quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Descentralização



DESCENTRALIZAÇÃO

   O drama dos incêndios, deste verão e outono, colocou-nos, uma vez mais, face à questão da administração do território português. Já vai longe, cronologicamente, a pretensão, referendada, de pretender constituir regiões administrativas em Portugal. Todavia, esta questão nunca deixou de ser um dos assuntos em debate nas diversas instâncias de governo e de administração do país. Portugal, apesar de ser territorialmente pequeno, comparado com outros países, necessita absolutamente de um novo modelo administrativo, facilitador de decisões mais céleres, ajustadas e de proximidade em relação às comunidades. Seja por via de entidades regionais, seja pela dos municípios, Portugal tem de se repensar no seu modelo administrativo para ser eficaz e promover um desenvolvimento integrado e coeso de todo o território nacional. Um dos exemplos evidentes desta ação de descentralização e seus benefícios, são as Entidades Regionais de Turismo. Todas elas subordinadas ao Turismo de Portugal, desenvolvem projetos de proximidade e de resposta à diversidade de projetos turísticos próprios de cada região. E, no cômputo geral, têm sido um sucesso. Ora, este exemplo vale para outras áreas e ações de governo e de administração. Caso contrário, uma boa parte do território nacional continua dependente de decisões centralizadas que desconhecem a realidade objetiva e a especificidade de cada região, quer ao nível das suas potencialidades, quer das suas carências. Com a agravante de uma política que tende a privilegiar as zonas mais habitadas, por uma questão de sobrevivência político-partidária. Neste sentido, como ainda há dias alguém referia, no contexto das últimas Jornadas de Pastoral do Turismo, se Portugal fosse como um barco, estaríamos já todos afogados no oceano. Isto para evidenciar o desenvolvimento e investimento no litoral, em desfavor das regiões do interior. Questão semelhante se colocava, há dias, no “Prós e Contras”, da RTP 1, ao olhar para a realidade do Alentejo, particularmente mais interior.

   O fenómeno da centralização, em Portugal, conta já com séculos de história. Se remontarmos ao séc. XVII e, concretamente, à corte de D. João IV, no contexto da afirmação da soberania de Portugal relativamente a Espanha, após o domínio Filipino, reparamos como, ao invés dos tempos anteriores, se intensificou a centralização do poder, com recurso aos Conselhos, que apoiavam o rei na sua governação.[1] Ora, todas as casas senhoriais, para garantirem o seu poder de influência, passam a aproximar-se da corte, passando mesmo a residir na capital, sem abandonar as suas propriedades locais. Neste contexto, ainda que o poder local seja reforçado, nomeadamente no que toca à justiça, com os denominados «juízes de fora»[2], a administração ficou cada vez mais dependente da coroa e dos seus conselheiros.

   Esta modalidade de governo permaneceu, mesmo com regimes distintos, após a passagem do regime senhorial para a monarquia constitucional e, posteriormente, para a república, bem como, ainda, para o Estado Novo, que apesar de ter criado as diversas corporações, por setores de atividade económica, se fundou na Constituição de 1933, que centralizava, uma vez mais, o governo da nação.[3]

   Ora, nos tempos que correm, e após uma nova mentalidade administrativa, Portugal carece de novos meios de administração e de governo: seja por via das regiões; das comunidades intermunicipais, com poderes mais efetivos; ou pelo reforço do poder dos municípios. Só assim o país se desenvolverá globalmente, corrigindo as assimetrias político-económicas e sociais que provêm do passado.

   Um bom exemplo desta necessidade de descentralização é a urgência de uma nova gestão local das florestas: com a prevenção de incêndios; o seu combate; e, atualmente, a necessidade da reflorestação da imensa mancha verde que foi dizimada com os últimos incêndios. Tenho constatado em várias pessoas, entendidas nestas matérias, alguma desconfiança face à capacidade de realizar o trabalho que urge fazer. Isto porque o estado central não consegue, de per si, mobilizar instituições e pessoas neste autentico desígnio nacional. Será na proximidade, com as comunidades intermunicipais e muito particularmente com os municípios que este desígnio se poderá operar. Para tanto, carecemos, nesta matéria, da descentralização de meios – legislativos e económicos, que obriguem e viabilizem os projetos a executar. Tal tarefa só se realizará na proximidade! Tanto mais que o envolvimento, absolutamente necessário, dos cidadãos, só acontecerá através de instâncias de poder locais. A reflorestação do país bem poderia servir de teste a uma certa forma de descentralização, não obstante outras que, com sucesso, já operam neste sentido.



Pampilhosa, 16 de Novembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(63ª Reflexão)



[1] Cf. PROENÇA, Maria Cândida – Uma História Concisa de Portugal. Lisboa: Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2015, p. 386.
[2] Cf. Ibidem, p. 390.
[3] Cf. Ibidem, pp. 671 – 672.