ALEGRIA
Gosto de atender a pequenas
situações quotidianas da vida e de as refletir, retirando daí ensinamentos
práticos que muito contribuem para valorização da vida pessoal ou comunitária.
Nesta semana confrontei-me com duas vivências de alegria, assumidas em
contextos completamente distintos, que me interpelaram, apontando-me o lado
mais positivo da vida. A primeira, a de um jovem trabalhador, numa pastelaria
das imediações de Coimbra, que irradia sempre o seu sorriso e a sua simpatia
para com os colegas de trabalho e para com os clientes. Unindo-se à sua natural
afabilidade, percebi como esta atitude favorece a comunhão dos trabalhadores
daquele espaço, tornando-o um local de trabalho mais aprazível, onde, certamente,
dá gosto acrescido assumir as ocupações diárias. Mas, de igual modo, ser
recebido com um sorriso e com uma expressão de afabilidade, dispõe-nos logo
para uma outra atitude interior, mesmo que vivamos cansaços ou nos debatamos
com inquietações pessoais. Neste início de semana, saía dali com a noção de que
a alegria é contagiante e nos faz bem, dispondo-nos a uma outra atitude
interior. E ficava-me, uma vez mais, a certeza de que saber acolher com alegria
contribui tanto, ou mais, para o nosso bem-estar, quanto a capacidade de ver
satisfeitas as necessidades pessoais que nos levam a um qualquer espaço público.
Ficava-me, ainda, o testemunho de um modo de ser e de estar, importante para
mim, que exerço também tarefas públicas.
A segunda situação cruza-se com as redes
sociais. Desde há muito que aprecio as publicações de um professor de história,
que partilha comigo o mesmo gosto por esta área do conhecimento. Curiosamente,
nunca havíamos conversado pessoalmente senão no início desta semana. A minha
interação com ele resumia-se ao apreço que manifesto permanentemente com as
suas publicações, pois elas recolhem sempre o lado mais engraçado da vida, por
vezes o anedótico sadio, fazendo-nos irradiar um sorriso, senão mesmo uma gargalhada,
que nos dispõe muito bem – pequenos apontamentos que dão sabor ao dia e nos
motivam à alegria. Inevitavelmente, formamos uma ideia da pessoa que publica;
que, neste caso, conclui ser uma pessoa de bem com a vida; um professor
realizado pessoal e profissionalmente; caracterizado por uma maneira de ser
otimista, capaz de irradiar sempre uma alegria contagiante. Na conversa pessoal
confirmei, realmente, tudo isso: uma pessoa feliz, realizada, alegre,
comunicativa. Mas surpreendeu-me quando, ao falar-me da sua história pessoal,
me expunha essa maneira de ser aliada a toda a sua realidade pessoal: o
aparecimento de um condrossarcoma no fémur, que o levou a ser operado no IPO e
a ser-lhe retirado parte do osso, bem como o joelho, entretanto substituídos por
uma prótese; e de como as metástases reapareceram, tendo terminado, no ano
passado, mais uma série de tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Sem
nunca abandonar a escola, senão quando teve de ser hospitalizado, regressando
às suas tarefas letivas ainda de canadianas. Fiquei estupefacto! Uma pessoa
enorme, capaz de recolher, no meio das muitas agruras da vida, aquilo que ela
tem de melhor. Alguém que investe no lado mais belo da vida; que diz «não se
levar demasiado a sério», nessa capacidade de recolher o melhor que a vida tem
para lhe dar. Fez-me sentir pequenino tal testemunho; sobretudo, quando me
questionava interiormente: e eu, como reagiria numa situação semelhante? Há
gente que tem esta capacidade de nos fazer perceber que a vida é sempre um dom,
e que mesmo no meio de grandes limitações, há sempre um lado belo que pode ser
vivido. E não o vive isoladamente; partilha-o com os demais. Nunca diria que
aquele colega tem esta história de vida. Daí que a minha admiração e apreço por
ele se tivessem acentuado depois daquela conversa.
Afinal, a alegria é sempre possível. Sem dúvida que, como já aqui
considerámos, algumas pessoas são dotadas de uma especial bonomia e otimismo,
que muito facilita a vida, ao contrário de outras. Mas todos nós podemos recolher
sempre o lado melhor da nossa existência. Mesmo no meio das maiores
dificuldades e dores.
A
alegria é um verdadeiro dom, que dá cor e sabor aos nossos dias. E que tem esta
grande vantagem: porque todos nós somos seres em comunhão, tende a estender-se
à vida e ao quotidiano dos outros. Assim aconteceu, para mim, com aquele jovem
funcionário e com este professor de história.
Pampilhosa, 17 de Maio de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(88ª Reflexão)