quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Bondade


BONDADE

   No decurso da semana passada e com o início desta, que estamos a viver, fui-me confrontando, assiduamente, com a palavra bondade. Uma palavra que radica, em última instância, na autenticidade do amor. O termo bondade, derivado do latim bonitatem[1], tem como definição própria a disposição natural para fazer o bem, a qualidade do que é bom, mas igualmente a brandura, e a benevolência.[2] Mas, na sua significação, compreende ainda a amabilidade, aprofundando assim o seu conceito e relacionando-o com o amor, porquanto este é a base desta característica ou atributo da bondade.

   Vem isto a propósito de três momentos celebrativos e existenciais destes oito dias: a expressão de S. Paulo à comunidade de Roma, numa das leituras do vigésimo terceiro domingo do tempo comum, em que o apóstolo exortava os romanos, dizendo-lhes: «não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros» (Rom. 13, 8); a notícia inesperada da morte do Bispo do Porto, Senhor D. António Francisco dos Santos, e consequentes reações a tão fatídico acontecimento; e, de novo, a liturgia deste último domingo, com a resposta de Jesus à interpelação de Pedro, que o questiona sobre quantas vezes devemos perdoar, se até sete vezes ou eventualmente mais, ao que Jesus responde: «não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete» (Mt. 18, 21 – 22); o que, na simbologia bíblica significa sempre – em quantidade e em qualidade. Isto é, perdoar sempre que necessário, com verdade e autenticidade, sem que reste qualquer rancor ou ressentimento.

   Apesar do seu contexto litúrgico e eclesial, estas expressões e factos valem para todos nós, e não apenas para os cristãos, porque são universais. Desde logo, porque o amor tem de estar na base de todas as nossas vivências pessoais e interrelacionais, enquanto alicerce sólido de toda a nossa construção pessoal e social. Num tempo em que tendemos para a autossuficiência e para o individualismo, Paulo vem recordar-nos algo de essencial: que o amor é uma dívida constante de uns para com os outros; consciente de que ele é um dinamismo permanente, nunca acabado, a necessitar sempre de novos gestos e cuidados. Acolher este convite de Paulo significa trilharmos caminhos de autêntica realização e de felicidade. Ora, uma das características deste amor é exatamente a bondade, enquanto atenção, respeito e proximidade construtiva na relação com quem nos é próximo. De igual modo, o perdão sem reservas, como afirmava Jesus, no Evangelho de Mateus, conduz a uma sociedade benevolente, onde, apesar das nossas diferenças e desencontros, é sempre possível refazer as nossas relações humanas, com base na humildade que conduz à permanente amabilidade e a uma autêntica fraternidade. Assim, uma vez mais, a bondade se reafirma por oposição a toda a forma de maldade, de iras, de ódios, desrespeitos ou de rixas. É, uma vez mais, o convite ao amor, sublinhando a bondade na relação de uns com os outros.

   Diríamos, eventualmente, que tais princípios são ideais humanos inalcançáveis! Serão certamente um desafio constante às nossas vivências e suas motivações. Mas não são algo de impossível. Bem pelo contrário: são luzeiros permanentes a iluminar os nossos caminhos, para que por eles cheguemos à felicidade para que fomos criados.

   Na ocasião da morte do Sr. D. António Francisco dos Santos, ao tomar conhecimento de tão amarga notícia, a primeira palavra que me ocorreu para caracterizar a sua pessoa foi precisamente a afabilidade. Qualidade que se insere no âmbito da bondade. E foi precisamente esta última qualidade - a sua bondade - que mais se afirmou, ao longo dos dias da sua celebração exequial, e no legado que tão naturalmente nos deixou. A candura do seu olhar, a atenção à singularidade de cada um, a benevolência, a doçura no trato, o sorriso afável e a capacidade de desculpar, mesmo nas situações mais difíceis (incluindo aquelas que se inscreveram no seu múnus de pastor), são uma herança de uma profunda humanidade, capaz de tocar o coração de tantos que, mais direta ou indiretamente, privaram com este grande homem e grande bispo. Os testemunhos neste sentido são múltiplos, desde as mais altas figuras de estado, ao povo simples que teve a graça de o ter como pastor. Para mim – certamente para muitos de nós! – ficou esta certeza, ao recolher tão belo testemunho: a bondade é uma das qualidades humanas que maior beleza confere à nossa humanidade. E que mais enriquece as nossas relações interpessoais. O senhor D. António, com a sua vivência simples e humilde, mas tão próxima de todos, assegurou-nos, afinal, que a bondade é realmente possível!
 

Pampilhosa, 21 de Setembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(56ª Reflexão)



[1] Cf. Voc. Bondade. In Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa. Disponível em http://www.michaelis.uol.com.br
[2] Cf. Cf. Dicionário Priberam. Disponível em: http://www.priberam.pt