sábado, 3 de novembro de 2012

Turismo e Acção Pastoral


TURISMO:
UM DESAFIO À AÇÃO PASTORAL!


O Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à Sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. (Lc. 10, 1)

 

Rev.mo Senhor
Irmãos e Amigos

 

   Por ocasião da constituição da Obra Nacional da Pastoral do Turismo (ONPT), iniciativa da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana (CEPSMH), sinto ser importante refletir, com todos vós, a urgência do serviço pastoral no turismo, bem como propor algumas indicações práticas em ordem a essa mesma ação pastoral. Ela é tanto mais urgente quanto mais reconhecermos a importância do turismo para as sociedades hodiernas, em que Portugal não é exceção.

1. A realidade do Turismo

   O turismo é uma das atividades humanas em maior expansão em todo o mundo, com um crescente número de pessoas em mobilidade e com resultados económicos cada vez mais significativos para cada país visitado. Se é certo que este fenómeno – que tem a sua fase embrionária nos sécs. XVIII e XIX[1] – se afirma essencialmente no pós Primeira Guerra Mundial[2], assume a partir da segunda metade do séc. XX, particularmente depois da década de sessenta, uma expressão inaudita, cuja tendência o séc. XXI vem acentuar. Se atendermos à linha evolutiva do número de turistas em todo o mundo, no período que se situa entre os anos de 1995 e 2011, veremos que este, numa contínua evolução, passou dos 528 milhões para os 980 milhões[3], numa cifra que nos coloca tangencialmente no limite dos mil milhões de pessoas em movimento devido a esta atividade humana.

   Portugal, um destino turístico por excelência, regista uma trajetória semelhante. Se no ano de 1995 o nosso país registou um número global de turistas que se cifrava em aproximadamente dez milhões[4], no ano de 2011 esse número cresceu para os catorze milhões, sendo que mais de metade (53%) eram estrangeiros, registando estes um número de quase sete milhões e meio.[5] Aliás, num estudo comparativo, o número de turistas, em Portugal, passou, em 1984, dos cerca de quatro milhões, para aproximadamente doze milhões em 1999[6], cifrando-se agora, como indicado, nos catorze milhões.

   Esta realidade não pode, de modo algum, ser estranha à Igreja, chamada a iluminar toda a ação dos homens com a Palavra do Evangelho. Aliás, o turismo constitui-se, hoje, como um verdadeiro sinal dos tempos, que urge interpretar à luz da Palavra de Deus, para responder às inquietações de cada homem, no sentido de os ajudar a discernir o sentido da vida presente e da vida futura (cf. GS. 4), promovendo, de igual sorte, o bem comum de toda a família humana (cf. GS. 26,) cuja finalidade o turismo deve alcançar.


2. O Turismo no Magistério da Igreja


   O magistério da Igreja tem prestado uma particular atenção ao turismo, em sintonia com o desenvolvimento deste setor da ação humana, a nível mundial. Se o Concílio Vaticano II afirmava já a necessidade de «promover métodos pastorais convenientes, para proporcionar a assistência religiosa àqueles que se deslocam por algum tempo a outras regiões para passar férias» (CD. 18), um forte incremento tem sido dado à pastoral do turismo, no período subsequente, para que responda, de forma capaz, a esta dimensão crescente do agir humano. Podemos sintetizar em quatro vetores fundamentais os conteúdos propostos pela Igreja para este setor da ação pastoral: anúncio da Palava de Deus e celebração da fé; defesa e desenvolvimento do respeito pela dignidade da pessoa humana; promoção do bem comum; participação na tarefa da nova evangelização. Estes vetores são essencialmente enquadrados por dois princípios - anúncio da Palavra de Deus e atenção ao turismo segundo os princípios da Doutrina Social da Igreja.

  Tais conteúdos têm estado presentes na multiplicidade de documentos emanados da Santa Sé, sejam eles diretórios, mensagens, ou simplesmente estudos. Destacam-se, pela sua incontornável importância para a pastoral do turismo, o Diretório Peregrinans in Terra, da Congregação para o Clero, datado de 30 de Abril de 1969, que afirmava já a necessidade de «ordenar, animar e renovar a pastoral do turismo em todas as nações» (PT. Cap. II, nº 2); logo secundado pelas Orientações para a Pastoral do Turismo, documento do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, datado de 29 de Junho de 2001. Este último documento, retomando as intuições da Igreja face ao fenómeno crescente do turismo, propõe-nos um conjunto de orientações pastorais, em vários âmbitos, que nos servem de guia para ação pastoral, nomeadamente em Portugal, com a criação da Obra Nacional da Pastoral do Turismo.

   Mas de singular importância têm sido, igualmente, as diversas mensagens e alocuções dos últimos Pontífices, especialmente a propósito do Dia Mundial do Turismo. A promoção de um turismo ético e responsável; que favoreça o encontro de pessoas e de culturas; num desenvolvimento harmonioso das sociedades, promovendo a luta contra a pobreza e o desemprego; bem como a defesa do meio ambiente e da biodiversidade; são alguns dos aspetos que podemos colher destas mensagens.

   Em Portugal, a preocupação face ao turismo esteve sempre presente no âmbito da ação da Conferência Episcopal Portuguesa, particularmente com a Comissão Episcopal da Mobilidade Humana, atualmente da Pastoral Social e Mobilidade Humana, que chegou mesmo a chamar-se, no período que medeia ente 1972 e 2005, Comissão Episcopal das Migrações e Turismo[7]. A urgência de responder a esta realidade humana e na senda da exortação do Papa Bento XVI, que nos adverte no sentido de que «a pastoral do turismo faça parte, de pleno direito, da pastoral orgânica e ordinária da Igreja»[8], levou, na hora presente, à criação da Obra Nacional da Pastoral do Turismo.

