BONDADE
No
decurso da semana passada e com o início desta, que estamos a viver, fui-me
confrontando, assiduamente, com a palavra bondade. Uma palavra que radica, em
última instância, na autenticidade do amor. O termo bondade, derivado do latim bonitatem[1], tem como definição
própria a disposição natural para fazer o bem, a qualidade do que é bom, mas
igualmente a brandura, e a benevolência.[2] Mas, na sua significação,
compreende ainda a amabilidade, aprofundando assim o seu conceito e
relacionando-o com o amor, porquanto este é a base desta característica ou
atributo da bondade.
Vem
isto a propósito de três momentos celebrativos e existenciais destes oito dias:
a expressão de S. Paulo à comunidade de Roma, numa das leituras do vigésimo
terceiro domingo do tempo comum, em que o apóstolo exortava os romanos, dizendo-lhes:
«não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros»
(Rom. 13, 8); a notícia inesperada da morte do Bispo do Porto, Senhor D.
António Francisco dos Santos, e consequentes reações a tão fatídico
acontecimento; e, de novo, a liturgia deste último domingo, com a resposta de
Jesus à interpelação de Pedro, que o questiona sobre quantas vezes devemos
perdoar, se até sete vezes ou eventualmente mais, ao que Jesus responde: «não
te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete» (Mt. 18, 21 – 22); o que,
na simbologia bíblica significa sempre – em quantidade e em qualidade. Isto é,
perdoar sempre que necessário, com verdade e autenticidade, sem que reste
qualquer rancor ou ressentimento.
Apesar do seu contexto litúrgico e eclesial, estas expressões e factos
valem para todos nós, e não apenas para os cristãos, porque são universais.
Desde logo, porque o amor tem de estar na base de todas as nossas vivências
pessoais e interrelacionais, enquanto alicerce sólido de toda a nossa
construção pessoal e social. Num tempo em que tendemos para a autossuficiência
e para o individualismo, Paulo vem recordar-nos algo de essencial: que o amor é
uma dívida constante de uns para com os outros; consciente de que ele é um
dinamismo permanente, nunca acabado, a necessitar sempre de novos gestos e
cuidados. Acolher este convite de Paulo significa trilharmos caminhos de
autêntica realização e de felicidade. Ora, uma das características deste amor é
exatamente a bondade, enquanto atenção, respeito e proximidade construtiva na
relação com quem nos é próximo. De igual modo, o perdão sem reservas, como
afirmava Jesus, no Evangelho de Mateus, conduz a uma sociedade benevolente,
onde, apesar das nossas diferenças e desencontros, é sempre possível refazer as
nossas relações humanas, com base na humildade que conduz à permanente
amabilidade e a uma autêntica fraternidade. Assim, uma vez mais, a bondade se
reafirma por oposição a toda a forma de maldade, de iras, de ódios,
desrespeitos ou de rixas. É, uma vez mais, o convite ao amor, sublinhando a
bondade na relação de uns com os outros.
Diríamos, eventualmente, que tais princípios são ideais humanos inalcançáveis!
Serão certamente um desafio constante às nossas vivências e suas motivações.
Mas não são algo de impossível. Bem pelo contrário: são luzeiros permanentes a
iluminar os nossos caminhos, para que por eles cheguemos à felicidade para que
fomos criados.
Na
ocasião da morte do Sr. D. António Francisco dos Santos, ao tomar conhecimento
de tão amarga notícia, a primeira palavra que me ocorreu para caracterizar a
sua pessoa foi precisamente a afabilidade. Qualidade que se insere no âmbito da
bondade. E foi precisamente esta última qualidade - a sua bondade - que mais se
afirmou, ao longo dos dias da sua celebração exequial, e no legado que tão
naturalmente nos deixou. A candura do seu olhar, a atenção à singularidade de
cada um, a benevolência, a doçura no trato, o sorriso afável e a capacidade de
desculpar, mesmo nas situações mais difíceis (incluindo aquelas que se
inscreveram no seu múnus de pastor), são uma herança de uma profunda
humanidade, capaz de tocar o coração de tantos que, mais direta ou
indiretamente, privaram com este grande homem e grande bispo. Os testemunhos
neste sentido são múltiplos, desde as mais altas figuras de estado, ao povo
simples que teve a graça de o ter como pastor. Para mim – certamente para
muitos de nós! – ficou esta certeza, ao recolher tão belo testemunho: a bondade
é uma das qualidades humanas que maior beleza confere à nossa humanidade. E que
mais enriquece as nossas relações interpessoais. O senhor D. António, com a sua
vivência simples e humilde, mas tão próxima de todos, assegurou-nos, afinal,
que a bondade é realmente possível!
Pampilhosa, 21 de Setembro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(56ª Reflexão)
[1]
Cf. Voc. Bondade. In Dicionário
Brasileiro de Língua Portuguesa. Disponível em http://www.michaelis.uol.com.br