terça-feira, 14 de abril de 2009

A causa da Crise na Igreja è a infidelidade ao Vaticano II e o medo das reformas.

Cerca de 300 teólogos e responsáveis de comunidades de base (dentre eles, Juan José Tamayo, Imanol Zubero, Evaristo Villar, Juan Masiá e Juan Antonio Estrada) assinaram um documento intitulado "Frente à crise eclesial", em que constatam a "perda de credibilidade da instituição eclesial", cuja "causa principal é a infidelidade ao Vaticano II e o medo frente às reformas que ele exigia da Igreja".
A reportagem é do sítio Religión Digital, 08-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eles exigem "a urgente reforma do entorno papal", denunciam a "incapacidade para escutar" da hierarquia e a "dupla atitude de mão estendida a posturas muito próximas da extrema direita autoritária (mesmo que sejam infiéis ao evangelho e inclusive atéias) e de golpes sem misericórdia contra todas as posturas afins à liberdade evangélica".
Eis o documento.

Frente à crise eclesial


Somos conscientes de que este escrito é um procedimento extraordinário, mas parece-nos também que é extraordinária a causa que o motiva: a perda de credibilidade da instituição católica, que, em boa parte, é justificada e que os meios de comunicação já converteram em oficial, está alcançando cotas preocupantes. Esse descrédito pode servir de desculpa para muitos que não querem crer, mas é também causa de dor e de perplexidade para muitos crentes. Principalmente a eles nos dirigimos.


1. A Igreja foi definida desde antigamente como santa e pecadora, "casta prostituta". Crises graves nunca faltaram em sua história, e a atual pode doer-nos, mas não nos surpreender. Toda crise é sempre uma oportunidade de crescimento, se soubermos, nesses momentos, "não nos envergonhar do Evangelho" e amar a nossa mãe. Sabendo que o amor a uma mãe doente não consiste em negar ou dissimular a sua enfermidade, mas em sofrer com ela e por ela. Se desejamos uma Igreja melhor não é para militar no clube dos melhores, mas porque o evangelho de Deus em Jesus Cristo a merece.


2. Não há aqui espaço para longas análises, mas parece claro que a causa principal da crise é a infidelidade ao Vaticano II e o medo frente às reformas que ele exigia da Igreja. Ainda durante o Concílio, fizeram-se duríssimas críticas à cúria romana. Mais tarde, Paulo VI tentou colocar em marcha uma reforma dessa cúria, que esta mesma bloqueou. Depois, é muito fácil converter um papa em bode expiatório das falhas da Cúria. Por isso, preferimos expressar daqui a nossa solidariedade a Bento XVI, em nível pessoal e apesar das diferenças que possam existir em níveis ideológicos: porque sabemos que os papas não são mais do que pobres homens como todos nós, que não devem ser divinizados. E que, se algum erro grave foi cometido em todos os pontificados anteriores, foi precisamente o fato de deixar bloqueada essa urgente reforma do entorno papal.


3. Uma das consequências desse bloqueio é o injusto poder da cúria romana sobre o colégio episcopal, que deriva em uma série de nomeações de bispos à margem das igrejas locais e que busca não os pastores que cada igreja necessita, mas peões fiéis que defendam os interesses do poder central e não os do povo de Deus.
Isso tem consequências cada vez mais perceptíveis: uma delas é a dupla atitude de mão estendida a posturas muito próximas da extrema direita autoritária (mesmo que sejam infiéis ao evangelho e inclusive atéias) e de golpes sem misericórdia contra todas as posturas afins à liberdade evangélica, à fraternidade cristã e à igualdade entre todos os filhos e filhas de Deus, tão clamorosamente negada hoje. Outra consequência é a incapacidade para escutar, o que faz com que a instituição esteja cometendo ridículos maiores do que os do caso Galileu (pois este, ainda que tivesse razão em sua intuição sobre o movimento dos astros, não a tinha em seus argumentos; enquanto que hoje a ciência parece administrar dados que a Cúria prefere desconhecer: por exemplo, em problemas referentes ao início e ao fim da vida). Vê-se assim a proclamada síntese entre fé e razão colocada em suspeita.


