MORTE E RESSURREIÇÃO
Acabámos de entrar na denominada hora de inverno, que privilegia a luz
do amanhecer, em detrimento de um prolongamento maior da presença da luz na
hora do anoitecer. De igual modo, este período do ano, até ao solstício de
inverno, em dezembro, é ainda especialmente marcado por uma natural e progressiva
ausência de luz, com o consequente aumento, mais prolongado, do tempo noturno. Um
período do ano que nos remete para a sensação de trevas e de escuridão.
Por
outro lado, iniciámos o mês de novembro recordando os nossos entes queridos
que, num tempo mais próximo ou mais distante, já partiram, cruzando o limiar da
morte. Assim, também esta época, e especialmente este início de novembro,
parece ser um tempo triste, na recordação da morte – recordação de quem partiu
e consciência de que este limiar é transversal à história de todos nós. Esta
memória é ainda igualmente vivida quando a própria natureza parece, também ela,
querer adormecer nesse sono de morte, pois o inverno, que se aproxima,
caracteriza-se precisamente pela ausência do vigor de outras estações e sua respetiva
vitalidade!
Morte, trevas e escuridão poderiam entender-se como uma espécie de caldo
único a alimentar a nossa tristeza e desalento, num tempo revestido de tristeza
e de uma espécie de finitude. É verdade que o tempo prefigura a nossa história
humana e o inverno seria o tempo da velhice. Por contraste – como tantas vezes
fazemos significar – com a primavera da vida, símbolo da juventude.
Mas
se este período do ano se reveste de alguns destes traços, desejados por uns e
desagradáveis para outros, sabemos bem que cada estação prepara sempre aquela que
se lhe segue! Assim, o inverno, com os seus rigores próprios, é essencial para
que na primavera brote pujante a vida; para que tudo rejuvenesça e da terra
brote abundante, luxuriante e vigorosa a natureza, num ciclo permanente de
renovação.
Também assim na nossa vida: na contagem do tempo, no acumular de
estações e quando o inverno da existência se aproxima, a atitude não pode ser
de tristeza e de solidão! A cada estação da vida, sucede outra estação; e após
o inverno da existência abre-se-nos o vigor de uma nova primavera! Se na
brevidade da vida contemplamos as múltiplas estações, o inverno não será a
última, de uma finitude sem fim, de qualquer solidão ou tristeza! O inverno da
existência é o tempo fecundo, das sementes adormecidas, que prepara uma nova
pujança e uma outra existência que há-de brotar em todo o seu esplendor! E,
então, como as estações do ano, que se entendem na sua inter-relação, também as
estações da vida se compreendem à luz de uma permanente existência, mesmo tendo
de se cruzar o umbral da morte! Sim, esse inverno existencial que nos abre à
eterna primavera! Á vida! Que não se esgota numa fase da existência, mas se
renova até à sua plenitude!
Este
tempo, com as suas características naturais, sociais e religiosas, tem a
virtualidade de nos colocar face a face com uma das perguntas mais candente,
que a todos habita: que sentido tem a vida? Qual o meu futuro?
Para
quem não perfilha a fé cristã, este pode ser um tempo oportuno para refletir a
existência pessoal por comparação com a natureza e os seus ciclos, procurando
descortinar neles um sentido para a vida! Para outros – que hoje tendem a viver
um sincretismo religioso e de pensamento – a vida seria um eterno retorno, nos
ciclos contínuos de purificação, até atingir a sua comunhão plena com o cosmos,
num estado de graça e de paz absolutos. Todavia, já sem qualquer identidade pessoal.
Para
mim, e para todos os que perfilham a fé cristã, o enigma das estações da vida
foi descodificado por Aquele que se fez um de nós, que passou o limiar da morte
e que agora vive ressuscitado! Aquele que permanentemente nos afirma: «Eu sou a
ressurreição e a vida. Quem crê em Mim, ainda que morra viverá. E quem vive e
crê em Mim jamais morrerá» (Jo. 11, 25 – 26). Aquele de quem Paulo afirma que
ressuscitou dos mortos como «primícias dos que adormeceram» (cf. 1Cor. 15, 20).
Seja
qual for a convicção de cada um, este é um tempo oportuno para respondermos
honestamente às dúvidas que nos habitam, ou para aprofundarmos a consciência da
esperança que nos anima. Um convite neste tempo de trevas aparentes, que, não
obstante, traz no seu seio, como sementes, os raios esplendorosos duma
incessante Luz!
Pampilhosa, 03 de Novembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(22ª Reflexão)