sábado, 4 de agosto de 2018


CONFIANÇA

   Há dias confrontava-me com duas posições distintas relativamente ao conhecimento de novas pessoas: uma atitude de confiança naqueles com quem regularmente iria conviver, ou uma atitude de desconfiança, à partida, na expetativa de a confiança se adquirir com o tempo. Parece-me que a atitude de confiança é inquestionavelmente a mais correta, mais facilitadora da convivência, e a única que abre à construção de relações positivas, assentes na disponibilidade interior e na visão positiva do outro.

   Confiança significa crença firme na fiabilidade, honestidade e lealdade de alguém, para além daquilo que definimos como intimidade ou familiaridade com os demais.[1] Mas, curiosamente, confiança significa igualmente convicção de segurança relativamente a si próprio; convicção do próprio valor.[2] Se aparentemente estes dois significados apontam questões distintas – uma relativa aos demais, outra relativa a nós próprios -, certo é que não se podem separar totalmente, pois muita da nossa desconfiança face aos outros advém da nossa insegurança; isto é, da nossa falta de segurança interior e da falta de convicção das nossas qualidades e valores. A insegurança pessoal não raro cria reservas face aos demais.

   Mas consideremos o primeiro significado e a sua influência nas relações interpessoais. Se eu viver uma atitude de presunção de fiabilidade, de honestidade e de lealdade por parte daqueles a quem acabo de conhecer (ou com quem me relaciono há já bastante tempo) viverei uma relação positiva, límpida e sem reservas, deixando que a construção interpessoal se faça com a naturalidade desejada, até se atingir, eventualmente, alguma familiaridade, ou mesmo alguma intimidade. Nesta perspetiva, constrói-se uma relação interpessoal com base na descoberta autêntica do outro, sem reservas pessoais, nem preconceitos de base. Ao invés, a desconfiança parte de um conjunto de pressupostos interiorizados que condicionam, à partida, uma relação que se pretende sempre construtiva. Se confio, olho com amizade, com serenidade, com acolhimento do outro; se desconfio, olho com reservas, com espírito de inquietude, de permanente exame dos demais, criando obstáculos a um relacionamento sadio.

   Ora, em muitos contextos humanos, a começar pelas relações de vizinhança, vive-se hoje um acentuado clima de alheamento, de individualismo, que condiciona bastante as relações humanas. Quanto mais esta realidade se acentua, tanto mais as pessoas tendem a viver na desconfiança. Certamente que se entende como legítima a privacidade de cada um – na sua vivência pessoal e familiar -, pelo que a confiança não tem de significar imediatamente familiaridade ou intimidade. Mas a convivência básica assente na disponibilidade para acolher o outro, ou os outros, sem reservas, nem medos, permite uma humanização das relações, uma vivência íntima tranquila e disponível, capaz de criar relações sadias de proximidade. Além disso, há uma disponibilidade para acolher a pessoa do outro na sua identidade e integridade, sem deixar que qualquer preconceito limite as relações interpessoais e, porventura, me leve à injustiça na consideração do outro.

   Em muito casos, infelizmente, as relações humanas deterioram-se, conduzindo à permanente desconfiança – realidade que exige outro tipo de atitudes para se poder inverter. Mas relacionarmo-nos com os outros, à priori, numa permanente atitude de desconfiança conduz inevitavelmente ao isolamento, às dificuldades de relação, à dúvida sobre os demais, enfim… ao questionamento contínuo, à reserva e mesmo a algumas angústias.

   A confiança coloca-nos de alma aberta e disponível face aos outros. Sem ser uma atitude inconsciente, a confiança abre-nos à revalorização contínua das relações humanas e à construção de uma autêntica fraternidade. Mesmo sem intimidade, a confiança é sempre um dom precioso para conviver com os demais.

   Necessitamos de renovar permanentemente as nossas relações de proximidade com base na confiança, pois ela é condição de acolhimento e de partilha nas relações humanas quotidianas que todos nós estabelecemos.

Pampilhosa, 05 de Abril de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(82ª Reflexão)



[1] Cf. voc. Confiança in Dicionário da Porto Editora online [consultado a 04.04.2018].
[2] Cf. Ibidem.