SABEDORIA E MISERICÓRDIA
Quem
trabalha na edição de vídeo ou de áudio, sabe que para se chegar a um produto
final de qualidade é necessário, muitas vezes, fazer replay de conteúdos, selecionar parte destes, cortar, refazer e,
então sim, editar. Tudo para que o produto final seja emitido como se idealizou
e com a qualidade necessária.
Nas
nossas vidas gostaríamos, por certo, de poder proceder de igual modo: fazer stop naquilo que nos perturba, replay naquilo que resultou mal, para
então selecionar o que gostamos e o que não gostamos, o que nos agrada e
desagrada, na nossa história pessoal, revermos o que nos magoou e nos feriu, e
então, sim, poder cortar, refazer, para que a nossa história surja mais límpida,
realizada e feliz. Isto é, gostaríamos de poder editar as nossas vidas para as
refazer. Mas isto não é possível!
E
perante esta impossibilidade o que fazer? Cair no desânimo? No abatimento?
Permanecer numa atitude de ressentimento?
Não!
O caminho tem de ser outro: o da sabedoria, para nos alegrarmos com os nossos
sucessos, e o da misericórdia para nos perdoarmos e seguirmos em frente,
refazendo em cada presente o que falhou no passado. Sim, a misericórdia para
connosco: esse caminho de aceitação humilde de nós mesmos e das nossas falhas,
a aceitação incondicional do que somos, da nossa própria história, para então
construirmos o presente e o futuro com outra decisão. Afinal só o presente
constitui um verdadeiro desafio para nós! O passado serve-nos de lastro, para
um recomeço contínuo.
Confrontamo-nos, todavia, com alguma frequência, com algumas atitudes
pessoais, na relação connosco mesmos, que limitam o nosso desenvolvimento
humano: o orgulho de quem acha que não tem nada de que se arrepender, como se
algum de nós fosse impecavelmente perfeito, falseando eventualmente a vida e
impedindo o seu crescimento pessoal; o ressentimento, essa atitude de quem
regressa permanentemente ao passado para se julgar ou punir, atitude que é
fonte de permanente tristeza e sofrimento, pois reaviva sentimentos de dor, de
sofrimento e de inaceitação; ou ainda a agressividade, que mais não é senão a
projeção sobre os demais das nossas próprias frustrações e limites.
Ora,
a atitude mais eficaz para se ser feliz é precisamente a sabedoria: na
capacidade de integração e aceitação de tudo o que somos e vivemos, sempre
dispostos a recomeçar de novo. A vida é sempre, em cada dia, uma nova
oportunidade de recomeço, mesmo quando algumas dificuldades do passado limitam
o nosso presente. Há sempre uma nova forma de encarar a vida, até que esta, no
dealbar dos dias, se complete. Mas isto pressupõe a capacidade de nos amarmos;
isto é, de termos por nós uma autêntica estima, que não se confunde com
egocentrismos ou vaidades, mas sim a atitude sincera de nos querermos bem. E há
gente que, consciente ou inconscientemente, não se quer bem!
Para
quem é crente e descobriu já o verdadeiro rosto de Deus, sabemos que Ele nos
ama tal como somos, não esperando que sejamos perfeitos para nos amar. É Ele
quem afirma, a certo passo da Escritura: «Acaso pode uma mãe esquecer-se do
menino que amamenta, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que
ela se esquecesse dele, eu nunca te esqueceria!» (Is. 49, 15). Se Deus nos ama
assim, como não amarmo-nos e aceitarmo-nos a nós mesmos? Ele criou-nos para
sermos felizes. Ora, se a felicidade é o nosso verdadeiro destino, está nas
nossas mãos a decisão, vivida na simplicidade, humildade e misericórdia, de sermos
construtores desta «pátria» que almejamos! Sempre num contínuo recomeço!
Pampilhosa, 28 de Julho de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(11ª Reflexão)