FUTEBOL
Desde sempre, na história, os
diversos jogos constituíram a vivência lúdica das pessoas e das comunidades.
Para tanto, na antiga Grécia e antiga Roma construíram-se espaços próprios para
a prática destes desportos, que eram, simultaneamente, ponto de encontro social
e de vivência comunitária. Sem dúvida que algumas práticas eram marcadas pela
agressividade dos participantes, como as lutas de gladiadores na antiga Roma,
que podiam terminar com a morte de um deles, sob indicação do imperador; ou como
as cenas de martírio, nomeadamente de alguns cristãos que, à época, entravam na
arena para serem colocados em luta contra animais ferozes, com os quais se
debatiam (ou talvez não!), até à morte, para gáudio dos assistentes. A verdade,
porém, é que estes jogos e vivências lúdicas serviam para congregar as
comunidades, para a sua distração (mesmo que aos olhos do nosso tempo com
práticas inaceitáveis!) e não para as opor ou fazer conflituar.
Ora, as nossas práticas
lúdicas – onde se insere uma grande diversidade de vivências culturais e
desportivas – evoluíram com os tempos, assumindo modos e contornos diferentes!
Uma das práticas desportivas que mais se afirmou, um pouco por todo o mundo, foi
precisamente o futebol – jogo que nasce, ainda que sem certeza absoluta, cerca
de 3.000 a 2.500 a.c., na China, embora com a sua organização atual no séc.
XIX. Esta vivência lúdica evoluiu, com as suas múltiplas equipas, colocando em
confronto grupos rivais, que procuravam, no confronto de grupos, alcançar a
desejada vitória. É certo que esta rivalidade se inscreve no espírito de luta e
confronto que sempre marcaram os vários grupos humanos, visando a vitória. De
alguma forma, mimetizando os próprios combates tribais ou comunitários que procuravam
a sua subsistência no confronto com o inimigo.
Mas o futebol
tornou-se exclusivamente uma experiência lúdica, onde a oposição entre equipas
e adeptos se vivia num espírito de sã convivência e confronto. Daí a afirmação,
tão genuína, do denominado fair play que,
significando literalmente “jogo justo”, veio a considerar-se como jogo amigável
e de respeito mútuo.
Acontece,
todavia, que no presente – e de forma transversal a vários países – o futebol
se tornou num combate bastante agressivo. Não tanto ao nível das equipas, onde,
não raro, vemos belos sinais de amizade e de respeito entre jogadores, mas sim
ao nível dos adeptos e dos dirigentes. É que o futebol tornou-se num imenso
negócio, que envolve milhões de euros e a participação de milhares e milhares
de pessoas, guiadas, não raro, pelos dirigentes desportivos.
Portugal vive de
forma singular este fenómeno, ou não fosse um país de futebol. Mas aquele que
era um fenómeno de sã convivência e de sã rivalidade, transformou-se numa
vivência de oposição e de luta, com confrontos verbais e físicos muito cruéis,
onde, inclusive e com demasiada frequência, se põe em causa a integridade
física de muitos dos adeptos das várias equipas. Sobretudo para muitos
elementos das claques de futebol, cujo objetivo seria apoiar a sua equipa, o futebol
transformou-se paulatinamente numa vivência de confronto e de agressividade. É
certo que nesta vivência de grupo, unidas às convicções de clube, se unem
muitas realidades sociais, culturais e até políticas, que formam um caldo
propício para este tipo de fenómenos. Serão os psicólogos e sociólogos
certamente os mais capazes de explicar tais manifestações. Mas é minha convicção
de que as condições apontadas, manipuladas pelos dirigentes desportivos – que
neste quadro têm uma responsabilidade acrescida – se constituem como a base
onde assenta toda esta agressividade.
Se é certo que
temos de melhorar permanentemente as nossas condições sociais e culturais,
temos igualmente de renovar o sentido de fair
play, para que o futebol seja apenas
e tão só aquilo que é: uma sã competição, entre rivais que se respeitam, como
vivência lúdica das comunidades que tanto o apreciam. O futebol tem de ser uma
experiência grata e de feliz concorrência entre equipas opostas – numa oposição
saudável, na amizade e no respeito mútuo! Precisamos de
reavivar o fair play!
Pampilhosa, 27 de Abril de 2017
Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho
(44ª Reflexão)