   E é assim que este novo serviço, seguindo as orientações da Igreja, define como objetivos globais da sua ação: iluminar a realidade humana do turismo com a Palavra de Deus; e promover o respeito pela dignidade da pessoa humana e a procura do bem comum, expressos pela Doutrina Social da Igreja, em toda a atividade turística. Objetivos gerais que se desdobram, depois, num conjunto mais vasto de objetivos específicos, orientadores desta ação pastoral.

   Releve-se, ainda, que neste serviço, que nos é pedido,  nos move também uma séria antropologia, que proporcione uma visão integral da pessoa humana – nas suas dimensões física, psíquica, afetiva, cognitiva, social, mas igualmente espiritual. Bem como uma visão da pessoa enquanto centro e vértice de todo o agir humano, para quem tudo se orienta (cf. GS. 12). Conscientes, ainda, de que a plenitude do homem se encontra em Cristo, em cujo mistério de «Verbo Encarnado» todo o mistério da vida humana se esclarece (cf. GS.22). Assumimos a tarefa que nos é confiada, igualmente conscientes das possibilidades da pastoral do turismo na perspetiva da nova evangelização, fazendo nossa a expressão bíblica: «enviou-os dois a dois, à Sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir» (Lc. 10, 1).


3. Algumas sugestões de ação para as comunidades de acolhimento

 
   O Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes, no documento acima referido – Orientações para a Pastoral do Turismo – deixa algumas orientações práticas para a implementação da pastoral do turismo, nos vários âmbitos da vida da Igreja. Deixamos aqui algumas indicações concretas, especialmente para as paróquias, de modo a que a ação pastoral pretendida possa ser implementada, como verdadeiro serviço a quem nos visita. Assim, propõem-se os seguintes aspetos, lodo depois do acolhimento, que é o dever primeiro[9]:

 

1.       Desenvolver uma catequese sobre o tempo livre e o turismo, quando o aconselha a realidade do lugar, quer para os cristãos residentes, quer para os turistas.

2.       Encorajar e promover ações de apoio e prevenção a favor de grupos que possam ser vítimas de uma promoção errada do turismo ou do comportamento dos turistas.

3.       Promover, acolher e estimular a ação dos grupos de apostolado dedicados em particular às pessoas que vivem e trabalham no setor do turismo, mesmo quando estas realidades não se encontrem na própria paróquia.

4.       Constituir um grupo permanente de leigos para estudar e propor ações pastorais a promover no campo do turismo.

5.       Adequar os serviços às necessidades dos turistas, nos lugares de intensa presença turística, de modo a facilitar o contacto pessoal, a celebração da fé, a oração individual, o testemunho da caridade.

6.       Criar serviços específicos para os trabalhadores do turismo, segundo os seus horários e as condições de trabalho.

7.       Propor medidas adequadas para que os visitantes possam participar nas celebrações eucarísticas na própria língua ou com outras expressões da própria cultura, dentro do respeito das disposições litúrgicas em vigor.

8.       Manter oportunamente atualizada a informação sobre os serviços paroquiais e preocupar-se para que os turistas a possam consultar nos seus hotéis, em lugares de informação ou através de outros meios de difusão.

 
   Certo que este será um serviço que todos abraçaremos com a maior alegria e empenho, invoco de Deus, para esta ação, as Suas maiores bênçãos.
 

Pe. Carlos Alberto da Graça Godinho
Diretor da Obra Nacional da Pastoral do Turismo



[1] Cf. BRITO, Sérgio Palma – Turismo: os últimos 90 anos dos primeiros milénios. In AA.VVV. – Com os Olhos no Futuro. Reflexões sobre o Turismo em Portugal. Lisboa: Edição promovida pelo Conselho Sectorial do Turismo e cofinanciado pela União Europeia, 2002, p. 124.
[2] Cf. Ibidem, p. 124.
[3] Cf. Organização Mundial do Turismo. [Cons. 11 de Julho de 2012]. Disponível em: http://www2.unwto.org/en
[4] Cf. ALEXANDRE, José Alberto Afonso – O Turismo em Portugal. Evolução e distribuição. Aveiro: Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro, 2001, p. 41. Disponível em: http://pt.scribed.com/doc/6062616/O-Turismo-em-Portugal
[5] Cf. «Estatísticas» in Turismo de Portugal. [Cons. 11 de Julho de 2012]. Disponível em: http://www.turismodeportugal.pt
[6] Cf. ALEXANDRE, José Alberto Afonso – op. cit., p. 41.
[7] Cf. TRINDADE, Maria Beatriz Rocha e QUARESMA, Eugénia T. J. Costa – A Igreja face ao fenómeno Migratório. [s. l.]: Planeta da Escrita, 2012. (Edição comemorativa dos 50 anos da Obra Católica Portuguesa das Migrações).
[8] PAPA BENTO XVI - Mensagem por ocasião do VII Congresso Mundial da Pastoral do Turismo. Cancún, 23 – 27 de Abril de 2012.
[9] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES – Orientamenti per la Pastorale del Turismo. Vaticano, 20 de Junho de 2001, p. 20 (Trad. de D. Manuel Neto Quintas).