SUPERAÇÃO
Uma
das riquezas da humanidade é a singularidade de cada um dos seus membros. Nenhum
de nós se repete, pesem embora as semelhanças físicas que nos possam aproximar
desta ou daquela pessoa. E, sendo assim do ponto de vista físico, tal
singularidade determina-nos também do ponto de vista da personalidade. Cada um
de nós é, efetivamente, uma riqueza singular, irrepetível, única!
Existem, contudo, traços característicos que nos podem aproximar, tanto
física como psiquicamente, a que a psicologia chama «biotipos»: os pícnicos, os
atléticos e os leptossómicos, com características físicas e psíquicas
determinadas. Mas, sem nos determos nestas classificações, concordaremos que,
não raro, nos podemos agrupar nalguns tipos de temperamento, expressos no modo
como entendemos e vivemos a nossa existência pessoal: alguns de nós mais
otimistas; outros mais pessimistas; e outros, ainda, particularmente realistas.
Certo é que, sejam quais forem as nossas características, todos temos um desejo
comum: sermos felizes!
Ora, tal desejo profundo, que engloba e orienta as nossas vidas, é
particularmente condicionado por essas características pessoais: se para um
otimista cada ocasião vivida é entendida como uma oportunidade, mesmo as mais
difíceis e penosas; já para um pessimista muitas das suas vivências são
entendidas como uma provação, marcadas pelo peso, pela inquietação e, não raro,
pelo desânimo. Enquanto um realista, por seu turno, tende a olhar para os
factos com alguma racionalidade e enfrentá-los nessa perspetiva racional, por
vezes até mesmo com alguma frieza ou distanciamento emocional.
Assim sendo, e na perspetiva da felicidade, nem todos partimos da mesma
linha: se uns, pelas suas características pessoais, têm a corrida mais
facilitada; outros necessitam de maior superação de si, para atingir as mesmas
metas existenciais. Assim, a estes últimos exige-se-lhes essa capacidade maior
de superação, enquanto esforço para ultrapassar as dificuldades ou perspetivas
de vida, colhendo, então, o que esta de melhor tem para lhes oferecer.
Certo é que não existem categorias perfeitas, pelo que todos
necessitamos de nos superar permanentemente, relativizando o que a vida
comporta de negativo, para nos deixarmos iluminar permanentemente pelo que esta
nos oferece enquanto possibilidades. É, no fundo, a história do ponto negro na
folha branca: quantas vezes nos debruçamos exclusivamente no ponto negro, que é
mínimo no espaço de uma folha branca, e esquecemos a própria folha branca, com
todas as possibilidades oferecidas à nossa criatividade de escrita. Assim é a
nossa vida: quantas vezes nos centramos excessivamente nos nossos problemas e
dificuldades, em vez de nos preocuparmos em reter da vida tudo quanto de bom
ela nos oferece?!... Sabendo, contudo, que esta última atitude é que pressupõe a
verdadeira sabedoria e é fonte de felicidade!
Sempre admirei as pessoas que, sendo vítimas de problemas humanos
graves, procuraram, ou procuram, o lado mais belo da existência! Por vezes com
a consciência de uma vida curta, mas na opção de aproveitar o tempo que lhes é
dado viver, mais do que lamentando aquele de que não poderão usufruir;
privilegiando o que se tem, mais do que aquele que se poderia ter! Gestos e exemplos
de um enorme significado humano e de uma imensa sabedoria!
Com
maiores ou menores dificuldades existenciais, todos nós temos de aprender a
arte da superação, no sentido de nos recentrarmos permanentemente nas
oportunidades da vida, oferecidas em cada dia, no intuito de colhermos o que de
melhor nos é dado viver! Dependendo sempre do nosso olhar e da nossa capacidade
de privilegiar o que nos constrói. Fazendo dessa vida uma realidade gozosa, que
valha a pena ser vivida!
Necessitamos, permanentemente, de colher os frutos belos da existência,
para que o seu sabor nos dê o suave paladar da felicidade. Nas coisas maiores de
cada dia, ou naquelas que nos parecem mais insignificantes!
Se
para uns é mais fácil tal percurso, enquanto para outros mais exigente, certo é
que todos temos capacidade de aproveitar o tempo que nos é dado viver enquanto
oportunidade de realização. É que, parafraseando Enéas, nenhum de nós quer
apenas uma vida com final feliz, mas sim uma vida inteira preenchida pela
felicidade!
Pampilhosa, 10 de Novembro de 2016
Pe. Carlos Alberto G. Godinho
(23ª Reflexão)