DIÁLOGO
INTER-RELIGIOSO
Em
sociedades multiculturais, como são cada vez mais as nossas, nos países
europeus, necessitamos de nos abrir à diversidade de culturas, a novos modos de
ser e de pensar, com a crescente presença de irmãos nossos de outros quadrantes
geográficos; mas igualmente de nos abrir à diversidade de cultos e de formas de
relação com o sagrado. Necessitamos de um verdadeiro diálogo inter-religioso.
Este
diálogo, que hoje se enquadra na identidade própria de sociedades seculares,
onde os regimes políticos não professam qualquer credo, é definido pelo
Concílio Vaticano II como a promoção da «mútua estima», «respeito e concórdia»,
«no reconhecimento de toda a legítima diversidade» (GS. 92), advertindo mesmo o
Concílio: «exorto pois os filhos [da Igreja Católica] a que, com prudência e
caridade, por meio do diálogo e da colaboração com os seguidores de outras
religiões e dando testemunho da fé e da vida cristã, reconheçam, conservem e
promovam os bens espirituais e morais, assim como os valores socioculturais
nelas existentes» (NA. 2). E este tem sido, de facto, o procedimento da Igreja
Católica, na sua generalidade, ao longo das últimas décadas.
Contudo, para que haja um verdadeiro diálogo, tem de existir
reciprocidade e respeito mútuos. De igual modo, o Estado, enquanto garante dos
direitos dos povos, tem de usar de iguais critérios no tratamento de todas as
vivências e formas de expressão religiosa. Isto é, exige-se um diálogo vivido
na igualdade, na diversidade e sem demissões de uma ou outra parte.
Acontece, ao invés, que na Europa, com uma presença cada vez maior de
outras confissões religiosas, particularmente islâmicas, se vive um crescente
laicismo, procurando afastar todos os traços cristãos presentes na cultura e na
identidade europeia. Mais ainda: procurando limitar a legítima ação da Igreja
Católica, de forma explícita ou culturalmente implícita. Por vezes com laivos
de um certo jacobinismo, que se funda nalgumas das suas expressões próprias do
pós Revolução Francesa. Aliás, não esqueço que a União Europeia, aquando da
aprovação do Tratado que estabelece uma
Constituição para a Europa, de 2004, se recusou a referir no seu Preâmbulo
as suas raízes cristãs, para apenas referir os valores provenientes do
Iluminismo e, muito particularmente, da Revolução Francesa.
Não
já numa perspetiva política – embora também politicamente a Europa ande à
procura de si mesma -, mas numa perspetiva cultural, tenho a sensação de nos
aproximarmos dos finais do séc. V, quando o Império Romano do Ocidente, decaído
política e culturalmente, foi invadido pelos povos então denominados bárbaros.
Não se trata já de uma nova invasão política, mas sim de uma séria
transformação cultural e religiosa, que emerge, transformando a fisionomia da
Europa numa realidade completamente diversa.
Não
advogo, de modo algum, a necessidade de regressarmos a Estados confessionais.
Neste sentido, partilho da opinião de D. José Policarpo, anterior Patriarca de
Lisboa, que referia frequentemente que a secularização, cujas raízes se
encontram no Cristianismo, é um bem para os Estados, mas também para a Igreja.
Necessitamos, isso sim, de não olvidar a nossa identidade histórica e cultural,
para sedimentarmos os valores que sempre nos nortearam.
O
autêntico diálogo religioso alimenta-se do respeito mútuo entre religiões, mas
também da imparcialidade e respeito dos Estados face a todas as formas de
vivência religiosa. Também assim se constrói uma sociedade livre, igual e
fraterna – para referir os ideais que a Europa perfilha como seus fundamentos,
na sua organização, ação e definição de formas de vivência em comum.
Pampilhosa, 11 de Agosto de 2016
Pe. Carlos Alberto Godinho
(13ª Reflexão)