SOFRIMENTO
Próximos
da celebração do Dia Mundial do Doente,
que, em cada ano, desde 1992, se celebra a 11 de fevereiro, por instituição do
Papa João Paulo II; e no momento em que a sociedade portuguesa debate
afincadamente, com argumentação oposta, a problemática da eutanásia; trazemos
aqui algumas considerações sobre o sofrimento. Porque sofremos? Esta é, desde
logo, a primeira e a grande questão que se nos coloca existencialmente! Responder-lhe
não é, certamente, fácil; pois o sofrimento é um mistério da condição humana.
Definir o sofrimento será relativamente mais simples, pois sabemos que ele «é
uma vivência de ordem física, psíquica ou moral, que sobrevém ao sujeito dotado
de conhecimento, pelo que constitui uma experiência profunda da sua finitude e dependência»[1]. Na verdade, a questão do
sofrimento entende-se a partir da conceção mais vasta do problema do mal![2] Assim o percebemos no
pensamento clássico ou na teologia bíblica. Pese embora, para os cristãos, o
essencial seja a intervenção salvífica de Cristo, que, sem anular a nossa
condição humana na história, marcada pelo sofrimento, nos resgata dele no
mistério da Sua glorificação, que é também a nossa glorificação. Não obstante,
numa perspetiva meramente racional, podemos dizer que «o sofrimento permanece
uma ferida em aberto», tanto mais que os homens têm progredido mais na luta
contra a dor, do que «na inteligibilidade do grande mistério do sofrimento e do
mal»[3].
Neste mistério amplo do sofrimento, podemos individualizar a dor,
mediante a qual o homem experimenta a «sua incapacidade, os seus limites, a sua
finitude» (CIC. 1500). Não raro, motivo de angústia, ou até de desespero, ou
mesmo de revolta contra Deus (cf. CIC. 1501). Mas, noutros casos, ocasião de
amadurecimento, de discernimento do que é mais importante na vida, ou mesmo
ocasião de regresso à fé (cf. CIC. 1501). A dor, que é sempre um limite humano,
nunca é algo que Deus queira; e jamais pode ser entendida como um castigo. A
dor, como todo o sofrimento, é parte do mistério da nossa humanidade, que havemos
de saber assumir e enfrentar. Sim, ainda que nenhum de nós a deseje, ela é algo
de profundamente humano. Sabendo que a única forma de a enfrentar é exatamente
com atitudes verdadeiramente humanas e humanizadoras. Desde logo, diante do
sofrimento alheio, impõe-se-nos a proximidade – uma proximidade respeitosa, que
atenda à pessoa e às suas condições; mas uma autêntica proximidade fraterna, de
cura, de apoio, de ajuda e de estímulo, precisamente para que o doente não caia
no desânimo.
Para
enfrentar a dor, temos hoje de continuar a investir no desenvolvimento
científico, procurando novos fármacos, numa área que tem dado passos de
gigante, nas últimas décadas, procurando responder às múltiplas enfermidades.
Mas provendo a uma justa distribuição, que permita fazer chegar a todos os
homens e povos os novos resultados dessa investigação, a preços justos e
razoáveis. Depois, a proximidade médica e dos técnicos de saúde, na sua relação
humana com o doente, sabendo que a dor afeta a pessoa no seu todo, e essa
proximidade será certamente uma possibilidade singular de conforto. De igual
modo, o círculo familiar, de amigos e de vizinhos, desempenha uma função
insubstituível, não apenas minimizando as eventuais dificuldades que advêm da
enfermidade, mas acompanhando com compreensão e carinho a pessoa que sofre. Sem
atitudes de compaixão doentia, mas estimulando a coragem, a esperança e a
vivência positiva da vida, mesmo no sofrimento.
Num
tempo em que se sobrevaloriza o prazer e a dor procura ser escondida do quadro
da existência humana, havemos de humanizar a dor – lutando contra ela,
minimizando-a, até ao limite do possível; mas nunca esquecendo que ela é
constitutiva da nossa humanidade. Assim, lutando contra a dor, havemos de
renovar sempre a humanização das nossas relações com quem se encontra em
sofrimento.
Pampilhosa, 09 de Fevereiro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(34ª Reflexão)