PARTILHA!
Neste
último domingo, as comunidades cristãs foram chamadas a partilhar, no ofertório
das celebrações eucarísticas, alguns dos seus bens monetários com os irmãos que
foram vítimas dos recentes incêndios. Segundo me foi dado observar, não apenas
nas comunidades que me estão confiadas, mas também noutras, de que tive
conhecimento, as pessoas tomaram como sua esta causa, partilhando generosamente
com quem, neste momento, carece de um pouco de tudo. Mas esta vivência da
partilha, um sinal muito rico de comunhão, é apenas uma, entre tantas outras –
de pessoas, de instituições, de empresas… Na verdade, foi tão grande a
generosidade no imediato, após o inclemente flagelo do fogo, que as autoridades
locais, dos concelhos afetados, tiveram mesmo de pedir que se abrandasse a
entrega de mais bens, sobretudo perecíveis, sob pena de se estragarem; bem como
de outros bens materiais, pois já não havia capacidade de armazenamento.
Gestos, estes, que definem muito da nossa alma – autenticamente solidária, próxima
e fraterna.
Todavia, como escrevia o Carlos Neves, numa crónica do Correio de Coimbra (nº 4651, de 29 de
Junho de 2017), fundamentado nos estudos de Susana Sacavino, a solidariedade
humana compreende-se segundo quatro modelos distintos, que ele apresentava de
forma gradual: a solidariedade estética,
a solidariedade como campanha, como cooperação e a solidariedade como encontro. Convidando-nos a passar dos
primeiros modelos, ao modelo da solidariedade
como encontro, em que se relativiza “o eu que penso” e o “que me parece”,
para dar lugar ao outro, num «encontro efetivo e afetivo com ele, lá no lugar
onde ele está, seja o outro uma pessoa ou uma comunidade». Se é certo que, como
sublinhava ainda o cronista, todos os modelos têm um contributo a dar e são importantes
em contextos como aquele que vivemos, há que privilegiar o encontro, pois só
este corresponde à logica mais profunda da solidariedade, em todas as suas
dimensões, centrando-nos autenticamente na pessoa daqueles a quem pretendemos
apoiar, acolhendo as suas verdadeiras necessidades e ajudando-os a restabelecer
a sua vida numa recuperação autêntica das suas condições materiais e afetivas,
num respeito singular pela sua dignidade. Sempre num apoio em que o
protagonista é aquele que se encontra em necessidade.
Estas considerações, que li com especial atenção, mais do que me terem
deixado a pensar na diversidade de modelos de solidariedade e na sua eficácia,
fizeram-me tomar consciência de duas coisas: a necessidade do autêntico
encontro e a permanência de um apoio verdadeiramente humano.
O
encontro, em situação de carência, para além do material – absolutamente
necessário! – pressupõe o afetivo, a escuta e o amparo emocional. Daí
revalorizar agora, ainda mais, as palavras do pároco de Pedrogão Grande, Pe
Júlio Santos, logo após aquele infortúnio: «o que mais preocupa é o estado de
espírito das pessoas, a parte psicológica»; para logo acrescentar que o mais
necessário na primeira hora é mesmo mostrar a proximidade com quem sofre.[1] Na verdade, é necessário
reconstruir as condições materiais, para que as pessoas retomem as suas vidas e
as retomem com dignidade; mas há vidas que necessitam de se reconstruir
interiormente, seja pela dor da perda dos seus familiares, seja pela dor de uma
vida transformada num momento. Estar com o outro e atender às suas múltiplas
necessidades será, por certo, a melhor forma de viver a solidariedade. E esta
faz-se sempre na proximidade.
Por
outro lado, é necessária a permanência. É que nem as condições materiais se
recuperam num ápice, sendo, por vezes, longas no tempo; nem as feridas se curam
no imediato. Bem sabemos que só o tempo sarará o que um momento feriu. Daí que esta
proximidade afetiva também deva permanecer.
Se
nos cabe a todos tomar consciência destes factos, passíveis de serem vividos
especialmente pelas pessoas e comunidades de vizinhança, importa que os meios
ao nosso dispor (nomeadamente de comunicação, a que havemos de voltar) não nos
permitam esquecer! Não para nos dar uma notícia fácil ou de exploração
sentimental; mas para nos recordar que a solidariedade é a vivência de um encontro
que não se resume apenas a algumas semanas!
Pampilhosa, 06 de Julho de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(52ª Reflexão)
[1]
Pedrogão Grande. Pároco, filho da terra, preocupado com «estado de espírito»
das populações. In Agência Ecclesia, 19 de Junho de 2017.