LAICIDADE
INCLUSIVA
Um
dia depois de termos terminado, como em cada ano, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos – semana que decorreu de
18 a 25 de Janeiro -, e que levou várias Igrejas Cristãs a reunirem-se para
pedirem, em conjunto, esta unidade, fortalecendo entre si os laços de maior
comunhão, em autêntico espírito ecuménico; e ainda a poucos dias da entrevista,
dada ao Jornal Público (18.01.2017),
por José Vera Jardim, Presidente da Comissão
da Liberdade Religiosa, em Portugal, entrevista concedida precisamente no
início desta Semana de Oração pela
Unidade dos Cristãos; retenho aqui duas notas relativas à liberdade
religiosa em Portugal. A primeira é do próprio Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa que,
aquando da sua tomada de posse, afirmou, com clareza, que nunca teve, nem tem,
uma «agenda laicista», pretendendo mover-se essencialmente por um princípio
fundamental, na relação com as diversas Igrejas: «a não-discriminação».
Princípio claramente ressalvado, a quatro meses de distância do início das suas
funções, com bastante moderação, na entrevista concedida, mesmo nos
questionamentos e possibilidades que ali deixa em aberto. Por seu turno, a
Ministra da Justiça, aquando da tomada de posse deste novo responsável da Comissão da Liberdade Religiosa, em 05
Setembro de 2016, afirmava que reconhecia a importância deste organismo para a
manutenção da «paz social», num momento de «renascimento religioso»,
considerando que, em Portugal, se vive uma «laicidade inclusiva».
Ora
a laicidade define-se como um princípio institucional dos Estados democráticos,
separando as funções do Estado das funções das Religiões. Isto é, assume-se uma
separação de competências, não exercendo o Estado qualquer poder religioso, nem
as Igrejas qualquer poder político. Ao contrário do que alguns possam pensar,
esta posição institucional beneficia o Estado e as Igrejas, mantendo-se uma
relação de cooperação, mas não de interferência nas competências de cada um.
Portugal tem sido, neste sentido, bastante moderado – não obstante
alguns laivos de laicismo puro, de alguns quadrantes políticos e sociais – se
comparado com a maioria dos países europeus. Na verdade, um pouco por toda a
Europa, com o seu epicentro em França, grassa um laicismo radical, que,
enquanto prática da laicidade, assume uma forte hostilidade ao fenómeno
religioso, bem como às práticas desta natureza, pretendendo encerrá-las na
esfera do privado. Ora, isto atenta contra os direitos humanos que, na sua Carta Internacional, salvaguarda que
«toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião» (art. 18º), bem como contra uma boa parte das Constituições Republicanas que, como a Portuguesa, sublinham que o
direito à «liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável» (Constituição da República Portuguesa,
Art. 41º, nº 1).
Entre nós persiste esta «laicidade inclusiva», que respeitando as
competências do Estado e das Igrejas, ressalva o direito das pessoas, bem como
o reconhecimento humano, social e cultural das diversas Igrejas e a sua
possibilidade de expressão. Aqui se insere também a Igreja Católica, não
obstante a consideração da representatividade social de cada uma das Igrejas. Esta
«laicidade inclusiva» é uma exigência própria dos direitos da pessoa e da
sociedade, pois a religião e a vivência da fé são também elementos
estruturantes das sociedades e da sua cultura.
Neste sentido, com razão afirma a Lei
da Liberdade Religiosa, decretada pelo Parlamento Português, com data de 22
de Junho de 2001: «O Estado cooperará com as Igrejas e as comunidades
religiosas radicadas em Portugal, tendo em consideração a sua
representatividade, com vista designadamente à promoção dos direitos humanos,
do desenvolvimento integral de cada pessoa e dos valores da paz, da liberdade,
da solidariedade e da tolerância» (Art. 5º).
Pampilhosa, 26 de Janeiro de 2017
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(32ª Reflexão)