DESCENTRALIZAÇÃO
O
drama dos incêndios, deste verão e outono, colocou-nos, uma vez mais, face à
questão da administração do território português. Já vai longe,
cronologicamente, a pretensão, referendada, de pretender constituir regiões
administrativas em Portugal. Todavia, esta questão nunca deixou de ser um dos
assuntos em debate nas diversas instâncias de governo e de administração do
país. Portugal, apesar de ser territorialmente pequeno, comparado com outros
países, necessita absolutamente de um novo modelo administrativo, facilitador
de decisões mais céleres, ajustadas e de proximidade em relação às comunidades.
Seja por via de entidades regionais, seja pela dos municípios, Portugal tem de
se repensar no seu modelo administrativo para ser eficaz e promover um desenvolvimento
integrado e coeso de todo o território nacional. Um dos exemplos evidentes
desta ação de descentralização e seus benefícios, são as Entidades Regionais de
Turismo. Todas elas subordinadas ao Turismo de Portugal, desenvolvem projetos
de proximidade e de resposta à diversidade de projetos turísticos próprios de
cada região. E, no cômputo geral, têm sido um sucesso. Ora, este exemplo vale
para outras áreas e ações de governo e de administração. Caso contrário, uma
boa parte do território nacional continua dependente de decisões centralizadas
que desconhecem a realidade objetiva e a especificidade de cada região, quer ao
nível das suas potencialidades, quer das suas carências. Com a agravante de uma
política que tende a privilegiar as zonas mais habitadas, por uma questão de
sobrevivência político-partidária. Neste sentido, como ainda há dias alguém
referia, no contexto das últimas Jornadas de Pastoral do Turismo, se Portugal
fosse como um barco, estaríamos já todos afogados no oceano. Isto para
evidenciar o desenvolvimento e investimento no litoral, em desfavor das regiões
do interior. Questão semelhante se colocava, há dias, no “Prós e Contras”, da
RTP 1, ao olhar para a realidade do Alentejo, particularmente mais interior.
O
fenómeno da centralização, em Portugal, conta já com séculos de história. Se
remontarmos ao séc. XVII e, concretamente, à corte de D. João IV, no contexto
da afirmação da soberania de Portugal relativamente a Espanha, após o domínio
Filipino, reparamos como, ao invés dos tempos anteriores, se intensificou a
centralização do poder, com recurso aos Conselhos, que apoiavam o rei na sua
governação.[1] Ora, todas as casas
senhoriais, para garantirem o seu poder de influência, passam a aproximar-se da
corte, passando mesmo a residir na capital, sem abandonar as suas propriedades
locais. Neste contexto, ainda que o poder local seja reforçado, nomeadamente no
que toca à justiça, com os denominados «juízes de fora»[2], a administração ficou
cada vez mais dependente da coroa e dos seus conselheiros.
Esta
modalidade de governo permaneceu, mesmo com regimes distintos, após a passagem
do regime senhorial para a monarquia constitucional e, posteriormente, para a
república, bem como, ainda, para o Estado Novo, que apesar de ter criado as
diversas corporações, por setores de atividade económica, se fundou na
Constituição de 1933, que centralizava, uma vez mais, o governo da nação.[3]
Ora,
nos tempos que correm, e após uma nova mentalidade administrativa, Portugal
carece de novos meios de administração e de governo: seja por via das regiões;
das comunidades intermunicipais, com poderes mais efetivos; ou pelo reforço do
poder dos municípios. Só assim o país se desenvolverá globalmente, corrigindo
as assimetrias político-económicas e sociais que provêm do passado.
Um
bom exemplo desta necessidade de descentralização é a urgência de uma nova
gestão local das florestas: com a prevenção de incêndios; o seu combate; e,
atualmente, a necessidade da reflorestação da imensa mancha verde que foi
dizimada com os últimos incêndios. Tenho constatado em várias pessoas,
entendidas nestas matérias, alguma desconfiança face à capacidade de realizar o
trabalho que urge fazer. Isto porque o estado central não consegue, de per si,
mobilizar instituições e pessoas neste autentico desígnio nacional. Será na
proximidade, com as comunidades intermunicipais e muito particularmente com os
municípios que este desígnio se poderá operar. Para tanto, carecemos, nesta
matéria, da descentralização de meios – legislativos e económicos, que obriguem
e viabilizem os projetos a executar. Tal tarefa só se realizará na proximidade!
Tanto mais que o envolvimento, absolutamente necessário, dos cidadãos, só
acontecerá através de instâncias de poder locais. A reflorestação do país bem
poderia servir de teste a uma certa forma de descentralização, não obstante
outras que, com sucesso, já operam neste sentido.
Pampilhosa, 16 de Novembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(63ª Reflexão)
[1]
Cf. PROENÇA, Maria Cândida – Uma História
Concisa de Portugal. Lisboa: Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2015,
p. 386.