REFUGIADOS
Uma
das realidades sociais e políticas que mais marca a hora presente, da nossa
história mundial, é o drama dos refugiados. Por um lado, uma multidão imensa de
homens, mulheres e crianças que fogem à brutalidade da guerra e da destruição, procurando
defender as suas vidas e garantir o mínimo de condições dignas para viver; por
outro, o mundo desenvolvido, fundado nos valores democráticos, capaz de
oferecer as condições estáveis de vida, mas que parece tender a fechar-se cada
vez mais sobre si e os seus interesses, tendendo a contrariar valores vertidos
em lei internacional, logo após a Segunda Guerra Mundial.
A
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, determina que «todo o
indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal» (art. 3º),
acrescentando, no que se refere ao direito de asilo, que «toda a pessoa sujeita
a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros
países» (art. 14º, nº 1). E a Convenção das Nações Unidas, que se lhe seguiu, em
1951, define que «os estados contratantes aplicarão as disposições desta
Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, religião ou país de
origem» (art. 3º).
Ora,
pese embora a consciência política quanto à vinculação de cada estado signatário
a estes acordos, há uma propensão, de alguns países, para a recusa destes
direitos fundamentais. Se a Hungria, com o pretexto de salvaguarda da sua
identidade nacional, construiu um primeiro muro para impedir a entrada de
refugiados no seu território; tem sido seguida pela desconfiança política de
outros países e da atitude expressa de recusa, como ultimamente constatamos na
nova administração americana.
Curiosamente, mais do que pretextos políticos, que se jogam nos
subterrâneos da diplomacia mundial, por vezes tão obscura nos seus interesses,
todos nós constatamos recusas de acolhimento de refugiados essencialmente com
base na sua religião. Em contradição clara com a Convenção das Nações Unidas.
Problemático é ver como esta discriminação colhe junto das sociedades de
vários países europeus e do novo continente. Aparentemente com a justificação
de salvaguarda da integridade social, por força da afirmação da necessidade de
uma renovada segurança interna. Ilusória, diga-se! Pois se o receio é o da entrada
de terroristas, a verdade é que estes operam a partir do interior dos estados
que pretendem defender-se, como constatamos em França, por exemplo! Aliás, a
conduta política e social de descriminação, com base na religião, só tende,
como sabemos, a incrementar novos ódios e eventuais atentados.
Necessitamos hoje, neste campo, como em tantos outros, de regressar aos
valores que se afirmaram após a Segunda Guerra Mundial, reavivando uma nova
solidariedade humana e a determinação na salvaguarda dos direitos humanos
básicos devidos a cada pessoa.
Mas
devemos ir mais longe: só compreenderemos verdadeiramente os outros quando nos
colocarmos ou imaginarmos no seu lugar! Hoje, infelizmente, todos nós
assistimos aos dramas alheios no conforto dos nossos lares; lamentando a sorte
alheia, ou tornando-nos insensíveis a essa mesma sorte. Só no exercício de
perceção íntima destes dramas humanos, seremos capazes de agir.
Diante de irmãos nossos, vítimas da guerra, que perderam os seus bens
mais básicos, como a casa, o acesso à alimentação, à educação, à saúde, entre
tantos outros, e que fogem para salvar as suas vidas, como procedemos? Se é
certo que as leis tutelam estes dramas sociais, deve ser o nosso coração humano
a conduzir-nos ao encontro do outro e das suas necessidades fundamentais. Este
tempo é um desafio a desinstalarmo-nos da nossa indiferença, do nosso
individualismo e do nosso comodismo!
Estes irmãos gritam, em surdina, aquele princípio básico que está na
base da nossa solidariedade: «amar o próximo como a si mesmo»!
Certamente, mobilizando-nos agora para acolher e garantir a dignidade de
todos, na esperança de que, um dia, estes irmãos possam regressar, em paz, às
suas casas, reconstruindo as suas vidas ao ritmo da reconstrução dos seus países!
Esta é a hora singular de apelo a uma nova humanidade!
Pampilhosa, 16 de Fevereiro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(35ª Reflexão)