quarta-feira, 21 de junho de 2017

Ternura


TERNURA

   O final do mês de Maio, nas comunidades cristãs de Luso e Pampilhosa, como em boa parte das demais comunidades cristãs da Bairrada, a que pertencemos, foi marcado por duas celebrações, no âmbito da catequese, profundamente marcantes para as crianças e jovens que as celebraram – a primeira Comunhão e a Profissão de Fé (com a nova designação de Festa da Eucaristia e Festa da Fé). Se a primeira consistiu na receção do segundo sacramento da Iniciação Cristã – a Eucaristia -, sempre tão desejada pelas crianças; a segunda acompanhou um momento especial da vida dos adolescentes que a celebraram: o fim do primeiro ciclo da catequese – a denominada catequese de infância – e a sua passagem para a pré-adolescência, com tudo o que esta comporta de transformação física, psíquica, afetiva e até social.

   Mas, destas celebrações, assinalo sobretudo o imenso afeto que as envolveu, vivido pelos pais, familiares, catequistas, pelo pároco e demais membros das comunidades. Contudo, a maior ternura foi aquela que expressa pelas crianças e adolescentes, em sinais simples, sinceros, despretensiosos, genuínos, sem quaisquer outros filtros senão a transparência dos seus sentimentos mais puros e verdadeiros, deu o tom a estas celebrações. Particularmente evidentes, é certo, nas crianças mais pequenas, pois os adolescentes sentem já a necessidade de autocontrolarem estes seus sentimentos. Mas, de igual forma, com a mesma ternura, mesmo que expressa de forma mais contida.

   Refletindo sobre estas celebrações, sentia como aquelas crianças, vivendo tão espontaneamente e em gestos tão simples e sinceros estes sentimentos, nos tocam profundamente, a nós adultos, levando-nos a redescobrirmos o que há de melhor em nós e que por vezes esquecemos – a ternura, o verdadeiro carinho ou o afeto. E sentia como elas nos interpelam a manter permanentemente um coração de criança: igualmente generoso, simples, sincero, terno, capaz de gestos simples e tão significativos. Tocando o que há de mais belo e feliz em nós! Vivendo o que nos faz verdadeiramente felizes. Não que permaneçamos infantis, mas não perdendo – como tantas vezes se afirma – esse coração de criança, no que ele tem de melhor.

   Nem a propósito, quase a findar o mês, acompanhava também o Centro de Assistência Paroquial de Pampilhosa (CAPP) e seus convidados na celebração festiva dos 107 anos de vida da Dona Cacilda Martins; um exemplo precisamente de quem chega a uma provecta idade com um coração de criança. Se tivesse de definir numa palavra a maneira de ser desta senhora, a palavra não poderia ser outra senão essa: ternura! Certamente com as suas dificuldades e limitações, como todos nós, esta senhora, não obstante, é o exemplo evidente de quem viveu e vive uma vida marcada pela ternura. Assim o tenho experimentado eu, ao longo destes dez anos que conto com responsabilidades paroquiais na Pampilhosa; e assim o experimentam tantos outos, creio, a começar pelos utentes e auxiliares do Centro, que partilham o seu dia-a-dia com a Dona Cacilda. Um exemplo de quem sabe cultivar e colher o mais belo fruto da vida, ainda que tal faça parte da sua natureza, mesmo passando por algumas exigências pessoais, como o dever de criar os seus filhos, ficando viúva demasiado cedo. A sua ternura expressa-se na palavra bondosa, na serenidade, no seu ligeiro olhar sorridente, no beijo sincero, enfim: num querer bem que transparece no seu olhar! Nesse olhar físico que agora não pode ter, pois a falta de visão tem sido a sua grande perturbação; mas no olhar interior, o mais importante, em que continua a envolver-nos com doçura.

  Em dia da criança, que hoje celebramos, e tendo como exemplo esta venerável anciã, recolhamos o que a vida nos oferece de melhor: a ternura de uns para com os outros. Num afeto sincero, generoso, sem duplicidades nem interesses, capaz de preencher os nossos corações, nessa sensação de felicidade que todos nós almejamos; bem como a base de uma comunhão sincera que transforma as nossas relações interpessoais em autêntica vivência de fraternidade!  O dia da criança interpela-nos a garantir a cada uma delas as condições necessárias ao seu justo e equilibrado desenvolvimento. Mas ensina-nos também que a ternura é um valor que nunca devemos deixar esmorecer nos nossos corações. Sim, porque as crianças continuam sempre a ensinar-nos!

Pampilhosa, 01 de Junho de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(48ª Reflexão)