SOCIONOMIA
Há dias chegou-me à caixa de
correio eletrónico um texto muito interessante, com o título «Eutanásia e o
mito da autonomia», do professor de direito da Universidade de Lisboa, Diogo
Costa Gonçalves. Tratando, como se depreende, do denominado «mito da autonomia»
na perspetiva desta questão sensível, em debate público, como é a eutanásia –
artigo que, de resto, recomendo vivamente -, fez com que me detivesse
particularmente, após a sua leitura, na questão da autonomia.
Certamente que todos nós entendemos o conceito de autonomia como
profundamente positivo, na perspetiva da construção da pessoa e da sua vivência
pessoal e social. Aliás, toda a educação é – em certo sentido – uma formação
para a autonomia. Mas autonomia entendida como capacidade de autodeterminação,
de resposta às necessidades humanas e de desenvolvimento das capacidades
individuais de cada sujeito.
Todavia, a palavra autonomia significa, etimologicamente, a regra de si
mesmo (na composição de autós – eu
mesmo; e nómos – regra). Ora, se
entendermos a autonomia em sentido dogmático, como fim absoluto em si mesma,
então cada sujeito torna-se verdadeiramente a regra para si, prescindindo das
normas comuns, o que conduz a um completo subjetivismo e, em última análise, a
uma inevitável realidade anárquica.
Ao
invés, por oposição, podíamos tender a afirmar a necessidade da heteronomia,
essa conceção que nos levaria a viver segundo as normas definidas pelo outro. Sabendo
que, em última instância, uma heteronomia absoluta conduziria à impossibilidade
de autodeterminação do sujeito, de exercício da sua liberdade e, como consequência
extrema, a uma “ditadura”, que privaria o sujeito da sua liberdade pessoal.
Assim, face a estes dois extremos, opostos entre si, que colocam o
sujeito no confronto do eu normativo absoluto com o tu normativo absoluto, que
via podemos definir para compaginar a liberdade pessoal com a responsabilidade
social? Necessitamos de viver e de valorizar a socionomia! Esta terceira via
compreende, necessariamente, autonomia e a heteronomia. Ou seja, a minha
autodeterminação e a minha responsabilidade social. A socionomia é hoje uma
ciência, criada por Jacob Levy Moreno, nos meados do século XX, que estuda os
grupos e as suas relações, particularmente na articulação entre o individual e
o coletivo.
Deixando de parte as metodologias desta ciência, podemos afirmar que
necessitamos de redescobrir, atualmente, a essência da socionomia, atendendo a
que esta articulação entre sujeito e sociedade nos conduz ao respeito pelo
património comum, mas numa decisão livre de comunhão com o próximo e com as
normas comuns que organizam as nossas vidas em sociedade. Além disso, a
socionomia apela à capacidade de relativização do eu, movendo o sujeito para a
abertura ao outro. Em última instância, a socionomia esbate a sua natureza de
norma – sem negar a sua raiz etimológica -, para abrir o sujeito a uma
interação profícua e fecunda na relação com os demais. Aqui se inscreve, por
exemplo, a solidariedade, que sendo sempre uma ato livre da pessoa, a move no
serviço ao próximo.
Em
sociedades, como as nossas, que tendem a dogmatizar a autonomia e
consequentemente a subjetividade, ao ponto de se afirmar um subjetivismo
dogmático; não desejando, contudo, que jamais se perca a autêntica liberdade
pessoal; necessitamos de revalorizar a socionomia, enquanto meio de equilíbrio
entre o exercício da minha liberdade pessoal e da minha responsabilidade social.
Esta poderá ser uma exigência da hora presente, como fator de equilíbrio na
articulação entre sujeito e sociedade.
Pampilhosa, 23 de Fevereiro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(36ª Reflexão)