sábado, 14 de janeiro de 2017

Homilia - Celebração de Bodas de Prata Presbiterais


CELEBRAÇÃO DAS BODAS DE PRATA PRESBITERAIS

Luso / Pampilhosa – 22.12.2016


   Caros Padres, irmãos no sacerdócio ministerial
   Caros irmãos e irmãs

   Celebrar vinte e cinco anos de sacerdócio é, para mim, fonte de imensa alegria, de graça e de louvor a Deus, sendo igualmente uma ocasião de renovada responsabilidade na minha configuração com Cristo, Bom Pastor. Certo, ainda, de que esta alegria e gratidão se estendem às comunidades cristãs, para quem o Senhor olha com misericórdia e, pelos seus ministros - participantes da «função de Cristo, pastor e cabeça» (LG. 28) - as congrega como família de Deus, em fraternidade que tende para a unidade, conduzindo-as por Cristo e no Espírito até Deus Pai (cf. LG. 28).

   Celebrar vinte e cinco anos de sacerdócio é realmente uma ocasião de graça, precisamente porque, sem mérito algum da minha parte, foi o Senhor quem me olhou, me chamou, me consagrou e me enviou, para que, ao longo de todos estes anos, fortalecendo-me com os seus dons, eu servisse os meus irmãos. Mistério de amor que suplanta as minhas capacidades humanas, dom absoluto de Deus, que suprindo todos os meus limites, continua a realizar, através dos meus gestos e das minhas palavras, a missão que, sendo sua, continua a confiar-me. Missão esta que acolho na simplicidade e na humildade e para a qual invoco permanentemente a força do Seu Espírito, para que também eu, como o apóstolo, no meio das dificuldades e limites, possa ouvir da boca do Senhor: «Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que a minha força se revela totalmente» (2Cor. 12, 9).

   O ministério do presbítero, a quem comummente denominamos como padre, radica na configuração com Cristo Pastor, porquanto, mediante o sacramento da ordem, aquele que o recebe, «por meio da unção do Espírito Santo», fica marcado com um caráter especial que o configura com Cristo – Sacerdote, a fim de poder «agir em nome de Cristo – Cabeça», participando «da autoridade com que o próprio Cristo edifica, santifica e governa o seu Corpo» (PO. 2). Ministério e mistério que necessita de ser permanentemente aprofundado na vida de cada presbítero; e que carece da oração e do empenhamento de cada comunidade cristã, para que, a cada uma, nunca falte este dom hierárquico que o Senhor oferece a toda a Sua Igreja.

   Ao celebrar estes vinte e cinco anos de presbiterado, brotam do meu coração duas atitudes, que agora partilho convosco: gratidão e compromisso. Para as explicitar, tomo a Palavra de Deus deste dia, particularmente da primeira leitura e do Evangelho que, por feliz coincidência, nos oferece o Magnificat de Maria.

 
1. Gratidão

   Escutámos na primeira leitura, do livro de Samuel, o cumprimento da promessa de Ana, que havia recebido o seu filho na velhice, depois de uma súplica ardente ao Senhor. Dirigindo-se ao sacerdote Eli, e depois das ofertas rituais, ela exclama: «Eis o menino por quem orei: o Senhor ouviu a minha súplica. Por isso também eu o ofereço para que seja consagrado ao Senhor todos os dias da sua vida» (1Sam. 1, 27 – 28).

   Ana, uma das mulheres piedosas do Antigo Testamento, que recebe uma especial graça de Deus e que, em tempo de Advento, nos aponta para Maria, bem pode ser tomada como símbolo da família, na sua capacidade de oferecer ao Senhor aquele que gerou no seu seio.

   Partindo deste exemplo de Ana, dou graças a Deus pela minha família, onde nasci e cresci, não apenas fisicamente e nas demais qualidades humanas, mas também no dom da fé. Se hoje sou padre, não poderei jamais esquecer o testemunho simples e empenhado de meus pais, que, talvez sem o saberem, me ofereciam ao Senhor como Ana, mãe de Samuel. A mim e a meus irmãos, na vivência de um mesmo batismo, embora na diversidade da vivência cristã.

