PARTILHA
A
palavra partilha que provém, na sua etimologia, do diminutivo de «pars» - «partícula», significa
«dividir», «repartir» ou «distribuir». Ora, a partilha faz parte da nossa
condição humana, desde logo porque somos seres em comunhão, vivendo em
sociedade. Uma das características da nossa humanidade é exatamente essa: a de sermos
homo socialis (homem social),
partilhando, portanto, os nossos destinos comuns, não obstante a singularidade
de cada um no seio da sociedade.
Acontece que a nossa humanidade – na sua expressão pessoal e coletiva –
se debate frequentemente entre a luta egocêntrica e a alteridade, significando
esta última precisamente a relação de interação e de dependência com o outro. A
alteridade pressupõe que eu tenha esse sentido do próximo, assuma para com ele
um compromisso e me sinta dependente dele. Ora, um dos elementos da nossa
vivência humana onde mais se expressa o egocentrismo (essa centralidade do eu e
dos meus interesses, sem contar com os demais) é precisamente na relação com os
bens materiais. Se, nos inícios da humanidade, o homem só possuía aquilo que
todos recolhiam em conjunto, como fonte de subsistência comum; com o seu
desenvolvimento e particularmente com a sua sedentarização, o homem tendeu
sempre, cada vez mais, a tornar-se possuidor de uma parte dos bens; ao ponto
de, no decurso da história, alguns serem privados de bens em favor de outros.
Ou, mais grave ainda: alguns tornaram-se bens materiais para outros.
Ultrapassadas essas vicissitudes da história, continuamos na demanda da
justiça, que significa dar a cada um o que lhe é devido. Mas estamos longe
deste desígnio humano e da finalidade dos bens criados. Na sua doutrina, a
Igreja sublinha a universalidade dos bens, ao afirmar: «Deus destinou a terra
com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os
bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça,
secundada pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme
as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis
circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal de bens» (GS.
69).
Acontece que, hodiernamente, a posse dos bens não se esgota no que se acumula,
mas fundamentalmente, no respeito pelos direitos mais básicos de toda a pessoa
– o direito à alimentação, ao alojamento, à saúde, à educação, à comunicação, à
justiça, entre outros.
Contudo, como se não bastasse a epidemia da fome em vários países
africanos e orientais, a falta de acesso a quase todos os bens básicos para a
subsistência e vida digna de cada ser humano, que, nessas paragens, se prolonga
na história, como sinal evidente do desequilíbrio e egoísmo humanos;
confrontamo-nos hoje com novos pobres: as vítimas da guerra, que perdem tudo e
procuram refúgio em países onde possam viver com um mínimo de dignidade.
Todavia, na hora presente da história, o mundo mais rico parece reagir
ao contrário: negar, a quem tem necessidade, o básico para que possa viver.
Tendência que se iniciou a leste da Europa e parece acentuar-se agora, na
extensão a outros países e continentes. A impressão é a de que hoje muitos
países tendem a fechar-se, deixando entregues à sua sorte os mais desprotegidos
e vulneráveis.
Este
egocentrismo tende ainda a estender-se também às nossas cidades, vilas e
aldeias, onde cada um parece entregar-se apenas aos seus interesses pessoais,
despreocupando-se com a sorte dos que vivem junto de si e com o serviço do bem
comum.
Ora,
necessitamos de redescobrir o sentido da partilha. Não numa atitude assente
meramente num certo voluntarismo pessoal; mas sim na perspetiva de uma renovada
humanização e de uma autêntica justiça.
A
partilha une-nos, torna-nos próximos, corresponsáveis pelos destinos uns dos
outros. Mas, sobretudo, a partilha humaniza-nos, pois como seres sociais que
somos, ela traduz um dos traços fundamentais da nossa identidade humana.
Pampilhosa, 02 de Fevereiro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(33ª Reflexão)