TERNURA
O
final do mês de Maio, nas comunidades cristãs de Luso e Pampilhosa, como em boa
parte das demais comunidades cristãs da Bairrada, a que pertencemos, foi
marcado por duas celebrações, no âmbito da catequese, profundamente marcantes
para as crianças e jovens que as celebraram – a primeira Comunhão e a Profissão
de Fé (com a nova designação de Festa da Eucaristia e Festa da Fé). Se a
primeira consistiu na receção do segundo sacramento da Iniciação Cristã – a
Eucaristia -, sempre tão desejada pelas crianças; a segunda acompanhou um
momento especial da vida dos adolescentes que a celebraram: o fim do primeiro
ciclo da catequese – a denominada catequese de infância – e a sua passagem para
a pré-adolescência, com tudo o que esta comporta de transformação física,
psíquica, afetiva e até social.
Mas,
destas celebrações, assinalo sobretudo o imenso afeto que as envolveu, vivido
pelos pais, familiares, catequistas, pelo pároco e demais membros das comunidades.
Contudo, a maior ternura foi aquela que expressa pelas crianças e adolescentes,
em sinais simples, sinceros, despretensiosos, genuínos, sem quaisquer outros
filtros senão a transparência dos seus sentimentos mais puros e verdadeiros,
deu o tom a estas celebrações. Particularmente evidentes, é certo, nas crianças
mais pequenas, pois os adolescentes sentem já a necessidade de autocontrolarem
estes seus sentimentos. Mas, de igual forma, com a mesma ternura, mesmo que
expressa de forma mais contida.
Refletindo sobre estas celebrações, sentia como aquelas crianças,
vivendo tão espontaneamente e em gestos tão simples e sinceros estes
sentimentos, nos tocam profundamente, a nós adultos, levando-nos a
redescobrirmos o que há de melhor em nós e que por vezes esquecemos – a
ternura, o verdadeiro carinho ou o afeto. E sentia como elas nos interpelam a
manter permanentemente um coração de criança: igualmente generoso, simples,
sincero, terno, capaz de gestos simples e tão significativos. Tocando o que há
de mais belo e feliz em nós! Vivendo o que nos faz verdadeiramente felizes. Não
que permaneçamos infantis, mas não perdendo – como tantas vezes se afirma –
esse coração de criança, no que ele tem de melhor.
Nem
a propósito, quase a findar o mês, acompanhava também o Centro de Assistência
Paroquial de Pampilhosa (CAPP) e seus convidados na celebração festiva dos 107
anos de vida da Dona Cacilda Martins; um exemplo precisamente de quem chega a
uma provecta idade com um coração de criança. Se tivesse de definir numa palavra
a maneira de ser desta senhora, a palavra não poderia ser outra senão essa:
ternura! Certamente com as suas dificuldades e limitações, como todos nós, esta
senhora, não obstante, é o exemplo evidente de quem viveu e vive uma vida
marcada pela ternura. Assim o tenho experimentado eu, ao longo destes dez anos
que conto com responsabilidades paroquiais na Pampilhosa; e assim o
experimentam tantos outos, creio, a começar pelos utentes e auxiliares do
Centro, que partilham o seu dia-a-dia com a Dona Cacilda. Um exemplo de quem
sabe cultivar e colher o mais belo fruto da vida, ainda que tal faça parte da
sua natureza, mesmo passando por algumas exigências pessoais, como o dever de
criar os seus filhos, ficando viúva demasiado cedo. A sua ternura expressa-se na
palavra bondosa, na serenidade, no seu ligeiro olhar sorridente, no beijo
sincero, enfim: num querer bem que transparece no seu olhar! Nesse olhar físico
que agora não pode ter, pois a falta de visão tem sido a sua grande
perturbação; mas no olhar interior, o mais importante, em que continua a
envolver-nos com doçura.
Em
dia da criança, que hoje celebramos, e tendo como exemplo esta venerável anciã,
recolhamos o que a vida nos oferece de melhor: a ternura de uns para com os
outros. Num afeto sincero, generoso, sem duplicidades nem interesses, capaz de
preencher os nossos corações, nessa sensação de felicidade que todos nós
almejamos; bem como a base de uma comunhão sincera que transforma as nossas
relações interpessoais em autêntica vivência de fraternidade! O dia da criança interpela-nos a garantir a
cada uma delas as condições necessárias ao seu justo e equilibrado
desenvolvimento. Mas ensina-nos também que a ternura é um valor que nunca
devemos deixar esmorecer nos nossos corações. Sim, porque as crianças continuam
sempre a ensinar-nos!
Pampilhosa, 01 de Junho de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(48ª Reflexão)