PRESERVAR A
MEMÓRIA
Uma das características das
sociedades humanas é a sua permanente evolução. A vida é um devir constante,
não apenas na novidade dos dias, mas igualmente na capacidade de
desenvolvimento humano, tecnológico e mental, integrando aquilo que denominamos
como desenvolvimento cultural. Entendendo-se a cultura como «tudo aquilo com
que o homem apura e desenvolve os variados dotes do corpo e do espírito, com
que procura submeter o universo ao seu poder, pelo conhecimento e pelo trabalho;
torna mais humana a vida social, tanto na família, como em toda a comunidade
civil, mediante o progresso dos costumes e instituições; e, finalmente, no
decurso dos tempos, exprime, comunica e conserva, nas suas obras, as grandes
experiências espirituais e aspirações, para que sirvam ao progresso de muitos,
e até de todo o género humano» (GS. 53).
No
presente esta evolução, particularmente tecnológica, fruto das novas
capacidades científicas, com consequências inevitáveis na vida social, transformou-se
numa realidade vertiginosa. Evoluímos mais, em termos de conhecimento, nas
últimas quatro décadas, do que em vários séculos passados. Com consequências
positivas para o desempenho de várias funções; com benefícios para a vida
humana, particularmente no que respeita à saúde e longevidade; mas também com
algumas consequências negativas, particularmente refletidas no mundo do
trabalho, onde os recursos humanos são cada vez menos necessários, provocando
instabilidade social, particularmente devido ao desemprego. Certo é que esta
transformação é inevitável, correspondendo à permanente arte criadora do ser
humano.
Não
obstante esta evolução, não existem cortes entre tempos e modos de realizar
determinadas tarefas. Existe, sim, uma espécie de linearidade que permite
compreender os factos, os acontecimentos e suas evoluções inscritos no tempo
longo, ou na «longa duração», para usar um conceito histórico.
Ora
é esta compreensão histórica que urge preservar como memória. A memória, que
significa a conservação da experiência anterior, trazendo-a de novo à memor (palavra que significa «aquele que
recorda» e que é raiz de memória) significa reter na consciência coletiva as
técnicas, costumes, hábitos, modos de agir e de pensar de outros tempos, no
sentido de preservarmos essa continuidade histórica, que nos serve como fonte
de permanente recriação e como suporte para a compreensão do que somos e de que
como agimos no presente. No fundo uma anamnese
(recordação) que nos permita saber de onde provimos, para definirmos os
caminhos que pretendemos construir permanentemente. Por outro lado, ainda, com
a memória preservamos essa parte da cultura, anteriormente referida: na
capacidade de exprimir, comunicar e conservar as grandes obras, experiências e
aspirações humanas, que serviram para a compreensão do progresso hoje alcançado
(cf. GS. 53).
No
presente opõem-se duas atitudes face à preservação da memória: por um lado, a
incrível perda de memória, que limita a nossa autoconsciência, identidade e
equilíbrio no processo evolutivo; e, por outro, a fixação na memória, quase
como um anacronismo, pretendendo que o presente seja uma replicação do passado,
impedindo o natural curso da história. Que muitas vezes mais não é senão a
nostalgia do que já não existe.
Ora,
preservar a memória é um dever e uma necessidade de cada sociedade. Pois
perdê-la é perder a sua identidade. Nesse sentido, o recurso a registos, sejam
eles escritos, gravados em áudio ou em vídeo, a fotografias, a manuscritos, a
recolhas testemunhais, a representações etnográficas, etc., são formas de
preservar localmente essa memória. Várias são as instituições que têm este
mérito, de preservar a memória coletiva, realizando um autêntico serviço
público. Recordo instituições como o GEDEPA, na Pampilhosa, mas igualmente os
múltiplos grupos de folclore, que assentam as suas danças em tradições ancestrais,
trazendo ao presente o que fomos no passado. Não obstante, necessitarmos de
agilizar outros recursos, mesmo mais institucionalizados, como museus e
repositórios locais que atestem essa mesma memória. Um dever cultural das
instituições públicas e mesmo de algumas instituições e empresas privadas.
É
inevitável a permanente mudança! Mas nunca podemos esquecer de onde provimos e
para onde caminhamos, deixando que a memória desempenhe aqui uma função que lhe
é tão meritória!
Pampilhosa, 22 de Setembro de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(16ª Reflexão)