«I HAVE A
DREAM»
Celebrámos, há uma semana
atrás, o cinquentenário da morte de Martin Luther King, o grande ícone da luta
pela igualdade entre todos os homens. Ficou célebre o seu discurso «I have a
dream», proferido a 28 de Agosto de 1963, em Washington, aquando da marcha para
esta cidade, capital política dos Estados Unidos.
Luther King deixou-nos, nesse discurso, duas frases programáticas, que
ainda hoje ecoam, desafiando a nossa consciência na luta pela igualdade entre
todos os homens. Dizia: «Eu tenho um sonho que, um dia, nas rubras colinas da
Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos senhores de
escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade», acrescentando, ainda:
«Eu tenho um sonho. O sonho de ver os meus filhos julgados pela sua
personalidade e não pela cor da sua pele». Frases que encerram a luta de um
tempo que se projetou até ao presente.
Luther King pronunciou este discurso em meados do século XX, numa luta
pacífica pelos direitos dos negros e, sobretudo, pela igualdade entre todos os
homens. Volvidos cinquenta anos sobre a morte deste homem maior, vivemos ainda
uma realidade inquietante, que oscila entre o reconhecimento da igualdade entre
todos os homens e o recrudescimento de manifestações racistas. Sobretudo devido
ao ressurgimento de movimentos políticos e sociais de extrema-direita.
As
razões para a distinção de raças, no passado, são múltiplas, mas que podemos
enquadrar em três campos de compreensão: históricas, sociais e culturais.
Historicamente, o racismo encontra fundamento nos movimentos de escravos e na
consciência da época de que os negros eram uma raça menor. Chegando-se ao
extremo de considerar que estes nossos irmãos não tinham alma. Afirmação para a
qual muito contribuiu a Igreja, na consciência da época. Neste sentido,
afirma-se uma distinção inequívoca entre brancos e pretos, num eurocentrismo
dominante, que tratava os negros como servos. Do ponto de vista social, a
separação era evidente: os negros eram remetidos para espaços próprios, não
podendo aceder à convivência social própria dos brancos. A distinção social foi
a que mais se prolongou no tempo. Naturalmente que estas mundividências
encontram o seu fundamento em conceções culturais. Será difícil julgar o
passado com o quadro mental do presente; mas será igualmente difícil viver do
passado com o quadro mental atual. Na verdade, a luta pela igualdade
transformou as nossas consciências e conduziu-nos a uma compreensão nova de
toda a humanidade. Somos, efetivamente, todos iguais, enquanto homens e
mulheres, participantes da mesma dignidade humana, independentemente da cor da
pele ou do quadrante geográfico em que vivamos. Esta parece ser uma conquista
do século XX, consolidada no século XXI. Todavia, infelizmente, ainda não é
assim. Próximos do final da segunda década do século XXI, vemos recrudescer o
racismo, quando se afirmam de novo grupos xenófobos, alguns deles politicamente
legitimados por forças de extrema-direita que tendem a afirmar-se na Europa e
nos Estados Unidos da América. O que parecia ser uma conquista, afinal ainda o
não é na sua plenitude! Por certo, não regressaremos às origens; mas há um
caminho longo a trilhar para alcançarmos a almejada igualdade. Não apenas
ideológica, mas verdadeiramente social e cultural. Enquanto o acesso a
oportunidades de formação, de emprego ou de convivência social não forem realmente
iguais, certamente que não podemos afirmar a existência de verdadeira
igualdade.
Portugal tem sido, desde há muito, um país de acolhimento. E igualmente
de integração e de respeito pela identidade de cada um – identidade pessoal e
cultural. Mas vejamos o que se passa nalguns bairros sociais, sobretudo nas
periferias das grandes cidades; vejamos algumas expressões ténues de exclusão e
de puro racismo na convivência social, particularmente no mundo juvenil da
noite; ou sondemos ainda o sentimento de tantos concidadãos nossos sobre as
diferenças da cor da pele. Apesar de sermos um país brando e acolhedor, o racismo
também ainda não foi completamente erradicado do meio de nós.
Necessitamos de continuar a afirmar que somos todos iguais; que somos
todos dotados da mesma dignidade e que nos é devido respeito igual.
Necessitamos, afinal, de continuar a corresponder ao apelo de Luther King: «Eu
tenho um sonho. O sonho de ver os meus filhos julgados pela sua personalidade e
não pela cor da sua pele».
Pampilhosa, 12 de Abril de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(83ª Reflexão)