MENDIGOS
(II)
Em
reflexão anterior, de há algumas semanas atrás, abordámos a questão da
mendicidade, sublinhando o significado deste termo e a sua fundamentação
etimológica. Afirmámos, então, que de alguma forma todos nós somos mendigos –
de gestos de atenção, de amor, de presença, de reconhecimento, de vida em
plenitude!...
Se é certo que o termo mendum – como referíamos – nos reporta um limite físico, julgo que
podemos alargar este âmbito para compreender que todos nós, em virtude da nossa
humanidade, estamos marcados por múltiplos limites. A vida humana é um dom
incomensurável; todavia, é um dom frágil! Por entre múltiplas possibilidades e
sonhos, a vida humana é efetivamente frágil. Mas nós não desanimamos! Para quem
tem fé, todo o limite é transitório diante da vida em plenitude: vida que
contemplamos e que já recebemos, ainda que na esperança da sua plena realização
futura.
Mas,
se a vida humana é marcada por estes limites - e alguns irmãos nossos
experimentam-nos de sobremaneira! –, que fazer? Num mundo que tende a valorizar
positivamente o indivíduo, mas depois nos projeta no individualismo, enquanto
centralidade do eu, sem atenção a quem está ao nosso redor, eis que a resposta
é a proximidade, a solidariedade, a comunhão, o amor.
São
tantos hoje os que vivem sós entre multidões, gente que arrasta os seus dramas
e fantasmas pessoais sem terem quem os escute! Ora, em autêntica fraternidade,
urge saber estar atento a quem nos rodeia, sabendo acolher e ouvir! Num tempo
em que as exigências laborais retiram aos pais o tempo e a disponibilidade
necessária para escutar e viver o afeto na relação com os seus filhos, urge
reequacionar as prioridades, articular as várias dimensões da vida, para que
não tenhamos crianças e jovens cada vez mais entregues a si mesmos e às novas
tecnologias, mas a crescer sem amor! Esse amor que é essencial para o seu
equilíbrio humano! Num tempo em os encargos pessoais, laborais e familiares retiram
a necessária disponibilidade para os mais idosos, quantas vezes pais ou
familiares diretos, tantas vezes fragilizados pela idade e pela falta de saúde,
não basta que procuremos soluções estáveis de resposta às suas necessidades
básicas, com o recurso – cada vez mais difícil! – às instituições de
solidariedade social. Mas quando tal se manifesta necessário, não os
abandonemos, pois o amor de funcionários (e há daqueles que se desdobram em
afeto para com todos!) nada há como a ternura
e o amor de um filho, de uma filha, ou de um sobrinho. Mesmo quando
ainda bastando-se a si próprios, não podemos descuidar os mais idosos,
visitando-os, apoiando-os ou simplesmente tendo algum tempo para estar com
eles, para que se quebrem tantos laços de solidão e de sensação de injustiça,
pois que muitos vivem o drama de tudo ter feito para bem dos filhos, vendo-se
depois esquecidos ou abandonados por estes.
Quando, em sociedade, nos sentimos tentados a condenar alguns comportamentos,
ou porque saem da norma legal, ou porque nos aparecem como estranhos e
esotéricos, talvez devêssemos primeiro tornar-nos próximos e compreender o
porquê desse modo de ser e de agir. Certamente no respeito pela individualidade
de cada um, mas igualmente com a consciência de que há muita gente que não foi
verdadeiramente amada! Há gente que, em sociedade, reclama pela negativa o que
lhe foi negado – o direito básico ao amor! Há gente mal-amada, com uma baixa
autoestima, que necessita mais do nosso abraço do que do nosso juízo! Enfim… são
tantas as fragilidades humanas a merecerem a nossa atenção e a fazer-nos
perceber que todos somos mendigos! Já nem me refiro às fatalidades, a que todos
nós estamos igualmente sujeitos. Em todas as situações cabe-nos viver o cuidado
de uns para com os outros. No respeito pela individualidade de cada um, mas em
autêntica proximidade.
Por
fim, todos nós temos desejo de vida plena, confrontando-nos, todavia, com a
morte! Consciente de que todos, no mais profundo de si, se questionam sobre o
sentido da vida e a sua realização, somos mendigos do além; dessa outra
realidade, que não vemos, mas que já nos está dada em esperança!
Vivendo em cada dia o valor singular da vida, prosseguindo o ideal da
felicidade, que nos é comum; todos, mais ou menos, somos mendigos! E mendigos
porque frágeis! Deixemos, então, que o amor, que é efetivamente o centro
construtivo de autêntica humanidade, dê rosto às nossas vidas, em verdadeira
comunhão! E da eternidade tenhamos uma sede infinda que nos abra ao dom da
própria fonte!
Pampilhosa, 29 de Junho de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(51ª Reflexão)