quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Silêncios que corroem!


SILÊNCIOS QUE CORROEM!

   Com o final do mês de Agosto, a vida regressa à normalidade das atividades quotidianas, terminando, assim, um tempo de lazer e de descontração que marcou a vida de uma boa parte dos portugueses. O mês de Agosto, mês de férias por excelência, acrescido do mês de Julho e até de uma pequena parte do mês de Junho, deveria ser um tempo autêntico de serenidade, de tranquilidade, de calma, de festa e descontração, de são convívio e de pacificação íntima, após um ano inteiro de trabalhos diversos e de múltiplas responsabilidades: pessoais, laborais e sociais.

   Mas, infelizmente, não foi assim este último mês de Agosto. Para uma boa parte dos portugueses, foi um tempo de angústia, de sobressalto, de verdadeira aflição, de luta; nalguns casos, mesmo, de autêntico desespero! Devido às centenas de incêndios que deflagraram neste período de verão e à intensidade inaudita das suas chamas, vivemos o mês de Agosto numa espécie de «estado de guerra», como o qualifiquei, ao ver tamanha destruição, angústia e luta desigual face a um adversário que parecia agigantar-se cada vez mais. Foi ainda um tempo de devastação inaudita do nosso património florestal – numa área ardida que ascende, neste ano de 2017, aos 75.264 hectares, a maior da última década e a mais elevada de toda a União Europeia -, conjuntamente com tantos bens de cultivo, para não falar já das aldeias ameaçadas, que tiveram de ser evacuadas, e da destruição de casas, algumas delas de primeira habitação! Um verdadeiro horror!

   Mas findo este período, em que todas as energias se canalizaram para o combate às chamas, deixando para depois outras análises ao fenómeno dos incêndios, pontualmente marcado por indicações de causas mais e menos plausíveis, por parte de um ou de outro governante, parece agora cair uma sombra de silêncio sobre estes acontecimentos, tal como acontece no regresso ao trabalho, deixando no passado o que foi a vivência das férias. E ciclicamente habituamo-nos a este fatalismo!

   Ora, é urgente romper este ciclo de silêncio, de falta de responsabilização, de deixar permanecer tudo como está, exigindo-se uma resposta clara e que permita compreender as causas de tamanha tragédia. Os portugueses têm o direito a saber a verdade! E se no seu todo, porque este é um mal que afeta transversalmente a sociedade portuguesa, muito particularmente aqueles que foram lesados, quer nos seus bens, nos seus haveres, quer na sua tranquilidade. Perante tamanho inferno, é necessário conhecer as causas; é necessário responsabilizar quem é responsável e punir quem é criminoso. Esta é uma enorme questão de justiça e de dívida para com os portugueses, particularmente com os muitos que sofreram neste verão. E é igualmente um dever de quem governa, para poder manter a ordem pública e a salvaguarda dos interesses de quem é governado.

    Ora, o silêncio reinante, pautado apenas pela indicação de que foram apresentados a tribunal algumas dezenas de incendiários, regra geral postos de novo em liberdade, não explica nada, nem faz justiça a ninguém. Comporta em si, simplesmente, a capacidade de corroer a nossa confiança em quem detém a autoridade – no governo, porque não é exigente e não aponta razões credíveis que expliquem tamanho desastre; no poder judicial, porque não é suficientemente transparente, nem exigente na sua aplicação até às últimas causas. Para não falar já de autoridades intermédias, cuja falta de empenhamento no apuramento da verdade nos deixa uma sensação de silêncio conivente. Conduzindo tudo a uma desconfiança persistente, tão daninha quanto o silêncio, sobre os possíveis interesses que se movem por detrás desta realidade a que alguém, com responsabilidades públicas, chamou já a «empresa do fogo». Este silêncio tem ainda a desdita de corroer a própria democracia, porque não nos faz iguais perante a lei, retira às autoridades a idoneidade que lhes devia ser reconhecida, e permite que na sociedade fermentem suspeições.

   A par das medidas mais do que identificadas para a ação de prevenção e de revalorização das nossas florestas, que urge implementar, temos direito a saber quais as verdadeiras causas que conduziram a este flagelo, como meio de assunção de responsabilidades sociais e de prevenção de eventualidades futuras. Portugal é uma democracia assente no cumprimento igualitário da lei! Não podemos permitir que alguns – grupos ou pessoas – vivam à margem dessa lei, pondo em causa o bem-estar de todos. Urge assumirmos a verdade e a transparência como meio de credibilidade e de idoneidade para o exercício das mais altas tarefas do Estado. Custe a quem custar! 

Pampilhosa, 07 de Setembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(54ª Reflexão)