sábado, 11 de fevereiro de 2017

Partilha!


PARTILHA

   A palavra partilha que provém, na sua etimologia, do diminutivo de «pars» - «partícula», significa «dividir», «repartir» ou «distribuir». Ora, a partilha faz parte da nossa condição humana, desde logo porque somos seres em comunhão, vivendo em sociedade. Uma das características da nossa humanidade é exatamente essa: a de sermos homo socialis (homem social), partilhando, portanto, os nossos destinos comuns, não obstante a singularidade de cada um no seio da sociedade.

   Acontece que a nossa humanidade – na sua expressão pessoal e coletiva – se debate frequentemente entre a luta egocêntrica e a alteridade, significando esta última precisamente a relação de interação e de dependência com o outro. A alteridade pressupõe que eu tenha esse sentido do próximo, assuma para com ele um compromisso e me sinta dependente dele. Ora, um dos elementos da nossa vivência humana onde mais se expressa o egocentrismo (essa centralidade do eu e dos meus interesses, sem contar com os demais) é precisamente na relação com os bens materiais. Se, nos inícios da humanidade, o homem só possuía aquilo que todos recolhiam em conjunto, como fonte de subsistência comum; com o seu desenvolvimento e particularmente com a sua sedentarização, o homem tendeu sempre, cada vez mais, a tornar-se possuidor de uma parte dos bens; ao ponto de, no decurso da história, alguns serem privados de bens em favor de outros. Ou, mais grave ainda: alguns tornaram-se bens materiais para outros. Ultrapassadas essas vicissitudes da história, continuamos na demanda da justiça, que significa dar a cada um o que lhe é devido. Mas estamos longe deste desígnio humano e da finalidade dos bens criados. Na sua doutrina, a Igreja sublinha a universalidade dos bens, ao afirmar: «Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal de bens» (GS. 69).

   Acontece que, hodiernamente, a posse dos bens não se esgota no que se acumula, mas fundamentalmente, no respeito pelos direitos mais básicos de toda a pessoa – o direito à alimentação, ao alojamento, à saúde, à educação, à comunicação, à justiça, entre outros.

   Contudo, como se não bastasse a epidemia da fome em vários países africanos e orientais, a falta de acesso a quase todos os bens básicos para a subsistência e vida digna de cada ser humano, que, nessas paragens, se prolonga na história, como sinal evidente do desequilíbrio e egoísmo humanos; confrontamo-nos hoje com novos pobres: as vítimas da guerra, que perdem tudo e procuram refúgio em países onde possam viver com um mínimo de dignidade.

   Todavia, na hora presente da história, o mundo mais rico parece reagir ao contrário: negar, a quem tem necessidade, o básico para que possa viver. Tendência que se iniciou a leste da Europa e parece acentuar-se agora, na extensão a outros países e continentes. A impressão é a de que hoje muitos países tendem a fechar-se, deixando entregues à sua sorte os mais desprotegidos e vulneráveis.

   Este egocentrismo tende ainda a estender-se também às nossas cidades, vilas e aldeias, onde cada um parece entregar-se apenas aos seus interesses pessoais, despreocupando-se com a sorte dos que vivem junto de si e com o serviço do bem comum.

   Ora, necessitamos de redescobrir o sentido da partilha. Não numa atitude assente meramente num certo voluntarismo pessoal; mas sim na perspetiva de uma renovada humanização e de uma autêntica justiça.

   A partilha une-nos, torna-nos próximos, corresponsáveis pelos destinos uns dos outros. Mas, sobretudo, a partilha humaniza-nos, pois como seres sociais que somos, ela traduz um dos traços fundamentais da nossa identidade humana.

  

Pampilhosa, 02 de Fevereiro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(33ª Reflexão)