PÁSCOA
A palavra Páscoa, com origem
no hebraico pesah e no aramaico phasha, por via do grego pascha, significa literalmente
«passagem», ou «trânsito»[1].
Para
o povo hebraico, a páscoa significava a libertação do Egito, pela mão de Moisés
e a condução à Terra da Promessa que o Senhor, o Deus de Israel, lhes havia
prometido. Na verdade, a páscoa judaica celebra o início desse trânsito e a
passagem a caminho da terra prometida. Para os cristãos, a Páscoa toca o
mistério mais profundo de toda a nossa existência humana – a passagem da morte
à vida! Efetivamente, celebrando o acontecimento da morte e ressurreição de
Cristo, o Filho de Deus que desceu à nossa humanidade, e que por nós deu a Sua
vida, celebramos igualmente com Ele a nossa passagem a essa mesma vida, como
dom que nos vem da graça batismal. Com esta certeza, afirmava São Paulo: «Cristo
ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Porque, assim como por
um homem veio a morte, também a ressurreição dos mortos veio por um homem» (1Cor.
15, 20 – 21). Na verdade, Cristo foi o primeiro a ressuscitar – como primícia –
para nos fazer viver uma vida semelhante à Sua. E essa graça já nos foi dada
pelo dom batismal, pois, como afirma a Igreja, pelo batismo «somos regenerados
como filhos de Deus» e «tornamo-nos membros de Cristo» (CIC. 1213). Ora, ser
regenerado significa, etimologicamente, nascer de novo (regenerare), precisamente porque nos tornámos membros de Cristo.
N’Ele, o Senhor Vivo e Ressuscitado, vivemos uma vida nova. Este é o grande dom
pascal e a fonte de toda a nossa esperança. Por isso esta é a nossa maior
alegria, que não nos cansamos de proclamar neste tempo.
Mas
se a Páscoa tem este sentido para quem é crente – judeu ou cristão -, que
significado poderá ter para quem não tem fé? Numa perspetiva transcendente, os
cristãos creem que Cristo morreu por todos e a todos concedeu já uma vida nova.
Por isso se empenham no anúncio permanente desta boa notícia (evangelion) a cada um dos seus irmãos,
para que todos n’Ele acolham esta boa nova. Contudo, numa perspetiva meramente
imanente ou horizontal, a ressurreição é um convite à permanente renovação da
vida humana. Perante as múltiplas situações de morte que a humanidade, e cada
um de nós, enfrenta, em tantas circunstâncias, somos convidados, neste tempo, a
passar dessas vivências de morte à renovação do dom da vida. São sinais de
morte a violência, a guerra, a injustiça, a mentira, a maledicência, a
desonestidade, o roubo, a deslealdade ou a infidelidade. Como são sinais de
morte tantos vícios que, depauperando a dignidade da vida humana, condicionam a
vida como uma existência livre. O tempo da Páscoa, enquanto «passagem» ou
«trânsito» é um convite singular à renovação. Passar da morte à vida,
significará então assumir a não-violência, a construção da paz, a luta pela
justiça e pela verdade, o cultivo da bondade e da honestidade, a lealdade ou a
verdadeira fidelidade.
Mas,
acima de tudo, a Páscoa é a grande realização do amor – da entrega da vida de
Alguém que, por amor de nós, aceitou oferecer-se até ao fim. Dessa entrega em
que emerge a absoluta novidade da Ressurreição. Se a consideramos em sentido
pleno, tendo como consequência essa vida que jamais terá fim; não deixamos de a
considerar também como um convite permanente, para todos, a fazer da nossa
história pessoal e coletiva, uma contínua passagem do nosso egoísmo ao
autêntico e verdadeiro amor. Realidade que não é exclusiva de alguns, mas sim
património de todos! O amor, que está no centro de toda a vida humana, como seu
fundamento e sentido, será por certo o grito maior a ecoar na Páscoa de cada um
de nós – crentes e não crentes!
A
todos, votos de uma Páscoa Feliz!
Pampilhosa, 13 de Abril de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(42ª Reflexão)
[1] FLORISTÁN, Cassiano – Voc. Páscoa. In
FLORISTÁN, Cassiano – Dicionário de
Pastoral. Porto: Editorial Perpétuo Socorro, 1990, p. 402.