VISITA
PASCAL
A Visita Pascal, que se
mantém em boa parte das nossas paróquias, tem sofrido, nestes últimos anos,
algumas transformações significativas quanto à sua identidade e missão. Passou,
num processo de renovação pastoral, da sua função de bênção das casas, por
ocasião da Páscoa, para uma oportunidade de anúncio de Cristo Ressuscitado,
levado de casa em casa, pelas comunidades cristãs. Hoje muitos partilham esta
nova perspetiva da Visita Pascal, quando outros ainda reclamam a sua identidade
originária. Perspetivas igualmente aceitáveis.
Mas
para compreendermos o que estamos a considerar, importa responder à pergunta:
qual a génese da Visita Pascal? Esta prática pastoral, que provém da baixa
Idade Média, devidamente documentada, entre nós, com documentação do século XIV
para a cidade de Coimbra, consistia na «bênção das casas» que os párocos deviam
realizar por ocasião da Páscoa, particularmente em Sábado Santo.[1] Tal prática inscrevia-se
nas obrigações paroquiais, ao mesmo tempo que se caraterizava pela afirmação
dos direitos paroquiais, visíveis na oferta de ovos a que se procedia por
ocasião de tal visita e bênção. Certamente uma oferta que viria a ser conhecida
ao longo dos tempos como folar, associada ao direito do dízimo ou da côngrua-sustentação,
igualmente definido como um dos vários direitos paroquiais.
Esta
prática pastoral, curiosamente pouco documentada, quanto à sua origem, foi
inscrita no Rituale Romanum de Paulo
V, em 1614.[2] Inscrita, portanto, num
ritual que resulta do novo ordenamento litúrgico e pastoral do Concílio de
Trento e que se tornava, então, uma prática obrigatória, estendida a toda a
Igreja Católica.
Com
o Concílio Vaticano II e o novo ordenamento litúrgico e pastoral, a Visita
Pascal persistiu, nalguns casos com os traços tridentinos; noutros, com uma
nova perspetiva pastoral, a do anúncio de Cristo Ressuscitado; e noutros,
ainda, suprimida pela inviabilidade de realização ou por se entender que era
uma prática popular supérflua.
Certo é que no Ritual Romano, na Celebração das Bênçãos, datado de 1984,
o conteúdo anterior da Visita Pascal está impresso na denominada «Bênção das
Famílias nas suas próprias casas»[3]. Escusado será dizer que o
ritual previsto é impraticável nos moldes da nossa Visita Pascal, pela sua
extensão e número de casas a visitar. Não obstante, ele permanece e é
revalorizado, não já para afirmação de direitos paroquiais, mas para acentuar o
dever de cura pastoral de cada pároco em relação às famílias cristãs que vivem
no território que lhe está confiado.[4]
Ora,
neste quadro, qual o lugar da Visita Pascal? Parece-me que não é despropositado
- fazendo, aliás, todo o sentido! - que ela se tenha convertido num solene
anúncio de Cristo Ressuscitado, que a comunidade cristã leva de casa em casa,
no contexto da celebração da Páscoa. Mais ainda, com esta reconversão pastoral,
a Visita Pascal perde o seu sentido hierárquico, centrada na pessoa do pároco,
que abençoa as casas e afirma os seus direitos paroquiais; para se tornar numa
ação da própria comunidade cristã, que parte anunciando a todos que Cristo
Ressuscitou. Passamos assim de um modelo hierárquico para um modelo comunional.
Isto é, da centralidade da hierarquia para a centralidade da comunidade,
enquanto realização local do povo de Deus e mistério de comunhão. Neste
sentido, esta reconversão da Visita Pascal está muito mais em conformidade com
a eclesiologia do Vaticano II. E é, de resto, a única possibilidade da sua
sobrevivência.
Tal
não significa que não devamos valorizar a bênção anual das famílias cristãs,
como herança própria e identitária da Visita Pascal. Mas esta terá de
realizar-se noutros moldes: como verdadeira celebração da fé vivida pelas
famílias cristãs; e muito mais distendida no tempo, permitindo uma celebração
digna e tranquila com cada família.
Sem
contrariar uma identidade multisecular, a atual orientação pastoral pode
valorizar duas práticas, que nascem da mesma experiência, e que muito
contribuem para a edificação dos fiéis. Aliás, tendo a Visita Pascal assumido
muito traços meramente tradicionais, ela é uma oportunidade de evangelização,
se for bem feita, levando, de casa em casa, o anúncio de Cristo Ressuscitado.
Pampilhosa, 22 de Março de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(80ª Reflexão)
[1]
DIAS, Geraldo J. A. Coelho – Origem Medieval do Compasso. A Bênção das Casas.
In Revista Lusitânia Sacra. 2ª Série,
nº 4 (1992), pp. 83, 86 e 88.
[2]
Cf. Ibidem, p. 88.
[3]
Cf. RITUAL ROMANO – Celebração das
Bênçãos. Gráfica de Coimbra: Conferência Episcopal Portuguesa, 1991, pp. 31
– 38.
[4]
Cf. Ibidem, p. 31 (Preliminares).