Igreja não pode ficar cativa de «preconceitos» relativos à sexualidade. Tem de tomar consciência que fala para homens e mulheres com experiências e vivências diferentes, que não se compadecem - quantas vezes - com as propostas «ideais». A este nível, recordo o padre Franciscano Bernardino Banhos, quando refere que o «perfeccionismo» na abordagem da sexualidade poderá ser altamente prejudicial. É dele a seguinte afirmação: «Pretendem que caminhemos para a perfeição o que está muito certo, mas únicamente pela via do perfeito, o que é simplesmente desastroso». (6) Ora, a Igreja, sem abdicar das suas mais profundas convicções, da sua doutrina iluminadora, tem de saber dialogar com o homem concreto - com cada homem em situação. E neste sentido, havemos de dizer - sob pena de hipocrisia - que a par de casais com uma vida sexual estável, existem outros onde acontecem as «infidelidades»; que existem orientações sexuais que tendem a procurar parceiros diferentes; que existem pessoas com vivências sexuais promíscuas... A diversidade de vivências é grande e a procura da satisfação da genitalidade nem sempre se compadece com o ideal da vivência da fidelidade a um só parceiro. Não estou com isto a afirmar, de modo algum, qualquer complacência da Igreja relativamente a estas formas de vivência da sexualidade. Estou, isso sim, a dizer, que a Igreja acolhe no seu seio muita gente que vive esta diversidade na procura da vivência da sua genitalidade. Persisitir num discurso para o perfeito - que é dever de iluminação -, sem atender ao real, é distanciar-se cada vez mais da vida das pessoas concretas a quem somos enviados. E é aqui que se há-de inscrever este acolhimento necessário; e é aqui, também, que se hão-de equacionar os bens maiores e os males menores. E eu pergunto: o que é o preservativo em comparação com a vida humana? Nada! Simplesmente nada! É um elemento que, se tiver de ser utilizado para salvaguardar um bem maior, é de obrigação moral! Fica claro que não é o ideal para um relacionamento, nem tão pouco a resposta «plena» a todos os males que possam advir de uma sexualidade porventura mal orientada. Mas é, inequivocamente, um mal menor - aí ouçamos a comunidade científica - relativamente à profilaxia de problemas graves que possam advir destas vivências da sexualidade.
Parece-me que a Igreja tem de ser menos rígida na «malha de obrigações proibitivas» (7) e dialogar com a sociedade que, por seu turno, faz da sexualidade, quantas vezes, um produto de simples consumo. (8) Tanto mais que este é um aspecto elucidativo, em que notamos a persistente tentativa de controle social por parte da Igreja e a respectiva reacção libertadora da sua tutela, por parte da sociedade hodierna. Na verdade, este bem pode ser o aspecto crucial das clivagens que se vão agravando: por um lado a Igreja propondo formas de controle excessivas, com posturas «proíbitivas»; por outro, a sociedade procurando libertar-se da tutela da Igreja, como forma de reacção a uma estrutra «paternalista».
Acresceria ainda um diálogo necessário sobre as visões da sexualidade partilhadas pela Igreja e pelo mundo moderno. E este seria outro filão que era necessário explorar, mas que não acabe abordar aqui, no espaço deste artigo. Direi apenas, na senda de Autiero, que a Igreja não dispõe de um «magistério da sexualidade» isolado do «nexo sexualidade-matrimónio» (9). Não será - humildemente o digo - um tempo oportuno, para aprofundar esta problemática no seio da Igreja? Sobretudo quando a libertação sexual parece ter assumido contornos de uma nova «revolução» dos tempos hodiernos?
Sem dúvida que importa insistir numa sexualidade centrada na pessoa e não no simples acto. E este é o grande contributo da Igreja, numa sociedade cada vez mais secularizada, que tem necessidade de não se afastar da própria Igreja, mas de a escutar em questões tão sensíveis da realização humana, sem paternalismos, mas como «companheira» de viagem no caminho da verdadeira construção da pessoa humana.

