Ao passar pelo Youtube, analisando algumas expressões da presença da Igreja na internet, encontrei um video denominado «A Missa do Papa Paulo VI». Outro objectivo não me pareceu ter senão escarnecer da ordenação litúrgica que adveio para a Igreja com o Vaticano II. Aliás, deve esclarecer-se que não existe nenhuma Missa de Paulo VI; existe, sim, a nova ordenação dos ritos litúrgicos definidos no Vaticano II e promulgados no pontificado deste Papa. Sem dúvida que muitos abusos litúrgicos têm ocorrido durante estes mais de quarenta anos após o Concílio. Eu sou o primeiro a reconhecê-lo! Recordo, a título de exemplo, uma celebração em que participei, em França, em 1989, que me deixou perplexo e a interrogar-me sobre a validade do sacramento assim celebrado. A Eucaristia, pela sua natureza, deve revestir-se de beleza, de dignidade, de verdadeira espiritualidade, para ajudar o crente a perceber o Mistério e a dispôr-se a celebrá-lo melhor. Mais ainda, deve revestir-se da dignidade própria que advém do reconhecimento da presença real de Jesus Cristo. Mas querer partir daqui para afirmar que a «única» e «verdadeira» Eucaristia é a que se celebra segundo o rito de São Pio V - anterior ao Vaticano II - é algo que excede toda a minha capacidade de compreensão e de aceitação. Na verdade, a Eucaristia, segundo o novo ordenamento, ganhou em sentido e imprimiu uma nova perspectiva à participação frutuosa dos cristãos. Mais ainda: enquanto expressão por excelência da comunhão entre irmãos no louvor do Único e Eterno Deus, ela expressa a verdadeira comunhão eclesial e é alimento da verdadeira identidade do cristão. Neste sentido, promover a efectiva e frutuosa participação de todos os cristãos na celebração central da sua fé é um dever inalienável da própria Igreja. Assim o refere a Sacrossantum Concilium do Vaticano II:
É por isso que a Igreja procura vivamente que os fiéis não assistam a este mistério de fé como estranhos e mudos espectadores, mas que, compreendendo-o bem através dos ritos e orações, participem na acção sagrada consciente, piedosa e animadamente, sejam instruídos na Palavra de Deus, se alimentem à mesa do Corpo do Senhor, dêem graças a Deus; ao oferecerem a hóstia imaculada, não só pelas mãos do sacerdote mas juntamente com ele, aprendam a oferecer-se a si mesmos e, dia após dia, por Cristo Mediador, aperfeiçoem-se na unidade com Deus e entre si, para que finalmente Deus seja tudo em todos. (S.C. 48)
Estranho que nos últimos tempos se vá afirmando, cada vez mais, uma ânsia de regresso ao passado; a um passado que privou desta participação frutuosa de todos os fiéis do dom da Eucaristia, de que nos fala o Concílio, querendo que ela regresse quase em exclusivo à acção do sacerdote. Este recuo -parece-me - seria infidelidade ao Espírito Santo; infidelidade aos direitos dos cristãos; e uma procura de uma nova «mistificação» da pessoa do sacerdote a partir do Mistério Eucarístico. A Eucaristia não é do sacerdote; é da Comunidade! Como o sacerdote não existe para si mesmo, senão para a Comunidade! Não tenhamos a tentação de privar de um direito fundamental cada cristão, que é destinatário, mas também agente e ministro - enquanto comunidade celebrante - da própria Eucaristia, reservando-a para o «espaço restrito» do clero. Seria, da nossa parte - sacerdotes - não apenas um retrocesso, mas uma verdadeira injustiça! Pela minha parte, tenho consciência de tudo fazer - quanto me é possível - para celebrar dignamente os Mistérios de Deus, que na Eucaristia se expressam tão profundamente, na oferta do Corpo e Sangue de Cristo! É um esforço que todos nós, sacerdotes, havemos de fazer! Mesmo até por uma reordenação do serviço pastoral. Havemos de nos questionar se devemos continuar a promover a quantidade ou se a qualidade das nossas celebrações. Peço a Deus, contudo, que não tenhamos a veleidade de reservarmos para nós o que o Senhor tão abundantemente a todos oferece. Espero sinceramente que este Ano Sacerdotal possa ajudar-nos a viver melhor o ministério que nos foi confiado, sem merecimento nenhuma da nossa parte; mas que o vivamos na fidelidade a Deus e aos homens, por quem Cristo, permanentemente, se oferece no Sacrifício Eucarístico!