sábado, 4 de agosto de 2018


PATRIMÓNIO

   Estamos a celebrar, neste ano de 2018, o Ano Europeu do Património. Uma oportunidade de revalorizarmos, seja na conservação, seja na disponibilização, o nosso património material e imaterial.

   Importa, contudo, percecionar primeiramente o sentido profundo de património, para depois fazermos outras considerações. Com origem na palavra latina patrimonium (derivada de pater, pai), o património entende-se como herança. O patrimonium era aquilo que se herdava, «carregando os nexos de continuidade», «de entrega e recebimento», de «tradição»[1] na sua aceção mais profunda, enquanto traditio – entrega de alguma coisa a alguém. No que se refere ao património cultural, podemos tomar a expressão inglesa cultural heritage, que expressa precisamente a noção de herança, pois a sua tradução é exatamente herança cultural. Ora, esta noção de herança remete-nos para o material, mas a ideia de cultura remete-nos para o que é específico da nossa natureza humana – um ser capaz de cultura. Assim, património cultural expressa a nossa capacidade de herdar bens culturais, de os valorizar e de os transmitir às gerações futuras, numa atitude de desenvolvimento humano, que compreende a nossa cultura.

   Podemos ainda distinguir no património aquele que é material – que é tangível, que sendo construído ou natural, pode ser tocado; e o imaterial – que não é tangível, compreendendo um outro grau de abstração, mas que é expresso por vivências e manifestações culturais, de que são exemplo algumas crenças, danças, músicas, ditos, festas religiosas ou profanas, muitas vezes expressas na etnografia e no folclore.

   Em ambos os casos, o património material e imaterial expressa sempre a nossa identidade mais profunda; o nosso modo de ser e de nos expressarmos ao longo dos tempos. Daí o património cultural se cruzar tão intimamente com a história, porquanto traduz a forma de ser e de estar de uma pessoa ou comunidade na longa duração da sua existência. Ora, esta é uma herança preciosa que somos chamados a preservar. Precisamente porque traduz a nossa identidade, mas se constitui também como um enorme ativo comunitário, seja pela identidade conhecida, seja pelos valores artísticos identitários que se preservam, seja ainda pela mais-valia material, que se pode potenciar na musealização ou na visita turística. E num tempo em que o turismo cresce entre nós, a oferta da nossa identidade, expressa na herança cultural, material ou imaterial, é um dos maiores ativos para esta área da ação humana.

  Assim, por todas estas razões, temos hoje uma responsabilidade acrescida na preservação da nossa herança cultural, isto é, do nosso património.

   Neste sentido, diria ainda que este dever de preservação do património deve ser transversal a todas as comunidades locais, pois a nossa identidade comum, enquanto nação, expressa-se na diversidade das suas partes. E esta é uma enorme riqueza para nós. Sendo Portugal um país tão pequeno compreende um património tão vasto e tão rico, precisamente nessa diversidade regional e local.

  Neste sentido, é um dever apoiar todas as associações locais que trabalham em prol da preservação e valorização do património local. Prestam, inequivocamente, um serviço público de enorme importância.

   Num contexto local, quero evidenciar o trabalho desenvolvido pelo GEDEPA – Grupo Etnográfico de Defesa do Património e Ambiente da Pampilhosa. Num espaço já de si de enorme valor patrimonial e histórico, como é a Casa Quinhentista, podemos apreciar uma coleção imensa de artefactos que nos fazem recuar aos tempos pretéritos, mas numa diversidade que tanto nos permite situarmo-nos na longa duração da história e na exploração agrícola das freiras de Lorvão, como podemos particularmente conhecer o comércio de azeite ao tempo dos inícios do caminho-de-ferro, ou ainda o modus vivendi das nossas gerações passadas, dos sécs. XIX e XX, hoje desconhecidas de tantos, particularmente dos mais jovens. O trabalho de recolha e de exposição, que assenta no voluntariado e gosto de alguns, é um autêntico serviço público, que muito nos enriquece culturalmente.

   Necessitamos hoje de instituições semelhantes, noutros ambientes, para que o património seja preservado e exposto.

   Conservar e fruir o património cultural é um dever nosso. Para que sejamos dignos da herança cultural que nos foi legada.

   Pampilhosa, 08 de Março de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(78ª Reflexão)



[1] MENDES, António Rosa – O que é o património cultural. Olhão: Gente Singular Editora, 2012, p. 13.