terça-feira, 20 de outubro de 2009

Dogmatismo Ateu!

Nos dias de hoje, a par de um recrudescimento do interesse pelo religioso, não raro deparamos com um dogmatismo ateu, interessado em combater aquilo que define como dogmatismo da Igreja. Se assim fora, confronto de dogmatismos, poderíamos dizer que os opostos se tocam, numa referência a uma qualquer lei física. Todavia, a Igreja não se centra em dogmatismos (versão ideologizada do dogma), mas sim nas verdades que define como centrais da expressão da sua fé – os dogmas.
Este dogmatismo ateu (porque o afirma como absoluto e inapelável!) recorre frequentemente a três vertentes para questionar a legitimidade da Igreja: a visão deturpada da Sagrada Escritura (olhada como realidade linear, sem recurso à exegese); a visão anacrónica da História da Igreja (sem situar cada acontecimento no seu tempo); a idealização da razão (como se esta fosse a única verdade, deixando o homem cativo das suas certezas, em vez de buscar, em atitude contínua, a verdade – atitude filosófica).
Ora, a exegese, enquanto «explicação» ou «interpretação», constitui-se como elemento incontornável da abordagem do texto bíblico – na perspectiva de «sacar fora – exegéomai» – no sentido de compreender o seu significado profundo. As visões imediatistas da Escritura não só a falseiam como, consequentemente, impedem o acesso ao seu conteúdo fundamental. Por outro lado, a História – enquanto ciência do passado – corre o perigo constante de ser usada ao sabor do intérprete dos factos. Para se ser fiel à verdade que ela encerra é necessário – quanto nos é possível – situarmo-nos no tempo e nas suas condicionantes, o que nos permitirá uma abordagem séria – e isenta – da verdade que demandamos. De outro modo, mais não fazemos do que projectar o presente no passado e interpretar os factos sem o suporte que os explicam. Já quanto à razão, vivemos num tempo – a pós-modernidade – de atitude dúbia: por um lado, a permanência de uma crença na perfectibilidade da natureza humana, capaz de suplantar todos os limites do racional; mas, por outro, num tempo de reabertura à transcendência como forma de suplantar os limites impostos a esta mesma razão. Isto é, a necessidade de um novo diálogo razão-transcendência que ilumine a possibilidade do ser humano. É que, na verdade, o racionalismo dogmático já se confrontou com as suas fragilidades.
Exposto isto, compreendo sinceramente quem, em atitude séria de abertura e de procura, não conseguiu chegar à experiência da fé, devido à natureza desta e ao desafio que ela compreende para a nossa experiência humana. Todavia, já não consigo compreender tão bem quem, de forma irredutível, afirma a sua razão (ou, pretensamente, a razão humana!), como se nada mais pudesse iluminar o homem no seu ser e na sua consciência. Este dogmatismo não só contradiz a verdade revelada (causa da fé), como, essencialmente, contradiz o espírito humano, na sua procura contínua. Esta é a maior contradição deste dogmatismo racionalista e que o condena na sua raiz.
Carlos Alberto da Graça Godinho