SILÊNCIOS
QUE CORROEM!
Com o final do mês de Agosto, a vida
regressa à normalidade das atividades quotidianas, terminando, assim, um tempo
de lazer e de descontração que marcou a vida de uma boa parte dos portugueses.
O mês de Agosto, mês de férias por excelência, acrescido do mês de Julho e até
de uma pequena parte do mês de Junho, deveria ser um tempo autêntico de
serenidade, de tranquilidade, de calma, de festa e descontração, de são
convívio e de pacificação íntima, após um ano inteiro de trabalhos diversos e
de múltiplas responsabilidades: pessoais, laborais e sociais.
Mas, infelizmente, não foi assim este último
mês de Agosto. Para uma boa parte dos portugueses, foi um tempo de angústia, de
sobressalto, de verdadeira aflição, de luta; nalguns casos, mesmo, de autêntico
desespero! Devido às centenas de incêndios que deflagraram neste período de
verão e à intensidade inaudita das suas chamas, vivemos o mês de Agosto numa espécie
de «estado de guerra», como o qualifiquei, ao ver tamanha destruição, angústia
e luta desigual face a um adversário que parecia agigantar-se cada vez mais.
Foi ainda um tempo de devastação inaudita do nosso património florestal – numa
área ardida que ascende, neste ano de 2017, aos 75.264 hectares, a maior da
última década e a mais elevada de toda a União Europeia -, conjuntamente com
tantos bens de cultivo, para não falar já das aldeias ameaçadas, que tiveram de
ser evacuadas, e da destruição de casas, algumas delas de primeira habitação!
Um verdadeiro horror!
Mas findo este período, em que todas as
energias se canalizaram para o combate às chamas, deixando para depois outras
análises ao fenómeno dos incêndios, pontualmente marcado por indicações de
causas mais e menos plausíveis, por parte de um ou de outro governante, parece
agora cair uma sombra de silêncio sobre estes acontecimentos, tal como acontece
no regresso ao trabalho, deixando no passado o que foi a vivência das férias. E
ciclicamente habituamo-nos a este fatalismo!
Ora, é urgente romper este ciclo de
silêncio, de falta de responsabilização, de deixar permanecer tudo como está,
exigindo-se uma resposta clara e que permita compreender as causas de tamanha
tragédia. Os portugueses têm o direito a saber a verdade! E se no seu todo, porque
este é um mal que afeta transversalmente a sociedade portuguesa, muito
particularmente aqueles que foram lesados, quer nos seus bens, nos seus
haveres, quer na sua tranquilidade. Perante tamanho inferno, é necessário
conhecer as causas; é necessário responsabilizar quem é responsável e punir
quem é criminoso. Esta é uma enorme questão de justiça e de dívida para com os
portugueses, particularmente com os muitos que sofreram neste verão. E é
igualmente um dever de quem governa, para poder manter a ordem pública e a
salvaguarda dos interesses de quem é governado.
Ora, o silêncio reinante, pautado apenas
pela indicação de que foram apresentados a tribunal algumas dezenas de
incendiários, regra geral postos de novo em liberdade, não explica nada, nem faz
justiça a ninguém. Comporta em si, simplesmente, a capacidade de corroer a
nossa confiança em quem detém a autoridade – no governo, porque não é exigente
e não aponta razões credíveis que expliquem tamanho desastre; no poder
judicial, porque não é suficientemente transparente, nem exigente na sua aplicação
até às últimas causas. Para não falar já de autoridades intermédias, cuja falta
de empenhamento no apuramento da verdade nos deixa uma sensação de silêncio
conivente. Conduzindo tudo a uma desconfiança persistente, tão daninha quanto o
silêncio, sobre os possíveis interesses que se movem por detrás desta realidade
a que alguém, com responsabilidades públicas, chamou já a «empresa do fogo». Este
silêncio tem ainda a desdita de corroer a própria democracia, porque não nos
faz iguais perante a lei, retira às autoridades a idoneidade que lhes devia ser
reconhecida, e permite que na sociedade fermentem suspeições.
A par das medidas mais do que identificadas
para a ação de prevenção e de revalorização das nossas florestas, que urge
implementar, temos direito a saber quais as verdadeiras causas que conduziram a
este flagelo, como meio de assunção de responsabilidades sociais e de prevenção
de eventualidades futuras. Portugal é uma democracia assente no cumprimento
igualitário da lei! Não podemos permitir que alguns – grupos ou pessoas – vivam
à margem dessa lei, pondo em causa o bem-estar de todos. Urge assumirmos a
verdade e a transparência como meio de credibilidade e de idoneidade para o exercício
das mais altas tarefas do Estado. Custe a quem custar!
Pampilhosa, 07 de Setembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(54ª Reflexão)