SIMPLICIDADE
O
fim-de-semana anterior foi marcado por uma diversidade imensa de emoções que
encheram as nossas almas, de cidadãos portugueses. Cada uma distinta da outra,
segundo a sua própria natureza, teve como traço comum aquilo que posso
denominar como simplicidade. Esta palavra, que significa a qualidade do que é
simples, que não carece de ostentação, aplicando-se às pessoas ou aos objetos,
aponta-nos ainda para outro conceito: o da beleza! Na verdade, o mais belo é
aquilo que toca pela simplicidade e pelo que é genuíno, sem grandes
construções.
O
Papa esteve em Fátima, como peregrino da paz e da esperança. Apresentou-se,
como lhe é habitual, na simplicidade da sua pessoa e da sua ternura, próximo
daquela multidão que o aclamou e saudou. Quis ser um simples peregrino entre
peregrinos, não obstante a consciência do seu ministério. Convidou-nos a
unirmo-nos a ele, enquanto ele se unia a cada um de nós, para, em conjunto e
pela sua voz, nos entregarmos aos cuidados da Mãe. Sim, porque como afirmou na
sua homilia da Missa, no dia 13, «temos Mãe»! Não me detenho nos múltiplos
gestos vividos pelo Papa e que tanto nos tocaram. Recolho apenas dois: a sua
simplicidade e proximidade ao sair do papamóvel, no dia 12, à noite, para
caminhar pelo recinto do Santuário de Fátima, tornando-se próximo de quem o
acolhia; ou ainda a sua emoção e comunhão com os peregrinos, acenando à Virgem
Mãe, com o seu lenço branco, na hora do adeus à Virgem. Não obstante ter
convidado os peregrinos a não permanecerem numa piedade vazia, partilhou
connosco a certeza do amor da Mãe que cuida de nós como seus filhos. Mas, no
mesmo contexto, tivemos a graça de ver canonizadas duas crianças – Francisco e
Jacinta Marto – que, na sua humildade e simplicidade, tiveram uma graça
especial de comunhão com Deus, através de Maria. Mais do que videntes de
Fátima, impressiona a sua simplicidade e genuinidade na correspondência à
mensagem de Nossa Senhora. Cada um, com a sua personalidade, viveu uma mesma entrega
por amor da humanidade. Numa simplicidade e decisão que enternece! Duas
crianças a lançarem-nos grandes desafios de vida cristã, sobretudo na
contemplação de Deus e na solicitude para com todos os homens, a quem
reconhecemos como irmãos. Aqui se expressando aquele princípio bíblico: «se não
vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus» (Mt. 18, 3).
Numa
realidade completamente distinta, vimos os benfiquistas celebrarem a vitória do
seu clube em mais um campeonato – como tetra campeões. Se nem sempre podemos
falar de simplicidade neste tipo de celebrações, quantas vezes dadas a alguns
exageros, posso, contudo, sublinhar a personalidade de Rui Vitória, o treinador
do Benfica. Sempre me cativou a sua forma decidida de trabalhar, sem se deter
nas considerações alheias, sobretudo de outros treinadores. Quando pulula o
confronto, consegue ser um dos treinadores mais moderados nas suas tomadas de
posição, deixando-nos entrever que é na simplicidade do trabalho de cada dia e
não no múltiplo palavreado que as vitórias se alcançam.
Mas,
como se não bastasse, o dia 13 iria surpreender-nos ainda com uma outra
simplicidade que toca: a vitória de Salvador Sobral (e da sua irmã, Luísa, não
o esqueçamos) no Festival Eurovisão da Canção; interpretando o tema português a
concurso «Amar pelos Dois». Quando, como outros, pensei que não era uma canção
própria para um festival, tive de me redimir e perceber que, na verdade, também
aqui o que é simples e genuíno se transforma em algo de tocante. E se a melodia
é belíssima, com uma letra que tem conteúdo, expressando ternura e riqueza de
sentimentos, impressionou a singeleza da apresentação – com alma, sem
ostentação; diria mesmo, de uma forma despojada -, valorizando a comunicação e
a arte; isto é, a música e a sua interpretação. Daí que tenha cativado boa
parte dos júris nacionais e a esmagadora maioria do público que, no televoto,
se manifestou a favor desta simplicidade.
Enfim, um fim-de-semana cheio e rico, como certamente não teremos muitos
outros, onde a simplicidade se transformou em beleza e alegria, expressando, em
domínios tão distintos, a nossa alma portuguesa! Com verdade, no meio de todas
estas alegrias, bem podemos sublinhar aquele pensamento de Leonardo da Vinci,
que nos diz: «A simplicidade é a maior sofisticação». Certamente um princípio a
considerar em todos os domínios das nossas vidas!
Pampilhosa, 18 de Maio de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(47ª Reflexão)