PERDÃO
Liturgicamente, vivemos, na Igreja Católica, um tempo marcado pela
renovação da vida pessoal e pelo convite a uma transformação sempre maior, em
ordem a uma humanidade mais plena, cujo modelo, para todos, é o próprio Jesus
Cristo. A Quaresma é este tempo de renovação.
Para quem não é crente, o esforço de
aprofundamento dos valores humanos exige, de igual forma, uma atenção contínua,
no sentido de estes viverem de forma mais plena a humanidade que todos
partilhamos.
Ora,
um dos empecilhos a este aprofundamento e valorização humana – por uma e outra
via – é a atitude de orgulho, que já aqui, há algum tempo, pudemos considerar.
Para haver capacidade de renovação contínua exige-se que cada um reconheça os
seus limites naturais. Nada há de mais empobrecedor do que aquelas atitudes de
quem se julga já perfeito, sem necessidade de mudar nada na sua vida. Tal
atitude será, por certo, fonte de estagnação, no percurso do crescimento
humano. Assim, para haver transformação, com motivações religiosas ou
simplesmente humanistas, tem de se viver a humildade – condição básica para a
aceitação dos limites pessoais e da capacidade de os ultrapassar.
Mas,
não raro, diante das nossas fragilidades necessitamos ainda mais: precisamos do
perdão – do perdão de Deus que, numa atitude de fé, renova em nós a vida plena
que nos foi concedida na graça batismal; do perdão dos outros, com quem
partilhamos a nossa vida e com quem, por vezes, nos desencontramos, gerando-se
atitudes diversas de oposição ou de conflito; e do perdão de nós mesmos, quando
nos ferimos interiormente, através de atitudes imediatistas, sem medir
consequências, ou de atitudes que feriram a nossa identidade ou dignidade
humana. O perdão, recebido, dado, ou vivido interiormente, é, quantas vezes,
aquela dádiva de que necessitamos para que a vida se retome com serenidade e
com paz.
Perdoar, que provém do latim perdonare,
significa aceitar ou pedir desculpa; capacidade de se redimir em relação a algo
de errado. Mas o perdão é também um processo mental que visa a eliminação de
todo o ressentimento, raiva, rancor ou de qualquer outro sentimento negativo
relativo a determinada pessoa ou a si próprio.
Ora,
esta libertação de sentimentos negativos não nos predispõe apenas para uma
relação mais harmoniosa com os demais, mas constitui fundamentalmente uma fonte
de autêntica liberdade interior, que nos permite fruir a sensação profunda de
paz e de tranquilidade. O perdão, dado ou recebido, é um dom que nos renova a
nós mesmos, garantindo-nos um outro horizonte de vida, mais feliz e sereno.
De
entre todas as necessidades de perdão, sobressai a capacidade de se perdoar a
si mesmo. Pois algumas pessoas vivem uma vida inteira esmagadas pela culpa de
um ou outro ato, incapazes de se pacificarem e de viverem a tranquilidade. Esta
capacidade de se perdoar pode necessitar – e necessita – muitas vezes de um
auxílio externo: o sacerdote, o psicólogo, o amigo mais íntimo… Se não nos
perdoarmos a nós, dificilmente perdoamos os outros. Ou, mais ainda, muitas
vezes vivemos em conflito com os outros precisamente porque não nos perdoamos a
nós mesmos.
Na
experiência religiosa é frequente ver como algumas pessoas duvidam do perdão de
Deus porque são incapazes de se perdoa a si mesmas. Mesmo que alguém seja
garante desse perdão. O processo de transformação tem de se iniciar, então, no
íntimo do coração de cada uma destas pessoas.
Este
tempo litúrgico que vivemos – que deixou já de ter a marca social que teve em
tempos de cristandade – tem esta virtualidade objetiva e global: é um tempo de convite
ao perdão: o perdão acolhido, o perdão oferecido e o perdão vivido
interiormente. Sabendo que tal perdão é fonte de renovação de todas as relações
pessoais, interpessoais e transcendentes.
Nas
nossas vidas e nas nossas comunidades continuamos a necessitar destes tempos de
apelo à renovação. Para que se renovem as nossas relações intra-pessoais,
inter-pressoais e comunitárias. Sabendo que o perdão não vale apenas por si,
mas é meio para uma vida renovada, habitada pela paz e pela tranquilidade. Afinal,
um caminho de felicidade.
Pampilhosa, 15 de Março de 2018
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(79ª Reflexão)