   De igual modo, dou graças a Deus pela minha comunidade de origem que, à imagem do sacerdote Eli, me acolheu e me orientou na escuta da voz do Senhor – na catequese; na liturgia, onde exerci, com alegria, o ministério de acólito, onde tão apaixonadamente participei no grupo coral, que mais tarde orientaria, em especiais ocasiões festivas; na participação de um efémero, mas vivo grupo de jovens, que me permitiu a vivência da proximidade com os mais idosos e doentes, particularmente em tempos litúrgicos fortes, em relação estreita com o grupo de ação sócio-caritativa de então. Dou graças a Deus, pois esta comunidade de origem foi, também ela, o berço da minha vocação. Se Deus chama através de pequenos sinais, a sua escuta é habitualmente preparada pela vivência global da vida cristã, proporcionada pelas comunidades paroquiais. Neste contexto, ainda, dou graças a Deus pelos padres que colocou no meu caminho, tão diversos, entre si, mas completando-se no seu acompanhamento discreto.

   Dou graças a Deus, nesta hora, por todo o percurso que pude fazer até à ordenação presbiteral – os Seminários que frequentei e seus formadores, onde discerni, aprofundei e formei a minha vocação sacerdotal; pelas paróquias de estágio pastoral, aquando da frequência do Seminário Maior; pelos serviços e grupos que pude integrar e que me prepararam para a diversidade da vida eclesial. A seu modo foram um novo Eli, preparando-me para a missão pastoral.

   Mas, dou graças a Deus, de um modo especial, pelas comunidades paroquiais que servi e que sirvo: foram elas que me acolheram e acolhem, para nelas realizar o presbiterado que o Senhor me confiou a seu favor. Na amplitude cronológica de vinte e cinco anos, recordo o Seminário Menor da Figueira da Foz, onde iniciei o meu ministério; a Paróquia de Paião, onde primeiramente paroquiei, ainda como vigário paroquial; para logo depois recordar as paróquias de Mira, Praia de Mira, Vilamar, São Caetano, Alhadas, onde colaborei na ausência do pároco, e as paróquias de Covões e Bolho. E, vindo da beira-mar para o interior da Bairrada, tomei como casa o Luso, onde, desde há dezassete anos, sirvo a comunidade e, a partir de onde, servi Trezói, Casal Comba e a Mealhada, para, desde há quase dez anos, servir igualmente a Paróquia de Pampilhosa. Nelas, devo dizer, se realizou e realiza o desígnio do Senhor a meu respeito. Num tempo, ainda, de abertura constante a novos desafios pastorais, mesmo territoriais, com a necessidade de novas estruturas intermédias de ação pastoral, como são as Unidades Pastorais. Dou graças a Deus, também, pelos serviços eclesiais de maior amplitude, a nível diocesano e nacional, que fui e sou chamado a exercer. Mais que uma honra, estes serviços permitem-me compreender a missão da Igreja na sua universalidade e a servi-la humildemente nas funções que me são confiadas. Ainda no seio das comunidades cristãs, dou graças a Deus por todos aqueles que me apoiaram e apoiam pastoral, espiritual e humanamente, na vivência do meu ministério presbiteral. A sua ação e empenho, no dinamismo pastoral, contribuíram e contribuem para o aprofundamento do ministério que me está confiado, na necessária complementaridade, em ordem ao serviço das comunidades cristãs. E, se dou graças a Deus pelo compromisso pastoral, agradeço-Lhe igualmente o apoio humano, que me permitiu e permite, ao longo destes anos, a necessária estabilidade pessoal para o exercício da missão. De entre as várias pessoas, que nestes vinte e cinco anos me acompanharam e acompanham, e que hoje recordo com carinho, agradeço a família Mira que, nestes dezassete anos de presença no Luso, tem sido, para mim, como que uma outra família, servindo a comunidade também na ajuda à estabilidade pessoal do pároco.

