quinta-feira, 6 de abril de 2017

Refugiados!


REFUGIADOS


   Uma das realidades sociais e políticas que mais marca a hora presente, da nossa história mundial, é o drama dos refugiados. Por um lado, uma multidão imensa de homens, mulheres e crianças que fogem à brutalidade da guerra e da destruição, procurando defender as suas vidas e garantir o mínimo de condições dignas para viver; por outro, o mundo desenvolvido, fundado nos valores democráticos, capaz de oferecer as condições estáveis de vida, mas que parece tender a fechar-se cada vez mais sobre si e os seus interesses, tendendo a contrariar valores vertidos em lei internacional, logo após a Segunda Guerra Mundial.

   A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, determina que «todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal» (art. 3º), acrescentando, no que se refere ao direito de asilo, que «toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países» (art. 14º, nº 1). E a Convenção das Nações Unidas, que se lhe seguiu, em 1951, define que «os estados contratantes aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, religião ou país de origem» (art. 3º).

   Ora, pese embora a consciência política quanto à vinculação de cada estado signatário a estes acordos, há uma propensão, de alguns países, para a recusa destes direitos fundamentais. Se a Hungria, com o pretexto de salvaguarda da sua identidade nacional, construiu um primeiro muro para impedir a entrada de refugiados no seu território; tem sido seguida pela desconfiança política de outros países e da atitude expressa de recusa, como ultimamente constatamos na nova administração americana.

   Curiosamente, mais do que pretextos políticos, que se jogam nos subterrâneos da diplomacia mundial, por vezes tão obscura nos seus interesses, todos nós constatamos recusas de acolhimento de refugiados essencialmente com base na sua religião. Em contradição clara com a Convenção das Nações Unidas.

   Problemático é ver como esta discriminação colhe junto das sociedades de vários países europeus e do novo continente. Aparentemente com a justificação de salvaguarda da integridade social, por força da afirmação da necessidade de uma renovada segurança interna. Ilusória, diga-se! Pois se o receio é o da entrada de terroristas, a verdade é que estes operam a partir do interior dos estados que pretendem defender-se, como constatamos em França, por exemplo! Aliás, a conduta política e social de descriminação, com base na religião, só tende, como sabemos, a incrementar novos ódios e eventuais atentados.

   Necessitamos hoje, neste campo, como em tantos outros, de regressar aos valores que se afirmaram após a Segunda Guerra Mundial, reavivando uma nova solidariedade humana e a determinação na salvaguarda dos direitos humanos básicos devidos a cada pessoa.

   Mas devemos ir mais longe: só compreenderemos verdadeiramente os outros quando nos colocarmos ou imaginarmos no seu lugar! Hoje, infelizmente, todos nós assistimos aos dramas alheios no conforto dos nossos lares; lamentando a sorte alheia, ou tornando-nos insensíveis a essa mesma sorte. Só no exercício de perceção íntima destes dramas humanos, seremos capazes de agir.

   Diante de irmãos nossos, vítimas da guerra, que perderam os seus bens mais básicos, como a casa, o acesso à alimentação, à educação, à saúde, entre tantos outros, e que fogem para salvar as suas vidas, como procedemos? Se é certo que as leis tutelam estes dramas sociais, deve ser o nosso coração humano a conduzir-nos ao encontro do outro e das suas necessidades fundamentais. Este tempo é um desafio a desinstalarmo-nos da nossa indiferença, do nosso individualismo e do nosso comodismo!

   Estes irmãos gritam, em surdina, aquele princípio básico que está na base da nossa solidariedade: «amar o próximo como a si mesmo»!

   Certamente, mobilizando-nos agora para acolher e garantir a dignidade de todos, na esperança de que, um dia, estes irmãos possam regressar, em paz, às suas casas, reconstruindo as suas vidas ao ritmo da reconstrução dos seus países! Esta é a hora singular de apelo a uma nova humanidade!


Pampilhosa, 16 de Fevereiro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(35ª Reflexão)