4. Mais além dos diagnósticos, queríamos ajudar com atitudes de fé animosa e paciente para essas horas escuras do catolicismo romano. Deus é maior do que a instituição eclesial, e a alegria que brota do Evangelho capacita até para carregar esses pesos mortos. Não vamos romper com a Igreja, nem que tenhamos que suportar as iras de parte da sua hierarquia.
Mas tememos a lição que a história nos deixou: as duas vezes em que o clamor por uma reforma da Igreja foi universal e não ouvido por Roma estão relacionadas com as duas grandes rupturas do cristianismo: a de Fócio [1] e a de Lutero. Isso não significa que a ruptura fosse legítima: só queremos dizer que as cordas não podem ser muito estendidas. Também não vamos romper porque a Igreja a que amamos é muito mais do que a cúria romana: sabemos bem que apenas há infernos nesta terra onde não se destaque a presença calada de missionários ou de cristãos que dão ao mundo o verdadeiro rosto da Igreja.


5. Durante grande parte de sua história, a Igreja foi uma plataforma de palavra livre. Hoje, ninguém acreditaria que um santo tão amável como Antônio de Pádua pudesse pregar publicamente que, enquanto Cristo tinha dito "apascenta minhas ovelhas", os bispos de sua época se dedicavam a ordenhá-las ou a tosquiá-las. Nem que o místico São Bernardo escrevesse ao papa que ele não parecia sucessor de Pedro, mas sim deConstantino, para continuar perguntando: "São Pedro ou São Paulo faziam isso? Mas já vês como o zelo dos eclesiásticos é abundante para defender a sua dignidade". E terminar dizendo: "Se indignam contra mim e mandam eu calar a boca, dizendo que um monge não tem por que julgar os bispos. Mas eu preferiria fechar os olhos para não ver o que eu vejo"... Precisamente comentando esse tipo de palavras, o papa atual escrevia em 1962 (em um artigo intitulado "Liberdade de espírito e obediência"): "É sinal de que os tempos melhoraram se os teólogos de hoje não se atrevem a falar dessa forma? Ou é um sinal de que o amor diminuiu, que se tornou apático e já não se atreve a correr o risco da dor pela amada e para ela?".
Assim gostaríamos de falar: não nos sentimos superiores, pois conhecemos bem, em nós mesmo, qual é a profundidade do pecado humano. A Escritura, falando dos grandes profetas, ensina que o seu destino não é o protagonismo, mas sim a incompreensão; e frente a isso nos obrigam as palavras do apóstolo Paulo: "Se nos ultrajam, bendiremos, se nos perseguem, aguentaremos, se nos difamam, rogaremos". Mas nos sentimos chamados a gritar, porque também ali há uma imprecação impressionante que tememos que tenha aplicação em nosso momento atual: "Por vossa causa, o nome de Deus é blasfemado entre as gentes!".
Com os olhos "fixos em Jesus, autor e consumador da fé", sabemos que podemos superar esses momentos duros sem perder a paciência nem o bom humor num o amor para com todos, incluindo aqueles cujo governo pastoral nos sentimos obrigados a criticar. Esse é o testemunho que gostaríamos de dar com estas linhas.


Notas:
1. Fócio (820-891) é tido como um dos mentores do Grande Cisma do Oriente, que separou a Igreja Ortodoxa da Igreja Católica. Fócio queria obter o mesmo reconhecimento e primazia do papa, no que foi criticado pelo Ocidente. Em correspondência mantida com Roma, dizia que "se o papa determinasse que apenas uma igreja da Itália reverenciasse seu nome, o papa seria reverenciado em todas as igrejas do Oriente", proposta inaceitável e que indispôs entre si a Igreja Latina e os Patriarcado de Constantinopla. Posteriormente essa crise foi subjugada com a deposição se Fócio, mas as feridas na unidade da Igreja permaneceram e foram se intensificando, até o Grande Cisma de 1054 d.C., quando da ruptura definitiva entre Roma e Constantinopla.