quarta-feira, 21 de junho de 2017

Simplicidade


SIMPLICIDADE

   O fim-de-semana anterior foi marcado por uma diversidade imensa de emoções que encheram as nossas almas, de cidadãos portugueses. Cada uma distinta da outra, segundo a sua própria natureza, teve como traço comum aquilo que posso denominar como simplicidade. Esta palavra, que significa a qualidade do que é simples, que não carece de ostentação, aplicando-se às pessoas ou aos objetos, aponta-nos ainda para outro conceito: o da beleza! Na verdade, o mais belo é aquilo que toca pela simplicidade e pelo que é genuíno, sem grandes construções.

  O Papa esteve em Fátima, como peregrino da paz e da esperança. Apresentou-se, como lhe é habitual, na simplicidade da sua pessoa e da sua ternura, próximo daquela multidão que o aclamou e saudou. Quis ser um simples peregrino entre peregrinos, não obstante a consciência do seu ministério. Convidou-nos a unirmo-nos a ele, enquanto ele se unia a cada um de nós, para, em conjunto e pela sua voz, nos entregarmos aos cuidados da Mãe. Sim, porque como afirmou na sua homilia da Missa, no dia 13, «temos Mãe»! Não me detenho nos múltiplos gestos vividos pelo Papa e que tanto nos tocaram. Recolho apenas dois: a sua simplicidade e proximidade ao sair do papamóvel, no dia 12, à noite, para caminhar pelo recinto do Santuário de Fátima, tornando-se próximo de quem o acolhia; ou ainda a sua emoção e comunhão com os peregrinos, acenando à Virgem Mãe, com o seu lenço branco, na hora do adeus à Virgem. Não obstante ter convidado os peregrinos a não permanecerem numa piedade vazia, partilhou connosco a certeza do amor da Mãe que cuida de nós como seus filhos. Mas, no mesmo contexto, tivemos a graça de ver canonizadas duas crianças – Francisco e Jacinta Marto – que, na sua humildade e simplicidade, tiveram uma graça especial de comunhão com Deus, através de Maria. Mais do que videntes de Fátima, impressiona a sua simplicidade e genuinidade na correspondência à mensagem de Nossa Senhora. Cada um, com a sua personalidade, viveu uma mesma entrega por amor da humanidade. Numa simplicidade e decisão que enternece! Duas crianças a lançarem-nos grandes desafios de vida cristã, sobretudo na contemplação de Deus e na solicitude para com todos os homens, a quem reconhecemos como irmãos. Aqui se expressando aquele princípio bíblico: «se não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus» (Mt. 18, 3).

   Numa realidade completamente distinta, vimos os benfiquistas celebrarem a vitória do seu clube em mais um campeonato – como tetra campeões. Se nem sempre podemos falar de simplicidade neste tipo de celebrações, quantas vezes dadas a alguns exageros, posso, contudo, sublinhar a personalidade de Rui Vitória, o treinador do Benfica. Sempre me cativou a sua forma decidida de trabalhar, sem se deter nas considerações alheias, sobretudo de outros treinadores. Quando pulula o confronto, consegue ser um dos treinadores mais moderados nas suas tomadas de posição, deixando-nos entrever que é na simplicidade do trabalho de cada dia e não no múltiplo palavreado que as vitórias se alcançam.

  Mas, como se não bastasse, o dia 13 iria surpreender-nos ainda com uma outra simplicidade que toca: a vitória de Salvador Sobral (e da sua irmã, Luísa, não o esqueçamos) no Festival Eurovisão da Canção; interpretando o tema português a concurso «Amar pelos Dois». Quando, como outros, pensei que não era uma canção própria para um festival, tive de me redimir e perceber que, na verdade, também aqui o que é simples e genuíno se transforma em algo de tocante. E se a melodia é belíssima, com uma letra que tem conteúdo, expressando ternura e riqueza de sentimentos, impressionou a singeleza da apresentação – com alma, sem ostentação; diria mesmo, de uma forma despojada -, valorizando a comunicação e a arte; isto é, a música e a sua interpretação. Daí que tenha cativado boa parte dos júris nacionais e a esmagadora maioria do público que, no televoto, se manifestou a favor desta simplicidade.

   Enfim, um fim-de-semana cheio e rico, como certamente não teremos muitos outros, onde a simplicidade se transformou em beleza e alegria, expressando, em domínios tão distintos, a nossa alma portuguesa! Com verdade, no meio de todas estas alegrias, bem podemos sublinhar aquele pensamento de Leonardo da Vinci, que nos diz: «A simplicidade é a maior sofisticação». Certamente um princípio a considerar em todos os domínios das nossas vidas!

Pampilhosa, 18 de Maio de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(47ª Reflexão)