HUMANIDADES
No
Jornal «Público», da passada segunda-feira, José Pacheco Pereira afirmava que o
prémio Pessoa, atribuído a Frederico Lourenço, não nos deve «iludir», num
artigo intitulado «O nó górdio». Não que o autor discorde da atribuição do
prémio; bem pelo contrário: reconhece-o inteiramente merecido. Mas sublinha o
cronista que «o mundo sobre o qual ele estuda, escreve e traduz é cada vez menos
no espaço público do saber, onde cada vez menos se sabe sobre o mundo clássico»
(Público, 03.04.2017).
Na
verdade, a sociedade atual tende a organizar-se em torno das tecnologias e das ciências
exatas, definindo-se estas últimas pela sua capacidade de expressar o
quantificável, segundo métodos próprios de análise; compreendendo as
Matemáticas, a Física, as Engenharias, a Química, as Estatísticas, ou a Computação.
Isto em desprimor das ciências humanas, que tendo o próprio ser humano e as
sociedades como objeto de estudo, se desenvolvem em áreas tão distintas como a Filosofia,
a História, a Arqueologia, a Antropologia, as Artes ou as Letras.
Não
obstante a relativa procura de alguns cursos de ciências humanas ou
Humanidades, como a História por exemplo, cujas vagas na Faculdade de Letras,
na Universidade de Coimbra, quase sempre se preenchem; há hoje uma
subalternização destas áreas do saber, face à procura, por parte do mercado de
trabalho, de competências adquiridas no saber tecnológico e nas ciências exatas
ou nas ciências naturais.
Esta
situação é sintoma de três dificuldades que advêm da nossa vivência social, no
momento presente: um mercado que não se adequou e desvalorizou o potencial de
conhecimento que advém das ciências humanas; uma universidade que afunilou a
sua oferta, nesta área, restringindo-a a duas ou três áreas de intervenção no
mundo laboral, das quais ainda não se libertou; e -o mais grave – o incremento
de um enorme desconhecimento da vida humana e suas principais inquietações, da
construção da história e seus dinamismos, bem como do desconhecimento dos
valores culturais e patrimoniais; limitando, ainda, o sentido crítico face à
vida pessoal e em sociedade. Por certo que alguns conhecimentos na área das
humanidades inviabilizariam algumas práticas a que hoje já começamos a
assistir: no mundo da gestão, da política, dos meios de comunicação, entre
tantos outros.
Necessitamos de redescobrir a unicidade de todo conhecimento, mesmo para
quem enverede por uma prática mais tecnológica ou própria das ciências exatas,
num diálogo profícuo entre todas as áreas do saber. Sob pena de nos tornarmos
autómatos, sem uma autêntica consciência do eu e suas inter-relações sociais.
Em última instância, poderíamos chegar ao ponto daquela sociedade concebida por
Aldous Huxley, no seu livro Admirável
Mundo Novo, publicado em 1932, onde cada um estaria programado para
executar uma e única ação em sociedade, segundo a categoria definida nessa
estruturação social, mesmo sem a sua conceção do pré-condicionamento biológico.
É
certo que o imediatismo cultural em que vivemos não facilita uma visão de um
conhecimento alargado. Mas ele é absolutamente necessário. Tanto mais que todas
as áreas do conhecimento, em última instância, tratam do «fenómeno humano»,
para utilizar uma expressão de Teilhard de Chardin, sem as quais o homem, na
sua compreensão, estará sempre incompleto!
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(41ª Reflexão)