PROXIMIDADE
Na
passada semana fui tocado por dois acontecimentos ligados ao mundo da música: a
partida de Leonard Cohen, que nos deixa um imenso legado, e a oração a Nossa
Senhora, de Eric Clapton, composta num momento de profunda angústia, ou mesmo
de desespero do seu autor. Retenho aqui, mais do que quaisquer outras questões
ligadas ao génio destes dois homens, duas histórias de vida, que partilharam
connosco. Leonard Cohen, no seu discurso aquando da receção do prémio Príncipe
das Astúrias, em 2011, fez memória do seu professor de guitarra, que lhe
ensinou os primeiros seis acordes, sobre os quais – dizia! – construiu toda a
sua música, sem que quase nada soubesse dele, senão simplesmente que era um
cidadão espanhol! Quando, num certo dia, o professor não apareceu para a aula
particular que lhe lecionava, como era hábito, Cohen contactou a pensão onde se
hospedava e confrontou-se com o choque enorme da notícia do suicídio do seu
mestre de guitarra. Concluía que devia muito a Espanha, pois havia sido um
espanhol a ensinar-lhe os primeiros acordes de guitarra. Mas deixava implícita
a mensagem, de um modo subliminar, que, afinal, beneficiou dos conhecimentos de
um professor que, verdadeiramente, nunca chegou a conhecer.
Por
seu turno, Eric Clapton, na sua autobiografia, relata um momento de particular
angústia e sofrimento, quando, na tentativa de recuperar da dependência de
drogas, em 1987, numa certa noite apenas lhe restou contar com o apoio de Nossa
Senhora, a quem dedicaria uma melodia excecional: «Holy Mother» (Mãe Divina),
que, mais não é, senão um enorme grito de súplica e de pedido de auxílio.
Estes dois relatos, de músicos ímpares, cada um segundo o seu estilo,
mas universalmente conhecidos e aplaudidos, fizeram-me pensar na solidão e na angústia
de tantos que, não obstante a fama e o sucesso, vivem uma infinita solidão
interior, quantas vezes conducentes ao limite de se privarem da própria vida. E
pensava, ainda, que tal realidade é transversal a toda a sociedade, na qual
tantos aparecem com a aura de homens e mulheres de sucesso e que, afinal, vivem
vidas marcadas por uma imensa infelicidade e solidão! Ou ainda naquelas pessoas
que, à nossa volta, aparentemente felizes e realizadas, vivem uma solidão
semelhante! É que «nem tudo é o que parece», segundo o adágio popular! Que
fazer, então? Como podemos contribuir para reverter tais situações? Não tenho
dúvidas: todos nós necessitamos de sair, cada vez mais, de nós mesmos e criar uma
maior proximidade com os outros; criar autênticos laços de afeto e de comunhão!
Não numa proximidade invasiva, que desrespeite o direito à individualidade e à
legítima privacidade – por vezes tão maltratada por quem se faz próximo, mas
não é verdadeiramente amigo! -; mas uma proximidade afetiva, disponível,
fiável, capaz de permitir a cada um, num momento de solidão, de angústia ou de
profunda tristeza, a possibilidade de encontrar um ombro amigo, que sirva de
apoio, e um coração disponível, capaz de ajudar a reencontrar caminhos!
Necessitamos de maior comunhão, afeto e proximidade, refazendo as nossas
relações humanas, sejam elas de amizade ou simplesmente sociais. Necessitamos
de cuidar uns dos outros, na consciência de que ninguém – absolutamente ninguém!
– é uma ilha isolada! Precisamos de escancarar, com sinceridade, as portas do
nosso coração e as nossas mãos amigas para que o outro, sempre que sinta
necessidade, se abeire de nós com confiança.
A
história daquele professor e a solidão de Clapton são uma espécie de grito, a
interpelar-nos no sentido de construirmos um mundo mais fraterno, de mais afeto
e de maior disponibilidade para com aqueles que estão ao nosso lado; que
caminham nas nossas ruas, que vivem nos nossos prédios, ou que, inclusive,
frequentam as nossas casas! Que nenhum de nós tenha de concluir, em
circunstância alguma, como referia Cohen: «eu não sabia nada daquele homem»,
mesmo partilhando com esse homem algo de tão significativo para a sua vida.
Cohen deixa-nos um lamento, que bem pode ser um gesto profético para os tempos
que vivemos!
Pampilhosa, 17 de Novembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(24ª Reflexão)