CUIDAR OS
PENSAMENTOS
Os
cristãos estão a viver um tempo litúrgico de preparação para a maior festa
cristã: a Páscoa! É um tempo de renovação pessoal, de renovação das relações
interpessoais e do acolhimento do infinito amor de Deus.
Um
dos aspetos que sempre esteve presente no aprofundamento da vida espiritual foi
o cuidado com os pensamentos. Tanto mais que no rito da confissão, que
recitamos sempre em cada Eucaristia, referimos isso mesmo: «pequei muitas vezes
por pensamentos, palavras, atos e omissões». Ora, referir que pecamos por
pensamentos pode significar, para alguns, meramente um ato ritual; para outros,
uma conceção tradicional; para alguns, ainda, uma espécie de ato autopunitivo
ou limitativo da liberdade; e para outros, por fim, deixou de ter qualquer
significado.
Todavia, cuidar dos pensamentos é uma necessidade premente – não para
nos punirmos ou flagelarmos, mas sim para cultivarmos uma vivência feliz!
Aliás, por mais paradoxal que possa parecer, é isso que todos nós hoje
afirmamos: a necessidade de cultivar pensamentos positivos. Exatamente pela
consciência de que os nossos pensamentos trazem à tona da vida as nossas
emoções e projetam as nossas ações. Assim, se algum de nós, por razões de
natureza pessoal, de vivência familiar, de deficiências nas relações
interpessoais, por razões afetivas ou sociais, ou até mesmo por temperamento,
com dificuldade de inter-relação, cultiva pensamentos negativos em relação aos
outros, não raro vive num permanente inferno interior, de desolação, de
sofrimento, de angústia, de tristeza e, não raro, de sofrimento, por vezes,
mesmo, de consequências físicas. Quando alguém alimenta sentimentos de raiva,
de ódio, de má querença para com os demais, vive essencialmente uma vida
infernizada, sem aquele sabor da alegria e da paz, que a vida deve compreender.
De
igual modo, quando, por razões semelhantes, sobretudo de formação pessoal ou de
vivência afetiva, alguém cultiva sentimentos negativos em relação a si mesmo,
encontra como consequência a falta de autoestima, o abatimento, a tristeza, ou
uma certa sensação de infelicidade.
Urge
cuidarmos dos nossos pensamentos! Não para nos punirmos, qual silício que nos
leve à moderação de desejos, mas sim para vivermos a vida feliz para que todos nós
fomos criados. Não se trata de nos alhearmos do que somos no mais profundo de
nós, das nossas emoções e mesmo das nossas relações interpessoais. Tão pouco se
trata de pactuarmos com vivências humanamente indignas ou injustas. Trata-se,
isso sim, de saber aceitar o que somos, sem nos escondermos de nós mesmos, de
trabalharmos pela dignificação das várias vivências humanas, de nos empenharmos
em ser justos para connosco e para com os outros, mas sem cultivarmos
sentimentos de rancor, de ódio, de perda de estima pessoal, de conflito ou de
rutura com os demais. Por vezes, estes sentimentos negativos habitam apenas o
nosso interior e são fonte de um enorme peso, porque retiram à vida a beleza e
a serenidade de que esta se deve revestir.
Independentemente das circunstâncias externas, mais favoráveis ou menos
favoráveis, com que todos temos de lidar, a orientação dos nossos pensamentos
depende de nós mesmos. E da sua orientação depende o nosso bem-estar ou a nossa
infelicidade.
Afinal, afastar alguns pensamentos menos bons, como propõe a
espiritualidade cristã, não é algo de ultrapassado. Nós é que tornámos redutora
essa proposta, porquanto a orientámos essencialmente para as questões da
afetividade e da sexualidade. Afastar os maus pensamentos leva-nos a uma
revisão de nós mesmos, pois os pensamentos são determinantes na orientação das
nossas vidas: são eles que nos permitem assumir positivamente as nossas emoções
e nos ajudam a definir ações mais assertivas em ordem à tranquilidade e ao
bem-estar pessoal e inter-relacional.
Cuidar dos pensamentos é um convite para todos. No seu cuidado seremos
certamente mais felizes, pessoal e comunitariamente.
Pampilhosa, 22 de Fevereiro de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(76ª Reflexão)