quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Recomeço


RECOMEÇO

   O mês de Setembro é caracterizado por múltiplos recomeços: recomeçou um novo ano letivo, para as nossas crianças e jovens, para os seus pais, para os seus professores e auxiliares de educação; recomeçaram as atividades de vários grupos e associações, depois da época estival; e recomeçou um novo ano pastoral, para as nossas comunidades cristãs. Este ano, sob o impulso de um novo Plano Pastoral, na Diocese de Coimbra, que nos conduzirá ao longo de todo o triénio, até 2020. Diríamos que a vida retoma aquela normalidade que caracteriza a maior parte do ano, enquanto permanência de uma certa forma de estar e de viver.

   Mas falar de recomeço pode deixar-nos numa atitude simples de repetição de vivências anteriores, de conformação com certas formas de estar e de agir, num quase mimetismo do que já passou, pese embora a novidade de cada tempo.

   Nos séculos pretéritos, esta normalidade do tempo e das suas ações era muito mais evidente, quando após as romarias de verão e os pagamentos aos senhores, feitas por ocasião das celebrações do São João e do São Miguel, coincidindo esta última com o fim das colheitas e a distribuição dos proveitos por todos os seus beneficiários, os pobres camponeses se lançavam de novo à terra, para viver um novo ciclo de trabalho duro, na esperança de que o novo ano fosse ainda mais favorável.

   Certo é que a hora presente não nos permite esta repetição que podemos como que entrever nesses séculos passados. A força dos meios tecnológicos, particularmente de comunicação, como que aceleram o tempo e colocam-nos permanentemente em estado de vigília, atentos à constante novidade que o mundo plasma diante de nós. Todavia, apesar destes estímulos – para o bem e para o mal! – que advêm dos meios de comunicação, corremos o risco de interiormente permanecermos numa inércia normalizadora, que já não nos permita definir novos objetivos, novas metas e novos desafios a alcançar. Ora, cada recomeço é exatamente isso mesmo: um começar de novo! E se, pela força do dinamismo da história, com os seus tempos e os seus ritmos, somos levados a viver cada ciclo; a autêntica sabedoria está em não nos deixarmos arrastar simplesmente pelo tempo, mas a vivê-lo na sua novidade, singularidade e renovada oportunidade. Neste sentido, mais do que uma imposição exterior, o autêntico recomeço resulta verdadeiramente de uma decisão interior. Decisão de crescimento humano, num desenvolvimento pessoal integral, que permita trilhar os caminhos da autêntica realização, crescendo como pessoas e realizando objetivos que concretizem essa permanente maturação humana. Oportunidade igualmente de revisão de vida, de modo a que tudo o que é empecilho a esta humanização se afaste, reformulando-se modos de ser e de estar, mais condizentes com a dignidade pessoal, com o bem dos outros e a paz que queremos na relação com os demais. Um tempo de uma nova criatividade, não apenas pessoal, mas também de serviço aos outros, num espírito de autêntica fraternidade, para que o mundo cresça com o nosso crescimento. Um tempo novo para abrir novos horizontes pessoais, mas igualmente comunitários e sociais, num empenho sincero na busca de um verdadeiro bem conjunto, que seja expressão de uma comunidade que pretendemos mais humanizada e fraterna. Afinal, um tempo de oportunidade singular, que nos é dado como dom, e que urge saber viver!

   Recomeçar, para, no recomeço, realizarmos aquela expressão de Miguel Torga, no seu poema «Sísifo», que nos convoca a sermos inteiros:

   «Recomeça… se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade».
 

Pampilhosa, 28 de Setembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(57ª Reflexão)