quinta-feira, 13 de julho de 2017

Mendigos II


MENDIGOS (II) 

   Em reflexão anterior, de há algumas semanas atrás, abordámos a questão da mendicidade, sublinhando o significado deste termo e a sua fundamentação etimológica. Afirmámos, então, que de alguma forma todos nós somos mendigos – de gestos de atenção, de amor, de presença, de reconhecimento, de vida em plenitude!...

    Se é certo que o termo mendum – como referíamos – nos reporta um limite físico, julgo que podemos alargar este âmbito para compreender que todos nós, em virtude da nossa humanidade, estamos marcados por múltiplos limites. A vida humana é um dom incomensurável; todavia, é um dom frágil! Por entre múltiplas possibilidades e sonhos, a vida humana é efetivamente frágil. Mas nós não desanimamos! Para quem tem fé, todo o limite é transitório diante da vida em plenitude: vida que contemplamos e que já recebemos, ainda que na esperança da sua plena realização futura.

   Mas, se a vida humana é marcada por estes limites - e alguns irmãos nossos experimentam-nos de sobremaneira! –, que fazer? Num mundo que tende a valorizar positivamente o indivíduo, mas depois nos projeta no individualismo, enquanto centralidade do eu, sem atenção a quem está ao nosso redor, eis que a resposta é a proximidade, a solidariedade, a comunhão, o amor.

   São tantos hoje os que vivem sós entre multidões, gente que arrasta os seus dramas e fantasmas pessoais sem terem quem os escute! Ora, em autêntica fraternidade, urge saber estar atento a quem nos rodeia, sabendo acolher e ouvir! Num tempo em que as exigências laborais retiram aos pais o tempo e a disponibilidade necessária para escutar e viver o afeto na relação com os seus filhos, urge reequacionar as prioridades, articular as várias dimensões da vida, para que não tenhamos crianças e jovens cada vez mais entregues a si mesmos e às novas tecnologias, mas a crescer sem amor! Esse amor que é essencial para o seu equilíbrio humano! Num tempo em os encargos pessoais, laborais e familiares retiram a necessária disponibilidade para os mais idosos, quantas vezes pais ou familiares diretos, tantas vezes fragilizados pela idade e pela falta de saúde, não basta que procuremos soluções estáveis de resposta às suas necessidades básicas, com o recurso – cada vez mais difícil! – às instituições de solidariedade social. Mas quando tal se manifesta necessário, não os abandonemos, pois o amor de funcionários (e há daqueles que se desdobram em afeto para com todos!) nada há como a ternura  e o amor de um filho, de uma filha, ou de um sobrinho. Mesmo quando ainda bastando-se a si próprios, não podemos descuidar os mais idosos, visitando-os, apoiando-os ou simplesmente tendo algum tempo para estar com eles, para que se quebrem tantos laços de solidão e de sensação de injustiça, pois que muitos vivem o drama de tudo ter feito para bem dos filhos, vendo-se depois esquecidos ou abandonados por estes.

   Quando, em sociedade, nos sentimos tentados a condenar alguns comportamentos, ou porque saem da norma legal, ou porque nos aparecem como estranhos e esotéricos, talvez devêssemos primeiro tornar-nos próximos e compreender o porquê desse modo de ser e de agir. Certamente no respeito pela individualidade de cada um, mas igualmente com a consciência de que há muita gente que não foi verdadeiramente amada! Há gente que, em sociedade, reclama pela negativa o que lhe foi negado – o direito básico ao amor! Há gente mal-amada, com uma baixa autoestima, que necessita mais do nosso abraço do que do nosso juízo! Enfim… são tantas as fragilidades humanas a merecerem a nossa atenção e a fazer-nos perceber que todos somos mendigos! Já nem me refiro às fatalidades, a que todos nós estamos igualmente sujeitos. Em todas as situações cabe-nos viver o cuidado de uns para com os outros. No respeito pela individualidade de cada um, mas em autêntica proximidade.

   Por fim, todos nós temos desejo de vida plena, confrontando-nos, todavia, com a morte! Consciente de que todos, no mais profundo de si, se questionam sobre o sentido da vida e a sua realização, somos mendigos do além; dessa outra realidade, que não vemos, mas que já nos está dada em esperança!

   Vivendo em cada dia o valor singular da vida, prosseguindo o ideal da felicidade, que nos é comum; todos, mais ou menos, somos mendigos! E mendigos porque frágeis! Deixemos, então, que o amor, que é efetivamente o centro construtivo de autêntica humanidade, dê rosto às nossas vidas, em verdadeira comunhão! E da eternidade tenhamos uma sede infinda que nos abra ao dom da própria fonte!


Pampilhosa, 29 de Junho de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(51ª Reflexão)