terça-feira, 4 de outubro de 2016

Preservar a Memória!


PRESERVAR A MEMÓRIA

   Uma das características das sociedades humanas é a sua permanente evolução. A vida é um devir constante, não apenas na novidade dos dias, mas igualmente na capacidade de desenvolvimento humano, tecnológico e mental, integrando aquilo que denominamos como desenvolvimento cultural. Entendendo-se a cultura como «tudo aquilo com que o homem apura e desenvolve os variados dotes do corpo e do espírito, com que procura submeter o universo ao seu poder, pelo conhecimento e pelo trabalho; torna mais humana a vida social, tanto na família, como em toda a comunidade civil, mediante o progresso dos costumes e instituições; e, finalmente, no decurso dos tempos, exprime, comunica e conserva, nas suas obras, as grandes experiências espirituais e aspirações, para que sirvam ao progresso de muitos, e até de todo o género humano» (GS. 53).

   No presente esta evolução, particularmente tecnológica, fruto das novas capacidades científicas, com consequências inevitáveis na vida social, transformou-se numa realidade vertiginosa. Evoluímos mais, em termos de conhecimento, nas últimas quatro décadas, do que em vários séculos passados. Com consequências positivas para o desempenho de várias funções; com benefícios para a vida humana, particularmente no que respeita à saúde e longevidade; mas também com algumas consequências negativas, particularmente refletidas no mundo do trabalho, onde os recursos humanos são cada vez menos necessários, provocando instabilidade social, particularmente devido ao desemprego. Certo é que esta transformação é inevitável, correspondendo à permanente arte criadora do ser humano.

   Não obstante esta evolução, não existem cortes entre tempos e modos de realizar determinadas tarefas. Existe, sim, uma espécie de linearidade que permite compreender os factos, os acontecimentos e suas evoluções inscritos no tempo longo, ou na «longa duração», para usar um conceito histórico.

   Ora é esta compreensão histórica que urge preservar como memória. A memória, que significa a conservação da experiência anterior, trazendo-a de novo à memor (palavra que significa «aquele que recorda» e que é raiz de memória) significa reter na consciência coletiva as técnicas, costumes, hábitos, modos de agir e de pensar de outros tempos, no sentido de preservarmos essa continuidade histórica, que nos serve como fonte de permanente recriação e como suporte para a compreensão do que somos e de que como agimos no presente. No fundo uma anamnese (recordação) que nos permita saber de onde provimos, para definirmos os caminhos que pretendemos construir permanentemente. Por outro lado, ainda, com a memória preservamos essa parte da cultura, anteriormente referida: na capacidade de exprimir, comunicar e conservar as grandes obras, experiências e aspirações humanas, que serviram para a compreensão do progresso hoje alcançado (cf. GS. 53).

   No presente opõem-se duas atitudes face à preservação da memória: por um lado, a incrível perda de memória, que limita a nossa autoconsciência, identidade e equilíbrio no processo evolutivo; e, por outro, a fixação na memória, quase como um anacronismo, pretendendo que o presente seja uma replicação do passado, impedindo o natural curso da história. Que muitas vezes mais não é senão a nostalgia do que já não existe.

   Ora, preservar a memória é um dever e uma necessidade de cada sociedade. Pois perdê-la é perder a sua identidade. Nesse sentido, o recurso a registos, sejam eles escritos, gravados em áudio ou em vídeo, a fotografias, a manuscritos, a recolhas testemunhais, a representações etnográficas, etc., são formas de preservar localmente essa memória. Várias são as instituições que têm este mérito, de preservar a memória coletiva, realizando um autêntico serviço público. Recordo instituições como o GEDEPA, na Pampilhosa, mas igualmente os múltiplos grupos de folclore, que assentam as suas danças em tradições ancestrais, trazendo ao presente o que fomos no passado. Não obstante, necessitarmos de agilizar outros recursos, mesmo mais institucionalizados, como museus e repositórios locais que atestem essa mesma memória. Um dever cultural das instituições públicas e mesmo de algumas instituições e empresas privadas.

   É inevitável a permanente mudança! Mas nunca podemos esquecer de onde provimos e para onde caminhamos, deixando que a memória desempenhe aqui uma função que lhe é tão meritória!
 
Pampilhosa, 22 de Setembro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(16ª Reflexão)