RECOMEÇO
O
mês de Setembro é caracterizado por múltiplos recomeços: recomeçou um novo ano
letivo, para as nossas crianças e jovens, para os seus pais, para os seus
professores e auxiliares de educação; recomeçaram as atividades de vários
grupos e associações, depois da época estival; e recomeçou um novo ano
pastoral, para as nossas comunidades cristãs. Este ano, sob o impulso de um
novo Plano Pastoral, na Diocese de Coimbra, que nos conduzirá ao longo de todo
o triénio, até 2020. Diríamos que a vida retoma aquela normalidade que
caracteriza a maior parte do ano, enquanto permanência de uma certa forma de
estar e de viver.
Mas
falar de recomeço pode deixar-nos numa atitude simples de repetição de
vivências anteriores, de conformação com certas formas de estar e de agir, num
quase mimetismo do que já passou, pese embora a novidade de cada tempo.
Nos
séculos pretéritos, esta normalidade do tempo e das suas ações era muito mais
evidente, quando após as romarias de verão e os pagamentos aos senhores, feitas
por ocasião das celebrações do São João e do São Miguel, coincidindo esta
última com o fim das colheitas e a distribuição dos proveitos por todos os seus
beneficiários, os pobres camponeses se lançavam de novo à terra, para viver um
novo ciclo de trabalho duro, na esperança de que o novo ano fosse ainda mais
favorável.
Certo é que a hora presente não nos permite
esta repetição que podemos como que entrever nesses séculos passados. A força
dos meios tecnológicos, particularmente de comunicação, como que aceleram o
tempo e colocam-nos permanentemente em estado de vigília, atentos à constante
novidade que o mundo plasma diante de nós. Todavia, apesar destes estímulos –
para o bem e para o mal! – que advêm dos meios de comunicação, corremos o risco
de interiormente permanecermos numa inércia normalizadora, que já não nos permita
definir novos objetivos, novas metas e novos desafios a alcançar. Ora, cada
recomeço é exatamente isso mesmo: um começar de novo! E se, pela força do
dinamismo da história, com os seus tempos e os seus ritmos, somos levados a
viver cada ciclo; a autêntica sabedoria está em não nos deixarmos arrastar
simplesmente pelo tempo, mas a vivê-lo na sua novidade, singularidade e
renovada oportunidade. Neste sentido, mais do que uma imposição exterior, o
autêntico recomeço resulta verdadeiramente de uma decisão interior. Decisão de
crescimento humano, num desenvolvimento pessoal integral, que permita trilhar
os caminhos da autêntica realização, crescendo como pessoas e realizando
objetivos que concretizem essa permanente maturação humana. Oportunidade
igualmente de revisão de vida, de modo a que tudo o que é empecilho a esta
humanização se afaste, reformulando-se modos de ser e de estar, mais
condizentes com a dignidade pessoal, com o bem dos outros e a paz que queremos
na relação com os demais. Um tempo de uma nova criatividade, não apenas
pessoal, mas também de serviço aos outros, num espírito de autêntica
fraternidade, para que o mundo cresça com o nosso crescimento. Um tempo novo
para abrir novos horizontes pessoais, mas igualmente comunitários e sociais,
num empenho sincero na busca de um verdadeiro bem conjunto, que seja expressão
de uma comunidade que pretendemos mais humanizada e fraterna. Afinal, um tempo
de oportunidade singular, que nos é dado como dom, e que urge saber viver!
Recomeçar, para, no recomeço, realizarmos aquela expressão de Miguel
Torga, no seu poema «Sísifo», que nos convoca a sermos inteiros:
«Recomeça… se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres,
nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não
descanses, de nenhum fruto queiras só metade».
Pampilhosa, 28 de Setembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(57ª Reflexão)