sábado, 4 de agosto de 2018


ALEGRIA

   Gosto de atender a pequenas situações quotidianas da vida e de as refletir, retirando daí ensinamentos práticos que muito contribuem para valorização da vida pessoal ou comunitária.

   Nesta semana confrontei-me com duas vivências de alegria, assumidas em contextos completamente distintos, que me interpelaram, apontando-me o lado mais positivo da vida. A primeira, a de um jovem trabalhador, numa pastelaria das imediações de Coimbra, que irradia sempre o seu sorriso e a sua simpatia para com os colegas de trabalho e para com os clientes. Unindo-se à sua natural afabilidade, percebi como esta atitude favorece a comunhão dos trabalhadores daquele espaço, tornando-o um local de trabalho mais aprazível, onde, certamente, dá gosto acrescido assumir as ocupações diárias. Mas, de igual modo, ser recebido com um sorriso e com uma expressão de afabilidade, dispõe-nos logo para uma outra atitude interior, mesmo que vivamos cansaços ou nos debatamos com inquietações pessoais. Neste início de semana, saía dali com a noção de que a alegria é contagiante e nos faz bem, dispondo-nos a uma outra atitude interior. E ficava-me, uma vez mais, a certeza de que saber acolher com alegria contribui tanto, ou mais, para o nosso bem-estar, quanto a capacidade de ver satisfeitas as necessidades pessoais que nos levam a um qualquer espaço público. Ficava-me, ainda, o testemunho de um modo de ser e de estar, importante para mim, que exerço também tarefas públicas.

   A segunda situação cruza-se com as redes sociais. Desde há muito que aprecio as publicações de um professor de história, que partilha comigo o mesmo gosto por esta área do conhecimento. Curiosamente, nunca havíamos conversado pessoalmente senão no início desta semana. A minha interação com ele resumia-se ao apreço que manifesto permanentemente com as suas publicações, pois elas recolhem sempre o lado mais engraçado da vida, por vezes o anedótico sadio, fazendo-nos irradiar um sorriso, senão mesmo uma gargalhada, que nos dispõe muito bem – pequenos apontamentos que dão sabor ao dia e nos motivam à alegria. Inevitavelmente, formamos uma ideia da pessoa que publica; que, neste caso, conclui ser uma pessoa de bem com a vida; um professor realizado pessoal e profissionalmente; caracterizado por uma maneira de ser otimista, capaz de irradiar sempre uma alegria contagiante. Na conversa pessoal confirmei, realmente, tudo isso: uma pessoa feliz, realizada, alegre, comunicativa. Mas surpreendeu-me quando, ao falar-me da sua história pessoal, me expunha essa maneira de ser aliada a toda a sua realidade pessoal: o aparecimento de um condrossarcoma no fémur, que o levou a ser operado no IPO e a ser-lhe retirado parte do osso, bem como o joelho, entretanto substituídos por uma prótese; e de como as metástases reapareceram, tendo terminado, no ano passado, mais uma série de tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Sem nunca abandonar a escola, senão quando teve de ser hospitalizado, regressando às suas tarefas letivas ainda de canadianas. Fiquei estupefacto! Uma pessoa enorme, capaz de recolher, no meio das muitas agruras da vida, aquilo que ela tem de melhor. Alguém que investe no lado mais belo da vida; que diz «não se levar demasiado a sério», nessa capacidade de recolher o melhor que a vida tem para lhe dar. Fez-me sentir pequenino tal testemunho; sobretudo, quando me questionava interiormente: e eu, como reagiria numa situação semelhante? Há gente que tem esta capacidade de nos fazer perceber que a vida é sempre um dom, e que mesmo no meio de grandes limitações, há sempre um lado belo que pode ser vivido. E não o vive isoladamente; partilha-o com os demais. Nunca diria que aquele colega tem esta história de vida. Daí que a minha admiração e apreço por ele se tivessem acentuado depois daquela conversa.

   Afinal, a alegria é sempre possível. Sem dúvida que, como já aqui considerámos, algumas pessoas são dotadas de uma especial bonomia e otimismo, que muito facilita a vida, ao contrário de outras. Mas todos nós podemos recolher sempre o lado melhor da nossa existência. Mesmo no meio das maiores dificuldades e dores.

   A alegria é um verdadeiro dom, que dá cor e sabor aos nossos dias. E que tem esta grande vantagem: porque todos nós somos seres em comunhão, tende a estender-se à vida e ao quotidiano dos outros. Assim aconteceu, para mim, com aquele jovem funcionário e com este professor de história.

Pampilhosa, 17 de Maio de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
                                                                                                                                             (88ª Reflexão)