   Enfim, um olhar grato sobre o passado que me permitiu ser o que fui, ao longo destes vinte e cinco anos, e sou no presente, recordando as comunidades, mas especialmente cada uma das pessoas com quem, nas suas alegrias e esperanças, angústias e dores, inquietações e certezas, partilhei e partilho a minha vida. Bem posso dizer como Maria, no Evangelho: «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador» (Lc. 1, 46 - 47). É que, na verdade, à imagem de Maria, também em nós o Senhor faz maravilhas (cf. Lc. 1, 49) e pelo ministério presbiteral que nos confia, «a sua misericórdia se estende de geração em geração» (Lc. 1, 50).

 
2. Compromisso

   Celebrar vinte e cinco anos de ministério ordenado é, ainda, momento de balanço – tempo para aferir da minha identificação com Cristo Bom Pastor e de renovar o meu empenho no serviço à Igreja. O percurso, pesem embora as incertezas da história, para cada um de nós, estará eventualmente a meio. Assim, este é um tempo de novo compromisso; tempo de reafirmar os propósitos da primeira hora, da ordenação, confirmados pelo Bispo, quando este concluía, diante dos propósitos daquele que ia ser ordenado: «Queira Deus consumar o bem que em ti começou». Uma nova hora para assumir que «chamado por um ato de amor sobrenatural, absolutamente gratuito» (DMVP. 13), o Senhor me pede que ame a Igreja como Ele a amou, consagrando-lhe todas as minhas energias e dando-me com caridade pastoral, na entrega quotidiana da minha própria vida (cf. DMVP. 13).

   Mas esta é igualmente uma hora de estímulo para as comunidades cristãs: no sentido de redescobrirem a natureza e missão do ministério do presbítero; e de assumirem o seu compromisso de despertar vocações sacerdotais no seu seio, para que não lhes faltem os dons da graça e da santidade com que Deus permanentemente as adorna, desde logo mediante o sacramento da Eucaristia.

   Necessitamos, hoje, de outras famílias e comunidades que, à imagem de Ana e do sacerdote Eli, ofereçam e preparem novos sacerdotes para o seu povo, para que não lhe falte o anúncio da Palavra, a celebração dos sacramentos e a edificação, na caridade, da autêntica família de Deus.

   Que Maria, na sua inteira consagração ao projeto divino a seu respeito, seja modelo da nossa disponibilidade para continuarmos o anúncio e a vivência do Reino de Deus, na diversidade de ministérios e carismas, para que, também hoje, se perpetue essa outra afirmação do seu Magnificat: «A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem» (Lc. 1, 50).

Conclusão

   Quisestes que estas celebrações, dos meus vinte e cinco anos de presbiterado, se vivessem em torno da expressão inscrita no recordatório da minha ordenação sacerdotal - «Sei em Quem acreditei!». Esta expressão, retirada da 2ª Carta a Timóteo, insere-se na profissão de fé de Paulo, quando este exorta Timóteo - seu «filho muito amado» (2Tm. 1, 2) - a reanimar o dom que Deus lhe concedeu pela imposição das suas mãos (cf. 2Tm. 1, 6); convidando-o a nunca se envergonhar «do testemunho de nosso Senhor», participando, com ele, «nos trabalhos do Evangelho, fortificado pelo poder de Deus» e centrado no mistério pascal do senhor Jesus Cristo, mediante o qual Deus nos salvou e chama à santidade (cf. 2Tm. 1, 9). Paulo diz sofrer por causa deste testemunho, mas sem nada lamentar, porque sabe em quem acreditou (cf. 2Tm. 1, 12).

   Queridos irmãos, rezai agora também por mim, para que acolha esta exortação de Paulo e a viva no meu ministério: «reanimando constantemente o dom da fé»; na alegria de testemunhar continuamente o mistério do Amor de Deus; renovando a entrega da minha vida ao anúncio do Evangelho, no meio das alegrias e das provações, mas sem nada lamentar; para que a graça de Deus chegue a todos os que me são confiados, por «Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus» (1Cor. 1, 24); e todos cheguemos à salvação.

   Que Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, a quem consagrei o meu ministério, interceda por mim e por todos nós!