A VITALIDADE
DA ESPERANÇA
Após
o terrível incêndio que, em Agosto passado, lavrou por estas terras Bairradinas,
e mesmo ainda antes da época das chuvas, deslocando-me, há dias, pela estrada
nacional, em direção à Mealhada, constatava como, por entre as árvores queimadas
e um chão de cinza, surgem já alguns tímidos sinais de verdura, prometendo uma
nova vida àqueles espaços negros e tristes, onde o fogo tudo transformou em
morte aparente. São os fetos que começam a brotar; os rebentos de eucalipto que
despontam – não obstante a preocupação dos silvicultores, porque nocivos à
reflorestação desejada; o despertar de matos e outras plantas endémicas, que
começam a querer surgir!... Como que deixando adivinhar uma natureza vigorosa,
capaz de se reinventar e de redimir um passado próximo de grande destruição.
Ao
passar por ali e ao reparar nestes indícios de nova vida, vinha-me à mente a
perceção de que estes ténues sinais de recomposição são como que uma bela
metáfora a iluminar algumas situações da nossa vida humana: confrontados,
quantas vezes, com dramas pessoais ou familiares, de naturezas tão diversas,
criamos a noção, por momentos, de que a vida desaba, desfazendo-se em negras
cinzas, onde apenas resta a tristeza e a total desolação. Face ao fracasso, à
angústia, à dor, ou, especialmente, à possibilidade da morte, a vida como que
se desfaz num campo de cinzas, onde todo o vigor e pujança é substituído pela
tristeza de uma paisagem escura e sem vida. Essa paisagem interior, espelhada num
rosto fechado, de preocupação, de lágrimas, ou de angústia!...
Se
são mais que legítimos tais sentimentos, face às múltiplas formas de dor e à
evidência dos limites humanos; também não é menos certo que, não raro, em tais
circunstâncias, nos deixamos agrilhoar pelo momento presente, sem almejar um qualquer
outro futuro. Identificando esse presente, inclusive, com a noção do tempo que
pára; expressão tão comum para traduzir a nossa angústia, face aos
acontecimentos que, aparentemente, imobilizam as nossas vidas.
Contudo, tal como na natureza, também a nossa vida se renova
permanentemente. Por vezes, com sinais ténues de um novo despontar, num
processo lento de renovação da alegria e da esperança, da confiança e da
serenidade. Mas tudo se renova! E à distância, sem que as cicatrizes da dor se
desfaçam, a vida ganha um novo sentido. Não é por acaso que a sabedoria popular
afirma, de forma proverbial: «não há mal que sempre dure, nem bem que se não
acabe», remetendo-nos para a permanente novidade – para o bem e para o mal, é
certo! – que define a nossa existência humana.
Com
esta consciência, necessitamos, nas horas difíceis e de dor, de alargar o nosso
olhar interior, na esperança de que um tempo futuro cure as feridas do momento
presente. Como a nova vida, que brota da terra, a recompor o solo das cinzas, necessitamos,
nessas horas de dor, de um futuro que ilumine o presente, na certeza de que
nada permanece insanável e de que tudo permanentemente se refaz! Necessitamos,
pois, de reconquistar horizontes de vida! Isto, exatamente: horizontes de vida!
Marcados por rejuvenescimentos de esperança! Mesmo quando a vida nos trai e no
horizonte se inscreve a morte!
Para
quem é crente, mesmo aqui, na morte - pese embora, como para os demais, se
experimente a mesma dor da perda e da ausência de quem é querido - abre-se um
horizonte infinito de esperança, um rejuvenescimento absoluto da vida, uma
transfiguração da paisagem humana, em que do pó e da cinza, se ergue uma nova
natureza, um ser radicalmente novo, transfigurado numa eterna primavera – o
mistério da ressurreição! Não já uma renovação da vida, sem mais, mas a vida em
plenitude, como se de uma eterna primavera se tratasse!
A
vida humana, jogada entre alegrias e dores, tem sempre no seu horizonte uma
contínua esperança! Uma esperança que é sentido e alento! Uma esperança que
urge reconquistar permanentemente! É que – como bem refere José Luís Nunes Martins -
«cada esperança abre horizontes infinitos e possibilidades imprevistas»!
Pampilhosa, 20 de Outubro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(20ª Reflexão)