quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Morte e Ressurreição!


 MORTE E RESSURREIÇÃO


   Acabámos de entrar na denominada hora de inverno, que privilegia a luz do amanhecer, em detrimento de um prolongamento maior da presença da luz na hora do anoitecer. De igual modo, este período do ano, até ao solstício de inverno, em dezembro, é ainda especialmente marcado por uma natural e progressiva ausência de luz, com o consequente aumento, mais prolongado, do tempo noturno. Um período do ano que nos remete para a sensação de trevas e de escuridão.

   Por outro lado, iniciámos o mês de novembro recordando os nossos entes queridos que, num tempo mais próximo ou mais distante, já partiram, cruzando o limiar da morte. Assim, também esta época, e especialmente este início de novembro, parece ser um tempo triste, na recordação da morte – recordação de quem partiu e consciência de que este limiar é transversal à história de todos nós. Esta memória é ainda igualmente vivida quando a própria natureza parece, também ela, querer adormecer nesse sono de morte, pois o inverno, que se aproxima, caracteriza-se precisamente pela ausência do vigor de outras estações e sua respetiva vitalidade!

   Morte, trevas e escuridão poderiam entender-se como uma espécie de caldo único a alimentar a nossa tristeza e desalento, num tempo revestido de tristeza e de uma espécie de finitude. É verdade que o tempo prefigura a nossa história humana e o inverno seria o tempo da velhice. Por contraste – como tantas vezes fazemos significar – com a primavera da vida, símbolo da juventude.

   Mas se este período do ano se reveste de alguns destes traços, desejados por uns e desagradáveis para outros, sabemos bem que cada estação prepara sempre aquela que se lhe segue! Assim, o inverno, com os seus rigores próprios, é essencial para que na primavera brote pujante a vida; para que tudo rejuvenesça e da terra brote abundante, luxuriante e vigorosa a natureza, num ciclo permanente de renovação.

   Também assim na nossa vida: na contagem do tempo, no acumular de estações e quando o inverno da existência se aproxima, a atitude não pode ser de tristeza e de solidão! A cada estação da vida, sucede outra estação; e após o inverno da existência abre-se-nos o vigor de uma nova primavera! Se na brevidade da vida contemplamos as múltiplas estações, o inverno não será a última, de uma finitude sem fim, de qualquer solidão ou tristeza! O inverno da existência é o tempo fecundo, das sementes adormecidas, que prepara uma nova pujança e uma outra existência que há-de brotar em todo o seu esplendor! E, então, como as estações do ano, que se entendem na sua inter-relação, também as estações da vida se compreendem à luz de uma permanente existência, mesmo tendo de se cruzar o umbral da morte! Sim, esse inverno existencial que nos abre à eterna primavera! Á vida! Que não se esgota numa fase da existência, mas se renova até à sua plenitude!

   Este tempo, com as suas características naturais, sociais e religiosas, tem a virtualidade de nos colocar face a face com uma das perguntas mais candente, que a todos habita: que sentido tem a vida? Qual o meu futuro?

   Para quem não perfilha a fé cristã, este pode ser um tempo oportuno para refletir a existência pessoal por comparação com a natureza e os seus ciclos, procurando descortinar neles um sentido para a vida! Para outros – que hoje tendem a viver um sincretismo religioso e de pensamento – a vida seria um eterno retorno, nos ciclos contínuos de purificação, até atingir a sua comunhão plena com o cosmos, num estado de graça e de paz absolutos. Todavia,  já sem qualquer identidade pessoal.

   Para mim, e para todos os que perfilham a fé cristã, o enigma das estações da vida foi descodificado por Aquele que se fez um de nós, que passou o limiar da morte e que agora vive ressuscitado! Aquele que permanentemente nos afirma: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em Mim, ainda que morra viverá. E quem vive e crê em Mim jamais morrerá» (Jo. 11, 25 – 26). Aquele de quem Paulo afirma que ressuscitou dos mortos como «primícias dos que adormeceram» (cf. 1Cor. 15, 20).

   Seja qual for a convicção de cada um, este é um tempo oportuno para respondermos honestamente às dúvidas que nos habitam, ou para aprofundarmos a consciência da esperança que nos anima. Um convite neste tempo de trevas aparentes, que, não obstante, traz no seu seio, como sementes, os raios esplendorosos duma incessante Luz!

Pampilhosa, 03 de Novembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(22ª Reflexão)