“E O VERBO
FEZ-SE CARNE”
(Jo. 1, 14)
«E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós»
(Jo. 1, 14) é a afirmação que traduz o sentido do Natal. Expressão que,
proclamada solenemente na liturgia do dia de Natal, aquando da leitura do
Prólogo do Evangelho de São João, nos faz tomar consciência de que Deus desce à
nossa humanidade, na sua condição de «fraqueza» e de «mortalidade», bem como numa
presença «pessoal» e «sensível» do divino entre os homens.[1] Isto é, Deus, que
compreendemos na Sua transcendência, faz-se um de nós, partilhando toda a nossa
condição humana. Por isso, os que creem em Cristo podem afirmar, com maior
propriedade do que os israelitas, o que no Deuteronómio era afirmação sob a
forma de questão: «Qual a grande nação cujos deuses lhe estejam tão próximos,
como Iahweh nosso Deus, todas as vezes que o invocamos?» (Dt. 4, 7). Sabendo
que aqui já não se trata de uma presença de proximidade espiritual, mas sim de
uma realidade que a suplanta, pela presença real, no mistério da encarnação.
Considerar este acontecimento inefável de um Deus que se faz próximo,
descendo à nossa condição humana (cf. Fil. 2, 7), não nos remete para uma visão
pretérita e eventualmente de um simples e singular significado cultural. É que
o mistério da encarnação do Verbo de Deus, que desce à nossa humanidade, só se
compreende na totalidade da sua vida humana e da sua entrega até ao fim. Este
Verbo feito carne é aquele que se humilha «até à morte e morte de cruz» (Fil.
2, 8), mas que o Pai «sobrexaltou grandemente» (Fil. 2, 9), pela Sua ressurreição,
ao ponto de toda a língua proclamar que Ele é o «Senhor» (Fil. 2, 11). Assim, o
mistério da encarnação do Verbo de Deus torna-se a condição da divinização do
humano. N’Ele, O Verbo feito carne, o homem (todos os homens!) encontra o
sentido pleno da sua vida e o autêntico significado da sua humanidade; ou, o
mesmo é dizer, da sua dignidade. Jesus, o Verbo de Deus, desce à nossa
humanidade para nos elevar consigo à condição de filhos de Deus. E este é o dom
maior que nos é concedido pela encarnação do Verbo que faz carne.
Mas,
porque assume a nossa condição humana e nos revela o seu significado pleno, o
Verbo de Deus faz-nos redescobrir ainda o autêntico valor de toda a vida humana.
À luz da Sua humanidade redescobrimos a sacralidade impressa em toda a nossa humanidade.
Ao fazer-se um de nós, quer que cada um de nós seja semelhante a Ele, pelo que
toda a humanidade se renova nesta grandeza da encarnação do Filho de Deus. Assim,
ao contemplar este mistério, já não é apenas o Filho de Deus que contemplamos,
mas igualmente o dom de uma nova dignidade de que todos fomos revestidos.
Dignidade, esta, que urge reconhecer, respeitar e valorizar na identidade de
cada pessoa. Daí não estranharmos que o Natal nos faça olhar, com ainda maior
acuidade, para cada homem e cada mulher cuja dignidade é desrespeitada, seja
nas diversas fases da sua vida, seja nas condições existenciais em que é
forçado a viver. Um desrespeito pela dignidade do outro é sempre um desrespeito
pela revelação amorosa de Deus, na encarnação do Seu Filho, em Quem nos
redescobrimos.
Mas
o próprio Jesus intensifica ainda mais esta compreensão, ao afirmar: «sempre
que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt. 25,
40), concretamente quando nos apela ao serviço aos mais pobres, desprotegidos e
abandonados. O critério do amor para com Ele é exatamente a medida do amor para
com os Seus irmãos. Assim, em tempo de Natal, contemplando o mistério inefável
da encarnação do Filho de Deus, a quem elevamos o coração agradecido em hinos
de louvor, não esqueçamos que Ele continua a clamar por nós nas múltiplas ruas
e praças, visível no rosto de cada um dos Seus irmãos, particularmente dos mais
abandonados e tristes, em cada rosto macerado pela dor, pelo abandono, pela
solidão, pela pobreza. Adoremos o Deus Menino: com hinos de louvor; mas igualmente
com gestos renovados daquele amor que Ele encarnou e a que permanentemente nos
convida.
A
todos um Santo e Feliz Natal!
Pampilhosa, 21 de Dezembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(68ª Reflexão)