SENTIDO
CRÍTICO
Há
alguns anos, quando ainda seminarista, no Seminário Maior de Coimbra, ouvia da
boca do Monsenhor António Duarte de Almeida, então um dos diretores espirituais
do Seminário, uma expressão que nunca mais esqueci e que, mais do que nunca, se
adequa aos nossos tempos. Dizia ele, referindo-se ao poder dos meios de
comunicação, particularmente da televisão, e ao modo como as pessoas absorviam
toda a informação que lhes era facultada: «as pessoas estão diante da televisão
como quem enche chouriças!». Queria ele dizer que consumiam tudo, de forma
acrítica, como se toda a informação tivesse a mesma importância, a mesma
qualidade e a mesma veracidade. Engoliam tudo, de forma passiva, como se em
tudo o que ali se afirmava e visualizava residisse a autêntica verdade.
Atualmente, a informação evoluiu bastante, na sua democraticidade e
globalização. Todos nós, com os novos meios ao nosso dispor, podemos criar e
aceder a mais informação, a novos conteúdos, e ainda sem os limites de um
alinhamento televisivo e os horários pré-estabelecidos.
Ora,
face a esta nova realidade, necessitamos hoje, mais do que nunca, de um
autêntico sentido crítico, que nos permita filtrar, com critérios objetivos, a
informação a que acedemos. Necessitamos de um apurado sentido crítico para não
nos deixarmos condicionar pelas opiniões correntes, pelas primeiras afirmações
que nos chegam e que, quantas vezes, damos como adquiridas, mesmo quando elas
carecem de fundamento e são, não raro, utilizadas para manipular opiniões.
Chega a ser dramática a forma como hoje se usam os novos meios de comunicação,
particularmente as redes sociais. Sendo um bem, na capacidade de comunhão entre
as pessoas, de partilha de ideias, de participação cívica e meio pessoal de
expressão, há, todavia, quem absorva tudo sem qualquer filtro, deixando-se
perturbar nas suas convicções e nas suas vivências com a mais simples
publicação. Há dias circulou pelas redes sociais um conjunto de notícias
sensacionalistas, aparentemente de fontes fidedignas, mas que afinal provinham
de uma fonte que tem como finalidade exclusiva difundir notícias falsas. Não
estranhei tanto o conteúdo das notícias em si, perfeitamente fantasiosas, quanto
a receção e a reação a tais notícias! E percebi, claramente, como tantos
consomem a informação sem qualquer questionamento. Isto é, dando como certo
tudo aquilo que é publicado. Ora, neste contexto, os novos meios de
comunicação, permitindo a referida democraticidade e até mesmo uma outra
participação cívica na construção de debates comuns, são um espaço aberto de
condicionamentos e de manipulação ideológica ou de interesses diversos.
A
par da formação no acesso aos novos meios de comunicação, sinto que é urgente
ajudar as pessoas atualmente a munirem-se de instrumentos pessoais para
aprenderem a gerir estes novos meios e seus conteúdos. É que podemos estar a
viver uma nova iliteracia: não já de quem não sabe ler; mas de quem não sabe
interpretar devidamente o que lê! E esta nova realidade trabalhada por
especialistas de marketing, de psicologia ou mesmo de algumas pretensões
ideológicas, podem constituir um perigo para o equilíbrio pessoal e social.
Aliás, a maioria, senão a totalidade, das novas tendências sociais, politicas,
económicas e ideológicas valem-se destas ferramentas para atingir os seus
objetivos.
Se
Karl Popper dizia já, em 1995, no seu célebre livro Televisão: um perigo para a Democracia, que «a televisão se tornou
um poder incontrolado, e qualquer poder incontrolado contradiz os princípios da
democracia»; hoje confrontamo-nos com um poder massificado, onde a liberdade e
a consciência pessoal se podem diluir, dissolvendo-se nessa massificação da
informação e dos seus objetivos.
Sabendo, assim, que o sentido crítico consiste na capacidade de
questionar e analisar de forma racional e inteligente cada assunto, procurando
sempre a verdade; é hoje necessário, mais do que nunca, cultivarmos tal
atitude, formando as gerações mais novas para uma atitude semelhante! Em nome
da procura da verdade, do cultivo da liberdade, contra a massificação, e mesmo
na salvaguarda permanente do equilíbrio pessoal e social.
Pampilhosa, 30 de Março de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(40ª Reflexão)