Iniciamos o mês de Novembro celebrando duas realidades litúrgicas: a Solenidade de Todos os Santos e a comemoração dos Fiéis Defuntos. Duas celebrações que nos permitem reflectir sobre o sentido da vida e o «destino» do nosso existir. Se a primeira nos faz contemplar o dom a que somos chamados, como expressão máxima do nosso ser, a segunda abre-nos ao sentido da comunhão de irmãos, com aqueles que possam carecer da nossa comunhão espiritual, numa oração que se torna súplica de purificação, em ordem à mesma santidade.Estas celebrações têm, por outro lado, a particularidade de nos colocar frente a frente com o mistério da vida humana. Efectivamente, a nossa vida como «homens» define-se por uma dimensão do conhecido e por outra, do desconhecido. Existe essa analogia com o mistério da própria Igreja: visível e invisível! E é aqui que se inscreve a particular inquietação humana – que destino para o futuro do homem?
Numa reacção pragmática, inscrita numa certa visão hedonista da vida, tende-se a relegar para o silêncio e o esquecimento esta marca do nosso existir. E, por vezes, lida-se mal com esta marca da vida humana. Todavia esta fuga de nós mesmos não apaga a inquietação que «incendeia» o nosso interior – para onde caminho eu, afinal?
A problemática da morte, e da vida para além desta, sempre foi uma inquietação íntima de todo o ser humano. De resto, as primeiras expressões religiosas do homem, que a arqueologia hoje regista, colocam-nos perante esta mesma inquietação: a morte foi a primeira expressão religiosa que conhecemos dos nossos antepassados. Curiosamente, aí o modo como se inumava o corpo permitia-nos a concepção de outro nascimento, quer pela colocação em posição fetal, quer pelos símbolos que acompanhavam aquele que partia. Depois deste período inicial, encontramos as grandes civilizações e as eloquentes expressões em torno da morte, de que as pirâmides do Egipto são hoje ainda um dos exemplos maiores.
Enfim, a história permite-nos uma percepção profunda da esperança de um futuro para o homem enquanto ser destinado a uma outra vida. Aqui se podiam inscrever, igualmente, muitas das expressões filosóficas e místicas da própria demanda humana pelo se sentido da vida e sua continuidade.
E a revelação cristã? O que nos afirma? Desde logo, partimos desse movimento inverso: já não é apenas o homem à procura de Deus, como fonte de vida; mas é Deus quem procura o homem e se lhe revela. A encarnação de Cristo – Deus feito Homem – abre-nos a uma realidade completamente nova, perante o mistério do nosso existir. Particularmente pela Sua morte e ressurreição, Deus rasga o véu do nosso desconhecimento e abre-nos a uma certeza de fé, que se torna para nós verdadeira fonte de esperança – seremos semelhantes a Deus; partilharemos a condição de Cristo Ressuscitado. Neste sentido, Ele torna-se a nossa única e verdadeira fonte de vida e, consequentemente, de esperança.
Apesar desta certeza, a inquietação marcou ainda a vivência de algumas comunidades cristãs. Lembro particularmente a de Tessalónica. Por isso Paulo, na Carta que escreve aos Tessalonicenses, aborda profundamente este mistério. Neste mês, seria interessante se pudéssemos reflectir estas duas cartas Paulinas, no sentido de aprofundarmos esta esperança que não engana. A sua leitura e meditação poderão ser um óptimo itinerário para a construção de uma vida orientada, ou o mesmo é dizer, para uma vida com sentido.
À inquietação humana responde Deus e diz-nos que só Cristo, Deus feito Homem, é o verdadeiro sentido da vida para toda a humanidade.
Pe. Carlos Alberto G. Godinho




Neste tempo que é o nosso, em que seria legítimo esperar um maior bem estar para todos, a realidade é completamente inversa. A cada passo ouvimos falar de crise financeira, de recessão económica, de menor riqueza disponível... Mas, na verdade, são prioritáriamente os mais pobres, ou os que estão em vias de empobrecimento, quem mais sofre. Hoje, as notícias davam-nos conta do aumento do desemprego, de piores condições de vida, de menor capacidade de dar resposta às necessidades mais elementares que se colocam a cada pessoa e a cada família. Numa escala global, é neste quadro que aumenta o número de pessoas que viverão com menos de dois euros por dia. Encontramos aqui, pois, um desafio acrescido à luta pela justiça; a uma nova ordem económica e social; a uma maior justiça na distribuição dos bens. É aqui, também, que surgem apelos profundos ao nosso sentido de solidariedade, de partilha e de sentido do outro. Para os cristãos, aumenta o desafio à vivência da verdadeira caridade. Este tempo traz-nos novos desafios: num mundo globalizado, temos de globalizar a justiça e a partilha.
Hoje, ao passar pela experiência dolorosa de ver partir para a eternidade um familiar próximo - uma tia, irmã de meu pai - e de partilhar a dor de meus primos e tio, senti como é tão importante aproveitar cada dia para cultivar o dom da família que nos foi dada; família que - sabemo-lo - é sempre «limitada» no tempo da nossa existência. É certo que acreditamos numa comunhão e presença que nos projecta para além desta vida. Todavia, o dom da família é uma graça que nos é dada aqui, nos limites da nossa existência histórica.