3. A necessidade de estabelecer pontos de convergência no diálogo Igreja-Mundo.

O nosso tempo necessita mais da pontos de encontro, de convergências, do que de divergências estéreis de pensamento. Tal não significa unanimismo, nem tão pouco uma atitude de abdicação de convicções profundas. Significa, isso sim, capacidade de sincero e verdadeiro diálogo. E parece-me que para assumir esta atitude, o primeiro passo será a capacidade de escutar o outro - de o escutar na sua realidade profunda, para depois lhe responder de modo eficaz. Esta tem de ser a atitude da Igreja: escutar o mundo de hoje com profundidade, para então lhe responder com a sua solicitude; de uma forma positiva e construtiva; e nunca de uma forma distanciada, ou, porventura, meramente «dogmática». Precisamos, cada vez mais, de estabelecer pontos de contacto e não formas de radicalização dos discursos. Bem sei que a questão não se coloca apenas do lado da Igreja: é necessário que os seus interlocutores queiram dialogar sériamente, sem preconceitos, acolhendo diferenças num mundo de pluralidade de opiniões. É necessário que, de parte a parte, exista um verdadeiro sentido «democrático», entendido este na sua dimensão mais lata, enquanto pressuposto para a expressão diversidade de opiniões. Ora, bem sabemos que o verdadeiro diálogo parece estar truncado por preconceitos, por intencionalidades, por unilateralidades de afirmação de opções. Como lidar com tudo isto? É aqui que a Igreja hoje, e cada vez mais, tem de de definir uma verdadeira «estratégia« de comunicação. As afirmações do Papa, e agora do Cardeal Patriarca, ainda que reafirmando o pensamento da Igreja sobre esta temática, criaram mais distanciamento do que esclarecimento. É curioso ver como até homens e mulheres simples do povo, que connosco se cruzam na rua, não deixam de tecer críticas à Igreja por uma forma de pensamento. Porquê? Porque a Igreja perdeu a razão? Certamente que não! Essencialmente porque a Igreja tem dificuldade em fazer passar a sua mensagem. E não tenhamos dúvidas: surte muito mais efeito o minuto da notícia de Telejornal, do que a meia dúzia de homilias proferidas nas nossas Igrejas. Em termos de opinião pública sabemos que é assim! Daí a necessidade de «saber dizer». Não de ocultar a convicção; mas de saber dizer aquilo em que se crê de modo a que não se permita a sua distorção. Sem dúvida que, quer o Papa, quer os nossos Bispos - que têm de ser interventivos - deveriam rodear-se de verdadeiros peritos da comunicação. E, sobretudo, sabendo que se um modo de dizer algo pode inverter o sentido do que se pretendeu afirmar, então saber usar as estratégias próprias para que a verdadeira mensagem seja veículada. Não sei se os meios de comunicação obedecerão a uma estratégia de «aniquilação» do pensamento da Igreja. Não quero cair neste maniqueísmo. Mas a verdade é que o que passa para a opinião pública é apenas o problemático, o «reactivo», e não o construtivo. Veja-se - e aí o Senhor Cardeal Patriarca tem razão - o que aconteceu com os discursos do Papa em África: parece que tudo se resumiu ao preservativo, quando o Papa disse infinitamente mais, no conteúdo e na sua abordagem global das relações humanas, do que aquilo que constituiu esta relativamente simples intervenção. É necessária uma verdadeira estratégia de comunicação para a Igreja. Bem sei que pode ser difícil, nestes tempos que são os nossos; mas é urgente! É que a palavra continua a ser esse elemento incontornável da acção da Igreja. Ela foi chamada a anunciar a Palavra e por meio da palavra. Neste ano paulino, talvez tenhamos de aprender com este Apóstolo o uso da palavra, para responder às reticências, às oposições, mas também aos desejos mais profundos e sublimes dos homens do nosso tempo.

(1) Pe. Bernardino Banhos, Sexo e Sexto - Psicologia e Graça, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1972, p. 25.
(2) André Alsteens, Diálogo e Sexualidade, 2ª ed., Sacavém, Edições Paulistas, 1981, p. 16.
(3) Cf. Ibidem, p. 16.
(4) Cf. Ibidem, p. 16.
(5) Cf. Ibidem, p. 17.
(6) Pe. Bernardino Banhos, o.c., p. 17.
(7) A. Autiero, voc. Sexualidade, AA.VV, Dicionário de Teologia Moral, São Paulo, Editorial Paulus, 1997, p. 1146.
(8) Cf. Ibidem, p. 1146.
(9) Ibidem p. 1149.

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho