quarta-feira, 21 de junho de 2017

Europa


EUROPA 

   Celebrámos nesta semana o dia da Europa, como sempre acontece a 09 de Maio de cada ano. Este dia definiu-se a partir da data do célebre discurso fundador da União Europeia, que teve como sua primeira concretização a CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Este discurso, proferido por Robert Schumann, Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, a 09 de Maio de 1950, ficaria mesmo conhecido como a Declaração Schumann. Inserido no contexto do pós 2ª Grande Guerra Mundial, em que era necessário harmonizar as relações entre a França e a Alemanha, criou o sonho de uma Europa unida e solidária. Efetivamente, podemos definir como principais ideais europeus, já no discurso de Schumann, a paz, a solidariedade, a unidade entre todos os povos europeus, apontando, inclusive, para uma «federação» europeia.[1]

   Estas perspetivas delineadas por Schumann foram acolhidas com enorme entusiasmo, criando-se uma dinâmica que conduziria à atual União Europeia. Aos ideais iniciais, juntavam-se ainda outros, como o de uma europa de culturas, na valorização e respeito por cada cultura nacional, formando, no seu conjunto, um imenso património cultural europeu. Um projeto que tive oportunidade de aprofundar, nos bancos da faculdade, quando estudava História, e que sempre me apaixonou, particularmente quando, a par desta unidade, o mundo se globalizava.

   Contudo, volvidos 67 anos sobre este discurso, a União Europeia vê-se a braços com a sua sobrevivência e com a fidelidade aos ideais que presidiram à sua construção. Com efeito, a Europa deixou de ser uma união solidária, segundo aquela perspetiva de Schumann, como ele afirmava no seu discurso: «A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto»[2]. Isto é, uma construção contínua com base na solidariedade entre os povos europeus.

   Ora, se assim foi, nos seus primeiros tempos, a União Europeia organiza-se hoje como uma instituição burocrática, acima dos estados europeus e seus cidadãos, cavando o seu próprio fosso. Sinal evidente disso mesmo são os múltiplos nacionalismos, que o projeto inicial procurou combater, e que pululam atualmente por todo o espaço europeu. É curioso que, na semana em que celebramos o dia da Europa, nos tenhamos sobressaltado com as eleições francesas, onde a extrema-direita, fascista e nacionalista, se afirmou como segunda força nacional para a presidência daquele país.

  Num estudo profundo – uma tese de doutoramento sobre as contradições da União Europeia – o brasileiro Luiz Felipe Osório, define um conjunto de vicissitudes que determinam a atual crise da Europa, que aqui apenas posso elencar: o seu modelo neoliberal, baseado numa moeda sem estado; uma estrutura dominada politicamente por essa economia liberal; a falta de uma fiscalidade unificada; o descolamento da política económica relativamente à política social; uma clivagem imperialista entre o centro e a periferia; e uma forte deterioração democrática.[3] Para acrescentar, a jeito de conclusão: «os tecnocratas comunitários formulam soluções mecânicas e abstratas para lidar com problemas concretos»[4].

   Aceitando tal quadro, que nos parece evidente, consciencializamo-nos que a União Europeia, assente nestes métodos e princípios ideológicos não tem possibilidade de futuro.

  Mas creio – como certamente muitos creem – que a Europa poderá rever-se na sua orientação, refundando-se na sua dinâmica de construção.

   Pessoalmente, julgo ser esta a hora do regresso aos seus ideais de fundação; de regresso ao discurso de Schumann e de tudo o que ele encerra para o progresso integral da Europa; de regresso a uma autêntica solidariedade entre os povos, que mobilize cada europeu em torno de um projeto que sinta efetivamente como seu. Na hora presente, urge afirmar que é necessário determinação para renovar a Europa! A União Europeia ainda tem futuro; assim o queiram os seus principais responsáveis.


Pampilhosa, 11 de Maio de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(46ª Reflexão)


[1] Cf. SCHUMANN, Robert – A Declaração de Schumann de 9 de Maio de 1950. Disponível em https://europa.eu
[2] Ibidem
[3] Cf. Luiz Felipe Brandão Osório – Um Estudo Crítico da União Europeia: contradições do seu desenvolvimento institucional e normativo. Rio de Janeiro, UFRJ, Março de 2015, pp. 140 – 153.
[4] Ibidem, p. 150.