CONFIANÇA
Há dias confrontava-me com
duas posições distintas relativamente ao conhecimento de novas pessoas: uma
atitude de confiança naqueles com quem regularmente iria conviver, ou uma
atitude de desconfiança, à partida, na expetativa de a confiança se adquirir
com o tempo. Parece-me que a atitude de confiança é inquestionavelmente a mais
correta, mais facilitadora da convivência, e a única que abre à construção de
relações positivas, assentes na disponibilidade interior e na visão positiva do
outro.
Confiança significa crença firme na fiabilidade, honestidade e lealdade
de alguém, para além daquilo que definimos como intimidade ou familiaridade com
os demais.[1] Mas, curiosamente,
confiança significa igualmente convicção de segurança relativamente a si
próprio; convicção do próprio valor.[2] Se aparentemente estes
dois significados apontam questões distintas – uma relativa aos demais, outra
relativa a nós próprios -, certo é que não se podem separar totalmente, pois
muita da nossa desconfiança face aos outros advém da nossa insegurança; isto é,
da nossa falta de segurança interior e da falta de convicção das nossas
qualidades e valores. A insegurança pessoal não raro cria reservas face aos
demais.
Mas
consideremos o primeiro significado e a sua influência nas relações
interpessoais. Se eu viver uma atitude de presunção de fiabilidade, de
honestidade e de lealdade por parte daqueles a quem acabo de conhecer (ou com
quem me relaciono há já bastante tempo) viverei uma relação positiva, límpida e
sem reservas, deixando que a construção interpessoal se faça com a naturalidade
desejada, até se atingir, eventualmente, alguma familiaridade, ou mesmo alguma
intimidade. Nesta perspetiva, constrói-se uma relação interpessoal com base na
descoberta autêntica do outro, sem reservas pessoais, nem preconceitos de base.
Ao invés, a desconfiança parte de um conjunto de pressupostos interiorizados
que condicionam, à partida, uma relação que se pretende sempre construtiva. Se
confio, olho com amizade, com serenidade, com acolhimento do outro; se
desconfio, olho com reservas, com espírito de inquietude, de permanente exame
dos demais, criando obstáculos a um relacionamento sadio.
Ora,
em muitos contextos humanos, a começar pelas relações de vizinhança, vive-se
hoje um acentuado clima de alheamento, de individualismo, que condiciona bastante
as relações humanas. Quanto mais esta realidade se acentua, tanto mais as
pessoas tendem a viver na desconfiança. Certamente que se entende como legítima
a privacidade de cada um – na sua vivência pessoal e familiar -, pelo que a
confiança não tem de significar imediatamente familiaridade ou intimidade. Mas
a convivência básica assente na disponibilidade para acolher o outro, ou os
outros, sem reservas, nem medos, permite uma humanização das relações, uma
vivência íntima tranquila e disponível, capaz de criar relações sadias de
proximidade. Além disso, há uma disponibilidade para acolher a pessoa do outro
na sua identidade e integridade, sem deixar que qualquer preconceito limite as
relações interpessoais e, porventura, me leve à injustiça na consideração do
outro.
Em
muito casos, infelizmente, as relações humanas deterioram-se, conduzindo à
permanente desconfiança – realidade que exige outro tipo de atitudes para se
poder inverter. Mas relacionarmo-nos com os outros, à priori, numa permanente atitude de desconfiança conduz
inevitavelmente ao isolamento, às dificuldades de relação, à dúvida sobre os
demais, enfim… ao questionamento contínuo, à reserva e mesmo a algumas
angústias.
A
confiança coloca-nos de alma aberta e disponível face aos outros. Sem ser uma
atitude inconsciente, a confiança abre-nos à revalorização contínua das
relações humanas e à construção de uma autêntica fraternidade. Mesmo sem
intimidade, a confiança é sempre um dom precioso para conviver com os demais.
Necessitamos de renovar permanentemente as nossas relações de proximidade
com base na confiança, pois ela é condição de acolhimento e de partilha nas
relações humanas quotidianas que todos nós estabelecemos.
Pampilhosa, 05 de Abril de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(82ª Reflexão)